A geração de europeus que viveu as limitações e os medos da guerra e, atualmente, precisa
lidar mais uma vez com o isolamento

Por Daniele Haller daniele.haller@mulheresjornalistas.com

O distanciamento social e as limitações da pandemia podem ser uma experiência nova para a geração atual, mas não para aqueles que viveram em isolamento obrigatório durante a segunda guerra. A chegada da pandemia tem tornado os dias destas pessoas cada vez mais longos e difíceis. No entanto, essa geração já passou por um confinamento muito mais rígido e limitado.

Margot Kieffer, 79 anos, vive em uma pequena cidade francesa da região de Lorena, no nordeste do país, antigo campo de batalha da guerra entre França e Alemanha. Em 1944, aos 3 anos, ela foi obrigada a viver por quatro meses no subsolo de uma casa, um espaço de cerca de 10 metros quadrados que dividia com a mãe, a irmã e mais 7 pessoas de outra família. A alimentação se limitava a frutas e legumes que haviam sido colhidos durante o verão, cozinhar algo fresco era limitado e perigoso: “Lembro que minha mãe criava galinhas e a outra família tinha coelhos, então, logo no começo, tínhamos carne. Para cozinhar, minha mãe precisava subir para o térreo da casa, ela fazia isso sozinha, pois era muito arriscado. Quando soava o alarme de bombardeio, ela voltava para o subterrâneo”, conclui.

Durante esse tempo, a família chegou a ter seu esconderijo bombardeado pelos americanos. Sem saída e sem possibilidade de respirar no ambiente, se viram obrigados a escapar pela única abertura possível, uma pequena janela para a rua. Ao lembrar do episódio, a Sra. Kieffer conta: “Eu nunca vou esquecer essa cena! Minha mãe me empurrou pela pequena janela e alguém do lado de fora me puxou. Estava muito claro e tinha muita neve, mas, a primeira
coisa que vi, foram as botas de um soldado americano que apontava uma arma para mim. Eles haviam bombardeado a casa por acreditarem que havia alemães escondidos ali, no entanto, quando viram que éramos franceses, não atacaram mais, pois as tropas americanas estavam lutando a favor da França.

Em razão da pandemia, ela tem vivido em isolamento desde março de 2020, mas conta que não há razões para reclamar: “Eu tenho tudo aqui. Tenho uma casa segura, uma janela onde posso ver o meu jardim, tenho comida, posso ler, ver Tv, escutar rádio, além de falar diariamente com meus filhos e familiares pela internet ou telefone. Agora, pelo menos, eu sei que não vou ser bombardeada”. Ao ser questionada sobre o comportamento de algumas
pessoas que reclamam das limitações e medidas para conter a pandemia, ela diz:Eu acredito que muitas pessoas, hoje, estão acostumadas a ter tudo facilmente, na minha época não tinha tudo isso, nós estávamos felizes quando tínhamos o que comer”.

No país vizinho, Alemanha, na cidade de Munique, Johann Haller escutou dos pais e do irmão, histórias a respeito da guerra, coisas que ele traz na memória até hoje: “No ano de 1939, meu pai e o meu irmão, na época com apenas 17 anos, foram convocados para guerra. O meu pai foi enviado para o norte da Europa, enquanto o meu irmão foi para a Rússia. Nenhum dos dois se alistou por espontânea vontade, mas não tinham opção, eram obrigados a servir o país”. Ele conta que a mãe, na época com 36 anos, precisou ficar e tentar se manter sozinha, sem renda e trabalho fixo, ela precisava buscar outros meios de sobreviver enquanto aguardava, ainda com incerteza, o retorno do esposo e do filho.

Segundo Johann, ela buscava serviços como costura e conserto de têxteis, o pagamento; pão, carnes e todo o tipo de alimento.“ A minha mãe saía de bicicleta pelas fazendas próximas em busca de pequenos serviços, retornava para casa quando tinha o suficiente para se manter, o
pagamento em dinheiro praticamente não existia”, afirma.

Em 1945, o seu irmão retornou para casa, junto com as tropas alemãs que haviam invadido a Ucrânia. No ano de 1947, após um longo tempo sem enviar notícias, o seu pai retornou para Munique: “Meu pai foi capturado pelos ingleses no norte da Europa, pois a Inglaterra havia se aliado à Dinamarca e Noruega. Depois, colocaram todos soldados capturados num trem que, segundo os ingleses, deveria levá-los para casa. No entanto, todos foram entregues ao exército francês, onde foram obrigados a trabalhar. Meu pai conseguiu uma bicicleta e fugiu, levou 6 semanas para chegar à Baviera”, conta Johann, que nasceu 1948, após o fim da guerra.

Apesar de não ter vivido diretamente durante a guerra, ele conta das impressões e rastros que foram deixados no país germânico: “Com o fim da guerra, a Alemanha foi dominada pela França, EUA, Inglaterra e Rússia. Em Munique, era comum passarmos para ir à escola e ver os soldados americanos espalhados pela cidade, era a primeira vez que os alemães viam tantos negros, no entanto, a sensação era mais de curiosidade do que racismo ou preconceito, eles estavam em posição de respeito”. Ele conta que a presença dos soldados americanos se tratava mais de uma questão de ordem e controle sobre qualquer tentativa de manifestação nazista. Sobre comparar as limitações e confinamento dos dias atuais com a época da guerra, ele diz ser difícil, por se tratar de duas situações tão distintas, mas reconhece que os dois momentos trouxeram tristes consequências: “Apesar de se tratar de outra circunstância, a pandemia também é uma guerra que o mundo está enfrentando”, conclui.

Atualmente, a França realiza o desconfinamento após uma grande queda no número de infeções do Covid-19. O retorno às atividades normais deve acontecer em três etapas que serão finalizadas até o dia 20 de janeiro do próximo ano. Enquanto isso, a Alemanha luta para diminuir o número de casos e tem tornado as medidas de prevenção cada vez mais duras. O país teve uma das menores taxas de mortes durante a primeira onda da pandemia, mas, infelizmente, a segunda onda tem causado um número muito maior de vítimas fatais.