Em entrevista, a estilista e gerente de uma marca de sapatos de luxo, Beathriz Martinez, conta sua visão das transformações no mercado fashion

Por Regina Fiore Ribeiro
regina.fiore@mulheresjornalistas.com

Para quem saía para trabalhar todos os dias, existia uma divisão bem alinhada das roupas que eram usadas para o ambiente de trabalho e das outras roupas que eram usadas para ficar em casa, principalmente para quem atua no ambiente corporativo.

Com a pandemia do Novo Coronavírus, este cenário mudou para muitas pessoas. Grandes empresas optaram por manter seus funcionários em casa enquanto a pandemia continua fora de controle e, por isso, alguns rituais já não são mais necessários todos os dias. Muitos hábitos mudaram, especialmente no que diz respeito às roupas que usamos e ao consumo de moda.

Beathriz Paz Martinez- estilista de moda

É o que explica Beathriz Paz Martinez, estilista de moda que já trabalhou em todas as áreas da produção fashion, desde o atendimento ao consumidor final até a pesquisa de referências para construir uma próxima coleção, incluindo o design de muitos modelos de sapatos de luxo, ramo em que atua há dez anos.

“Por ser uma área considerada supérflua, a moda foi afetada de forma brusca no começo da pandemia. O consumo começou a ser questionado, além da carência de matéria-prima e o atraso de entrega de muitos fornecedores”, diz a estilista, que também vê o outro lado do que o lockdown pode despertar em relação ao comportamento dos consumidores.

“Por outro lado, a ociosidade e a carência levaram as pessoas a consumirem mais. O índice de vendas do e-commerce subiu muito, não só porque as lojas físicas estavam fechadas ou com acesso limitado, mas porque o consumo de fast fashion é também uma forma de escape”, diz.

Outra forma de compras que tem ganhado força durante a pandemia são os brechós e o movimento conhecido como “slow fashion”, que propõe um consumo mais consciente de marcas que tenham uma cadeia produtiva mais humanizada e que paguem salários justos tanto pelas matérias-primas quanto para os trabalhadores, além de priorizarem a venda com qualidade em vez de quantidade.

“Sempre fui a favor da teoria do slow fashion, mas a prática é bem complicada. A tendência no fast fashion é mais rápida e com o preço bem mais acessível”, diz Beathriz, que ainda destaca que, apesar de o formato de desfiles que as marcas foram obrigadas a adotar durante a pandemia – todo transmitidos online – serem também mais acessíveis ao grande público, a moda sobrevive da exclusividade. “É assim que a moda desperta desejo e impacta o consumo”, afirma.

Apesar de muitas marcas de alto padrão terem optado por coleções especiais com algumas marcas de fast fashion, a estilista não vê a alta costura se popularizando mais, pelo contrário, é uma forma de reafirmar o pertencimento a certa classe social. “A moda só sobrevive por meio do poder de ostentação e status. A divisão econômica na qual vivemos atualmente acentua a diferença entre as classes sociais e a moda é um instrumento de reforço desta diferença”, explica Beathriz.

Indo um pouco mais além, Beathriz também não vê com tanto otimismo questões como inclusão de gênero, raça e tamanho entre as grandes marcas da moda, mesmo que nos últimos tempos tenham surgido alguns movimentos de roupas sem gênero ou de inclusão de tamanhos para pessoas gordas, além da flexibilização do uso de saias para homens, por exemplo. “As marcas tentam se encaixar no que é atualmente considerado bem visto ou correto, como é o caso da sustentabilidade, mas não de forma natural”.

A estilista ainda aponta a relação de toda a cadeia produtiva da moda para que a marca seja consistente com o que prega. “Hoje, trabalhando na área comercial, vejo o quanto toda a produção impacta o consumo final. Ao fazer pesquisas para a área de criação, olhamos para todos os tipos de consumo, desde cinema até gastronomia. Quando o produto é oferecido para os lojistas, eles investem na ideia. Não é apenas um par de sapatos, por exemplo, mas uma coleção inteira; uma aposta que é feita meses antes dos produtos serem fabricados ou lançados. Por isso, é muita responsabilidade”, finaliza.