Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista

Como nossos hábitos alimentares têm mudado nos últimos anos, em especial na pandemia, e os riscos para saúde que acabam nos tornando dependentes da indústria farmacêutica

A pandemia, o aumento da inflação e a taxa de desemprego cooperaram para que a qualidade da alimentação dos brasileiros caísse com uma certa velocidade no último ano. Com os produtos industrializados com preços mais acessíveis, inúmeras famílias passaram a consumir menos alimentos saudáveis por questões econômicas, mas o consumo desse tipo de alimentação, a longo prazo, pode trazer sérios problemas.

Nos últimos anos, a ingestão de produtos ultraprocessados tem aumentado consideravelmente e, de acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que analisou os produtos mais consumidos no Brasil desde 1995, a tendência é que os alimentos industrializados fiquem cada vez mais baratos, o que torna os produtos “in natura” menos acessíveis para a maior parte da população brasileira.

Com os preços altos, as fontes mais comuns de proteínas, como carnes, ovos e peixes, têm sido substituídas por produtos como nuggets, mortadela e hambúrguer, uma alternativa mais acessível. No entanto, essa mudança torna o prato do brasileiro mais pobre com relação às principais proteínas e fibras necessárias para uma alimentação de qualidade, por outro lado, rica em gorduras, sódio e conservantes, uma troca nada saudável.

De acordo com pesquisa do Datafolha, em parceria com o Idec e IBGE, o brasileiro incluiu na sua dieta produtos como salgadinhos, molhos prontos e biscoitos, dentro da faixa etária de 45 a 55 anos. Entre 2019  e 2020, o consumo desse tipo de alimento teve um salto de 7%. O estudo levou em consideração questões econômicas, região e escolaridade, mostrando como essa porcentagem pode variar de acordo com a realidade e o cenário atual das famílias. Também foi analisado o aumento do consumo de produtos ultraprocessados entre a  população a partir de 18 anos e, em se tratando de questões de localidade ou área de habitação, o aumento desse consumo pode ir de  7,4% nas regiões rurais até 15,4% nas urbanas.

Foto: Acervo pessoal/Pabyle Flauzino

Por um lado, os produtos industrializados podem garantir uma alimentação mais barata e acessível, por outro, podem desenvolver doenças crônicas, como obesidade ou doenças cardiovasculares. Para entender como esses alimentos podem nos prejudicar e se há uma forma certa de consumir esses produtos, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com a nutricionista  Pabyle Flauzino, mestra em Nutrição e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará, pós-graduada em Comportamento Alimentar e divulgadora científica/produtora de conteúdo na rede social através da conta @nutri.des.construida.

MJ: O que são produtos ultraprocessados?

Pabyle Flauzino: São comidas ou bebidas criadas a partir de substâncias obtidas por meio do fracionamento de alimentos in natura. São exemplos de produtos ultraprocessados refrigerantes, sorvetes, biscoitos recheados, alguns pães etc.

MJ: Além dos ultraprocessados, os alimentos industrializados estão classificados como in natura,  ingredientes culinários e alimentos processados. Qual a diferença?

Pabyle Flauzino: Alimentos in natura são aqueles semelhantes aos encontrados na natureza. Exemplo: frutas e vegetais.  Ingredientes culinários são extraídos dos alimentos in natura e são utilizados frequentemente no preparo de refeições. Exemplo: óleo e açúcar. Já os alimentos processados são a junção dos alimentos in natura e ingredientes culinários. Exemplo: Doce de banana com adição de açúcar.

MJ: Quais os riscos para saúde que o consumo desses produtos pode trazer?

Pabyle Flauzino São cada vez mais claros os prejuízos à saúde física, mental, social e ambiental dos produtos ultraprocessados. Inúmeros estudos apontam associação do consumo de produtos ultraprocessados ao desenvolvimento de diabetes, pressão alta (hipertensão arterial), aumento da adiposidade corporal, depressão, asma, câncer e até mortalidade. Importante salientar que estas doenças são crônicas não transmissíveis, podendo comprometer a qualidade de vida e saúde das pessoas pelo resto de suas vidas.

MJ: Se consumidos de forma moderada, esses produtos podem ser menos prejudiciais ou devem ser absolutamente evitados?

Pabyle Flauzino: Até o presente momento, não existe consenso sobre consumo seguro. O ideal é que estes produtos sejam evitados, como recomenda o Guia Alimentar para a População Brasileira, sobretudo por pessoas que possuem o privilégio de escolher quais alimentos farão parte de seu hábito alimentar.

MJ: Segundo pesquisa do Data Folha, o consumo de alimentos ultraprocessados cresceu durante a pandemia, em especial na faixa etária entre 45 e 55 anos. Ao que se deve o crescimento do consumo desse tipo de produto?

