Apesar do grande consumo de atividades culturais durante o isolamento, o setor sofre com a falta de articulação do governo federal

Por Giulia Ghigonetto- São Paulo

Em tempos de pandemia e quarentena, a procura por atividades artísticas para preencher o tempo livre e estimular a produtividade tem crescido profundamente. “No que diz respeito à cultura, foi nela que fomos buscar acolhimento para atravessar a insegurança e a dureza da hora”, dizem Alex Muniz e Luciana Vieira, no artigo “Política audiovisual em tempos de COVID-19: arte e indústria em confinamento”, e complementam, “a vida em confinamento provocou mudanças em nosso comportamento, mas o desejo da vida cultural continuou.”

Com o auxílio de tecnologias, a relação através do tato e do convívio social foi substituída pela conexão virtual, o costume de ir conferir as estreias cinematográficas nos cinemas agora foram 100% trocado pelos serviços de video on demand (VOD) e canais de televisão.

Recentemente, o colunista da UOL, Ricardo Feltrin, divulgou dados exclusivos mostrando que o ibope de quem consome conteúdo por streaming superou o da TV paga. No mês de maio, a audiência geral de conteúdo em VOD visto em aparelhos de TV foi de 6,9 pontos e 14,6% de share na média nacional, das 7h à meia noite, conhecida como “faixa comercial” da TV aberta e por assinatura. Em comparação, a audiência dos canais pagos foi de 6,7 pontos e 14,1% de share.

A expectativa é que esses números se mantenham até a retomada de atividades culturais como espetáculos, cinemas, teatros e museus. Até lá, os 5,2 milhões de brasileiros que, segundo a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP), atuam no setor cultural sofrem com os prejuízos do isolamento social, uma vez que segundo alguns estudos, essa paralisação das atividades culturais causará um prejuízo de R$ 11,1 bilhões em apenas três meses, no Brasil. É estimado que só o estado de São Paulo seu prejuízo seja em cerca de 34 bilhões de reais.

A interrupção dessas atividades escancarou as fragilidades das políticas culturais no Brasil e a incapacidade do governo de se articular em relação à crise nesse setor.

A situação tem sido complicada, em especial para a indústria audiovisual, que corresponde a 1,67% do PIB brasileiro e acrescenta mais de 20 bilhões de reais anuais à economia, gerando mais de 300 mil empregos direta e indiretamente.

A pandemia paralisou produções, fechou salas de cinema e impossibilitou o lançamento das obras cinematográficas em todo o mundo. De acordo com Muniz e Vieira, “No Brasil, esse impacto ocorre em empresas já fragilizadas anteriormente pela crise institucional do setor”.

Para eles, as fases de um projeto audiovisual, sendo elas a pesquisa, desenvolvimento, pré-produção, produção e pós-produção, necessitam de interação humana e possuem orçamentos pouco flexíveis, impossibilitando que algumas atividades possam ser realizadas em home-office. E os profissionais envolvidos, eles a maioria autônomos, não estão protegidos pelos mecanismos de seguridade social aplicáveis ao emprego formal e pelas medidas emergenciais gerais anunciadas pelo governo para as empresas e para a população em risco social e econômico.

Ou seja, a indústria audiovisual esta profundamente impactada pela quarentena, comprometendo o emprego e a renda dos trabalhadores, gerando mais custos e perda de fontes de financiamento uma vez em que muitos projetos já estavam comprometidos pelos atrasos na liberação de fomento federal.

Por outro lado, como já tratado anteriormente, o streaming tem ganhando cada vez mais espaço, fazendo com que muitos países adotassem ações emergenciais para apoiar a cultura e os artistas e, particularmente, as empresas do setor audiovisual, como pode ser visto pelo site da ANESP.

Esse não é o caso do Brasil. Propostas adicionais desenvolvidas pela Ancine e aprovadas por sua diretoria continuam pendentes por conta do não funcionamento de instituições setoriais fundamentais, o que impossibilita um alívio imediato ao setor.

Como dizem Muniz e Vieira em seu artigo, “Aqui, por enquanto, permanecem não só as indefinições em relação às medidas emergenciais que podem ser adotadas agora para mitigar os danos imediatos da pandemia, mas, também, as incertezas sobre o futuro da política audiovisual.” Segundo eles, Capacidade estatal existe, só falta utilizar.