Debate em torno do ensino remoto precisa ser mais construtivo
Discutir formas de tornar o ensino remoto mais inclusivo é mais proveitoso do que advogar
por um retorno precipitado das aulas presenciais ou esperar pela vacina
Comentarista Melissa Rocha- RJ
melissa.rocha@mulheresjornalistas.com
O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou nesta semana uma resolução que permite estender até dezembro de 2021 o ensino remoto em redes públicas e particulares de ensino.
O texto aprovado contém várias diretrizes. Ele recomenda a junção dos anos letivos de 2020 e 2021, dando às escolas a opção de reorganizar calendários para que alunos possam aprender, em 2021, conteúdos que ficaram pendentes neste ano. Ele também recomenda a criação de turmas suplementares para alunos do terceiro ano do ensino médio – medida vista como uma espécie de “quarto ano”. Em seu trecho mais polêmico, o texto recomenda a adoção de pesquisas e trabalhos escolares como métodos de avaliação para aprovação ou reprovação, no lugar das tradicionais provas. A medida visa reduzir o índice de reprovação em 2020, para evitar que ele se converta em um aumento da evasão escolar.
Cabe lembrar que as diretrizes não são obrigatórias, mas sim recomendações. O CNE deixa ao encargo de estados e municípios seguir ou não as recomendações na rede pública de ensino. Na rede privada, a decisão cabe à própria instituição. A resolução também não veta o retorno das aulas presenciais, que segue de acordo com o cronograma de cada estado. Ou seja, o que ela basicamente faz é autorizar a extensão do ensino remoto e dar orientações sobre como implementá-lo.
A decisão do CNE tem base no seguinte fato: não se sabe quando a vacina contra a covid-19 estará disponível. O cenário mais otimista aponta que será na segunda metade de 2021. Mas uma coisa é ela estar disponível, outra é a pandemia estar controlada – o que deve levar mais tempo. E enquanto as condições sanitárias não permitem o retorno das aulas presenciais, não há outra saída a não ser recorrer ao ensino remoto.
A modalidade vem sendo alvo de discussão desde que a pandemia irrompeu no país. De fato, houve mais bate-boca do que busca por soluções. Defensores afirmam que o ensino remoto reflete um inevitável avanço da tecnologia na área da educação. Críticos denunciam que a modalidade agrava a exclusão e defendem aulas presenciais e somente após a chegada da vacina. Ambos os lados estão corretos em seus argumentos; o que falta é o diálogo.
Sim, a tecnologia cada vez ocupa mais espaço na educação escolar, e isso explica a ascensão das chamadas edtechs – startups de tecnologia que buscam inovar o sistema educacional por meio de plataformas criadas para potencializar o aprendizado. A tendência de integrar ensino e tecnologia avança em vários países, e o Brasil não é uma exceção.
Porém, em um país tão desigual, é fato que esse avanço não chega a todos. Diante disso, seria mais construtivo aproveitar a resolução do CNE como base para cobrar mais ação do poder público, em especial do MEC, para promover a inclusão de alunos e a capacitação de professores para lecionar de forma remota – uma vez que para muitos deles isso é uma novidade.
As escolas da rede pública devem ser cobradas a fazer um mapeamento dos estudantes, para identificar os mais vulneráveis. A partir desse mapeamento, as esferas federal, estadual e municipal poderiam implementar um plano de ação conjunto para garantir que os estudantes mais vulneráveis recebam computador e outros dispositivos necessários para o ensino remoto. Uma saída seria fechar parcerias com empresas, aproveitando que estão cada vez mais engajadas socialmente.
Mas ter um computador não basta, é preciso ter internet banda larga para acessar as plataformas online. Nesse ponto, a pressão popular pode ajudar, exortando parlamentares a darem urgência na aprovação de projetos de lei que buscam garantir internet bandar larga, com fins educacionais, para alunos e professores da rede pública. Atualmente, há dois projetos nesse sentido em trâmite na Câmara dos Deputados. Um deles (PL 3477/2020) foi
apresentado em junho deste ano; o outro (PL 3658/2020)), em julho. Desde então, ambos aguardam despacho do presidente da Casa, Rodrigo Maia.
Se tais medidas tivessem sido debatidas logo no início da pandemia, o dano causado aos estudantes teria sido menor. Porém, na ocasião, ainda não se tinha ideia de que ela persistiria por mais de um ano. Por outro lado, agora sabemos que ela não tem prazo definido para ser declarada sob controle. Diante disso, mais proveitoso do que esperar pela vacina ou advogar por um retorno precipitado e irresponsável das aulas presenciais, seria pressionar por um ensino remoto mais inclusivo e eficaz. Dessa forma, podemos evitar que mais um ano letivo seja comprometido pela pandemia.