Pabyle Flauzino: Alguns fatores podem ajudar a explicar este cenário. Primeiramente, o aumento do preço de alimentos in natura e minimamente processados, à não modificação e, por vezes, à redução dos ultraprocessados. A praticidade e o marketing ostensivo também os tornam mais sedutores em um período em que as pessoas precisam ficar em suas casas.

MJ: Você acredita que esse consumo possa estar relacionado também com as questões socioeconômicas?

Pabyle Flauzino: Totalmente! A alimentação é um direito humano básico, porém, sua qualidade pode ser diretamente relacionada ao status socioeconômico do indivíduo. Morar em regiões em que alimentos in natura não são acessíveis; não possuir dinheiro suficiente para uma alimentação em que a base sejam alimentos in natura e minimamente processados; ou não dispor de tempo suficiente para cozinhar as próprias refeições, são exemplos simples, porém, decisivos para o aumento do consumo de ultraprocessados.

MJ: O Brasil tem políticas públicas que visem conscientizar as pessoas sobre uma alimentação mais saudável ou você acha que ainda há muito a trabalhar na questão da conscientização?

Pabyle Flauzino: O Brasil possui o Guia Alimentar para a População Brasileira que é referência mundial, entretanto, assim como as políticas que asseguram alimentação saudável para a população, foi alvo de boicote. Ainda há muito o que fazer, sobretudo, depois de uma pandemia devastadora. É preciso que sejam incentivadas políticas que assegurem a regulamentação de embalagens para que o consumidor compreenda quais produtos são ultraprocessados e quais os seus prejuízos. Além disso, os ultraprocessados possuem padrões ocidentalizados e tomam o lugar à mesa de alimentos naturais e que representam a cultura do povo brasileiro. Mais do que nunca, foi possível ver a substituição do arroz com feijão por macarrão instantâneo. Isso representa não apenas prejuízo à saúde das pessoas, mas à sua cultura, ao meio ambiente e à sociedade.

MJ: De quais formas o país pode trabalhar e incentivar sobre a conscientização de uma alimentação mais saudável?

Pabyle Flauzino: Através da regulamentação de embalagens, do fortalecimento de políticas que assegurem a segurança alimentar da população, com a divulgação massiva do Guia Alimentar para a População Brasileira, por meio da proibição do marketing de alimentos para crianças e adolescentes e com o incentivo à cultura alimentar local. É necessário compreender que, para isso, agendas intersetoriais serão necessárias, pois não há como exigir que as pessoas preparem suas refeições com trabalhos em que as cargas horárias sejam exorbitantes ou com elevado deslocamento casa-trabalho. Alimentação saudável é, antes de mais nada, um compromisso de Estado, para que o resultado chegue as pessoas, e não o contrário.

Riscos à saúde

De acordo com o IDEC, pesquisas divulgadas ainda no ano passado mostram as consequências que o consumo de produtos ultraprocessados podem causar: “aumenta em 26% o risco de obesidade. Além disso, aumenta o risco de sobrepeso, obesidade e circunferência abdominal elevada em 23-34%, de síndrome metabólica em 79%, de dislipidemia em 102%, de doenças cardiovasculares em 29-34% e da mortalidade por todas as causas em 25%”, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

A baixa qualidade na alimentação é um problema que não atinge apenas o Brasil, mas inúmeros países. Isso é o que mostra uma pesquisa publicada pela revista médica The Lancet,  afirmando que a má alimentação mata mais do que o hábito de fumar. Segundo o artigo, cerca de 11 milhões de pessoas morrem por ano em consequência de uma dieta inadequada, contra 8 milhões de mortes em decorrência do cigarro. Em 2017, uma a cada cinco mortes estava associada à má alimentação.

No Brasil, o aumento da insegurança alimentar é outro fator que contribui para esse quadro. Um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Brasília, em conjunto com a Universidade Livre de Berlim, declarou que 15% da população brasileira foi afetada, durante a pandemia, na questão da segurança alimentar, apontando números preocupantes na queda do consumo de alimentos importantes para uma dieta de qualidade, como carnes, frutas, legumes e hortaliças.

Levando em consideração que as doenças citadas anteriormente são adquiridas através do consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, podemos dizer que uma coisa leva à outra, ou seja, dos alimentos nocivos à dependência de medicamentos que podem nos acompanhar uma vida inteira, quando não, à fatalidade. Infelizmente, no cenário atual em que não apenas o Brasil, mas inúmeras nações vivem, a escolha sobre a alimentação vai muito além de decidir sobre alimentar-se bem ou não, mas se trata de simplesmente ter algo para comer.

Para que o país tenha resultados melhores no crescimento da qualidade da alimentação e queda no índice de doenças crônicas, é necessário não apenas uma educação na conscientização do consumo, mas políticas transparentes e responsáveis que mostrem ao consumidor os verdadeiros riscos e consequências da indústria alimentícia. Além, claro, das questões socioeconômicas, que são, como mostram as pesquisas, um dos fatores principais para uma dieta saudável.