Por Monique Dutra- Rio de Janeiro

O óbvio precisa ser dito: o Brasil é um país de desigualdades. Não há como negar essa realidade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), dos 211 milhões de brasileiros, cerca de 57% se declaram pardos e negros, porém este contingente está longe de ter representatividade no mercado de trabalho. Para ter uma ideia dessa disparidade, menos de 5% de cargos de comando das 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por negros.

Após 132 anos da assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, ações de políticas afirmativas para combater os efeitos do racismo estrutural e programas de cotas no Brasil ainda geram desconforto em parte da sociedade, como foi o caso da Magalu, que ganhou repercussão nacional ao anunciar um programa de trainee exclusivo para candidatos negros.

Enquanto ações afirmativas de reparação históricas ainda são tímidas, mulheres se unem para mostrarem suas histórias. Este é o caso da Sandra Coleman, autora do livro Mulheres Negras Brasileiras: presença e poder – da exposição ao livro e mestre em Estudos Profissionais na Universidade do Estado de Nova York (SUNY), em New Paltz, EUA. Ela é a entrevistada desta edição do “Mulheres Incríveis e Possíveis”, no Mulheres Jornalistas.  

Como foi trajetória pessoal e profissional?

A minha trajetória foi repleta de racismo seja estrutural, recreativo ou institucional, e no livro Mulheres Negras Brasileiras PRESENÇA E PODER – da exposição ao livro, publicado pela Editora CRV, que organizei, na minha auto-mini-biografia trago algumas passagens. Por exemplo, o estrutural aparece quando os meus antepassados na África foram separados e enviados para as Américas para serem escravizados; o recreativo aparece com todos os apelidos racistas que eu fui nomeada, até imitar macaco na minha adolescência eu fazia para o delírio daqueles que se diziam meus amigos; e o institucional surgiu nos trabalhos que me eram ofertados, sempre ganhando um salário menor e não recebendo um trabalho melhor em decorrência da cor da minha pele. A situação mais recente aconteceu na universidade em que me graduei em que não pude ser “tutora” de espanhol ou português porque sou preta.

Como surgiu a ideia de lançar o livro com mulheres?

O livro surge a partir de uma exposição que organizei no meu último semestre do mestrado em Estudos Profissionais na Universidade do Estado de Nova York – SUNY New Paltz, a “Black Brazilian Women: Presence and Power“, traduzindo “Mulheres Negras Brasileiras: Presença e Poder”. Esta iniciativa teve o intuito de afrontar a universidade mostrando que no Brasil existiam negras acadêmicas. O evento se transformou em uma elevação de autoestima. Nele, foram apresentadas trajetórias de vida, fotos e casos de racismo de 50 mulheres negras brasileiras.

Mulheres na exposição: A carioca Thaís Rosa Pinheiro, CEO da agência de turismo Conectando Territórios, que apresenta a diversidade cultural brasileira às pessoas, foi uma da 50 mulheres negras que participaram da exposição.

Qual é a história do livro?

A construção do livro tem muitas histórias, daria um outro livro. Primeiro, fui aconselhada a escrever sozinha. Material para isso, eu tinha. Inclusive, minha professora queria que eu fizesse em inglês. Seria um livro sobre a exposição escrito a uma mão, mas eu sou uma pessoa que acredita muito no coletivo, em dividir o foco. Assim, decidi que não iria fazer sozinha. E, em fins de agosto de 2019, eu começava a elaborar o livro que foi crescendo, crescendo… E em 21 de fevereiro ele estava pronto. Foi quando entrei na fase de olhar para editoras. Até que no final de março eu assinava contrato com a Editora CRV. E, em 24 de julho estava sendo realizado o primeiro lançamento on-line pela página da editora.

Apesar de não ter uma divisão, pode se dizer que o livro é dividido em duas partes: uma trazendo a minibiografia de 13 mulheres que eu chamo de “Rainhas e Divas” sendo que 9 participaram da exposição – Vanda Ferreira, Helena Theodoro, Creuzely Ferreira, Lia vieira, Nanci Rosa, Catarina de Paula, Rosa Lima, Ruth Pinheiro e Neia Daniel. Não satisfeita em ter essas mulheres resolvi convidar mais 4: Jurema Batista, Maria Soares, Neusa das Dores e Maria Alice. Tenho a consciência que existem muito mais mulheres para serem biografadas, mas, infelizmente, eu não tinha espaço. Estas 13 mulheres foram biografadas por outras mulheres negras, mais jovens.

A segunda parte traz narrativas que poderíamos dizer que são auto-mini-biografias. São 26 mulheres (inclusive eu) narrando um pouco da sua história de vida. O livro tem o prefácio de Ann Dean, uma mulher branca, muito consciente do seu privilégio que atua como professora no Departamento de Educação da Universidade do Estado de Nova York campus New Paltz. E o prólogo da linda Miriam Alves, nossa escritora e poeta.

Quando e onde foi o lançamento do livro? 

O primeiro lançamento foi na página da editora CRV no Facebook. Depois ocorreram outros, todos on-line, não só por causa da pandemia, mas, também, porque eu moro em Raleigh, capital do Estado Carolina do Norte – EUA.

Como foi conseguir se conectar com tantas mulheres pelo mundo

O livro traz mulheres brasileiras, todas negras, e para me conectar com elas ou para encontrá-las busquei nas minhas redes sociais e outras me foram indicadas por amigos.

Qual é o significado desta obra para a independência das mulheres

O processo de independência pode ser visto em vários momentos no livro, a partir de uma análise das trajetórias de vidas das biografas e biografadas.

Você pode compartilhar dicas/lições que foram essenciais na sua trajetória profissional e pessoal

Uma dica que eu considero muito importante e que dou sempre para as estudantes negras é: “não discuta com o professor. Discutir com o professor só vai trazer-lhe problemas”.

Outra dica, é que: “cuidado com conselhos de brancos; nem todo branco é amigo”. Isso porque brancos tem o costume de dizer o seguinte: se você sonha em estudar medicina, “você vai ser uma excelente enfermeira”. Ou como eu costumava ouvir na minha adolescência quando falava que queria ir para universidade, e o branco dizia: “pra que? tá cheio de gente com diploma varrendo rua”. Com o tempo aprendi que essas respostas fazem parte do racismo brasileiro.

“Sororidade, Ubuntu, Uma Sobe e Puxa a Outra” são algumas das ideias que eu tento seguir, e penso que estou conseguindo. Aos poucos vou fazendo minha parte, “metendo o pé na porta” como diz a Valeria Neves.

Aprendi a transformar o luto em luta. E, com este aprendizado me tornei mais forte e mais resistente. Sou filha, neta, bisneta, tataraneta de mulheres negras sobreviventes.

Tenho muito respeito pelas mais velhas, as detentoras da sabedoria, a elas eu me prosto.