Melissa Rocha – Jornalista – RJ
Editora-chefe: Letícia Fagundes, jornalista

A comissão trará resultados concretos em punir os responsáveis pelo caos sanitário no país, ou estamos apenas perdendo tempo vendo TV?

Esqueça o Big Brother Brasil. Atualmente, o “reality” preferido do brasileiro, que vem captando audiência, é a CPI da Covid. Criada para investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, a comissão se tornou um espetaculoso embate entre parlamentares governistas e da oposição, com direito a frases de impacto, apresentação de vídeos e até bate-bocas – afinal, um bom show sempre vem acompanhado de tretas.

Diante desse espetáculo, fica a pergunta: a CPI da Covid trará resultados concretos em punir os responsáveis pelo caos sanitário no país, ou estamos apenas perdendo tempo vendo TV? Seria a CPI mais uma distração, um entre tantos realities que assistimos na quarentena?

Um indício de que esse pode ser o desfecho foi o que aconteceu com o ex-ministro Eduardo Pazuello. Apontado como o responsável pelo colapso da saúde em Manaus, Pazuello mentiu em pelo menos 12 tópicos em seu depoimento na CPI, conforme apurou a agência de checagem Aos Fatos. Detalhe: mentir em depoimento na CPI é crime, previsto no Art. 342 do Código Penal. E não se trata de preciosismo: tais comissões têm os poderes de um inquérito, onde afirmações falsas são um ato ilícito. Mas Pazuello não sofreu qualquer punição por mentir em depoimento. Ao contrário, ele não apenas recebeu elogios e afagos de Jair Bolsonaro em um ato em prol do mandatário, como também foi presenteado com uma nomeação para um novo cargo no governo federal, como secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A nomeação é uma manobra estratégica – por assim dizer -, uma forma de blindar Pazuello, que além da CPI também é alvo de processo no STF. Embora não garanta foro privilegiado ao ex-ministro, o cargo, que é um dos mais altos na hierarquia de confiança, aproxima ainda mais Pazuello de Bolsonaro. Quase como um recado do mandatário afirmando: “Este é meu protegido”.

Outros que mentiram na CPI, sem sofrer qualquer punição até o presente momento, foram a secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, e o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten – este último, aliás, mentiu descaradamente, contradizendo as declarações que ele mesmo deu, em entrevista à revista Veja, poucos dias antes de prestar depoimento.

Mas o ato de mentir não é o único que precisa de punição. A CPI tem o dever de responsabilizar e punir os culpados pela crise sanitária no país. O depoimento de Nise Yamaguchi e da própria Mayra Pinheiro, por exemplo, escancaram que o Planalto politizou a pandemia, colocando pessoas despreparadas em cargos criticamente importantes. E essas pessoas tinham como missão apenas defender a visão do governo em relação ao vírus e incentivar sua política de estímulo ao tratamento precoce e à famigerada imunidade de rebanho – ambas estratégias fantasiosas, que não apenas não tiveram resultado, como surtiram efeito contrário, contribuindo para o alastramento da covid-19 e o estarrecedor número de óbitos em decorrência da doença.

Fato é que a CPI da Covid não pode ser apenas um entretenimento, um canal para a população extravasar a angústia contra os desmandos do governo. Ela também não pode ser resumida a uma medição de forças entre governo e oposição. O que a CPI precisa é ser um exemplo de que não haverá impunidade para governantes que, deliberadamente, colocam a população em risco para alcançar seus interesses.

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado