Tudo começou bem longe, em janeiro de 2020, quando os primeiros casos surgiram na China. Mais de um ano depois, o vírus SARS-CoV-2 já sofreu diversas mutações, o tornando não apenas mais transmissível, mas também mais preocupante para médicos e cientistas, inclusive no Brasil, onde já foram identificadas novas sub variantes

Por Daniele Haller, Jornalista- Alemanha
daniele.haller@mulheresjornalistas.com

Editora Chefe- Letícia Fagundes, Jornalista

Em janeiro de 2021, os primeiros casos da variante brasileira, conhecida com P1,começaram a ser identificados em infectados no Japão, pessoas que estiveram anteriormente no estado do Amazonas. Ainda em dezembro de 2020, um grupo de especialistas de instituições como a Universidade de Oxford, da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais e outras, realizou uma pesquisa entre os pacientes infectados em Manaus. O resultado mostra que, já no final de 2020, quase metade dos pacientes examinados tinham sido infectados pela nova variante brasileira, a P1. Segundo os pesquisadores, duas semanas após os primeiros resultados, o número de infecções pela mutação P1 subiu 33%, desde então, a variante já foi identificada em pelo menos 10 estados do Brasil e em quinze outros países, na Ásia, Europa e nas Américas, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde.

Com um aumento exponencial em todo o território brasileiro desde o início desse ano, o País passa por sua fase mais crítica da pandemia e o surgimento de outras mutações advindas da variante P1. Na última quarta-feira (17), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde a anunciou o triste recorde de mais de três mil óbitos diários por Covid-19.

Hospitais lotados, aumento de leitos de UTI para atender o número de pacientes chegando e insuficiência de profissionais da saúde é a realidade atual do setor da saúde no Brasil. Diante da situação, governadores de diferentes estados optam pelo lockdown em todos os municípios como uma forma de frear o vírus e diminuir os números de infecções. 

Murilo Conti Martins de Siqueira, advogado

Dentre os maiores temores na infecção do vírus, está a intubação, procedimento necessário para o paciente em caso grave e que necessita de ventilação mecânica para continuar respirando, como foi o caso do advogado Murilo Conti Martins de Siqueira, 33 anos, de Belo Horizonte. 

Murilo conta que começou a ter os primeiros sintomas no dia primeiro de fevereiro, dor de cabeça, tosse e dificuldade de respirar. Na época, sua esposa havia testado positivo para a Covid-19 e, três dias depois dos primeiros sintomas, o advogado deu entrada no hospital onde foi confirmado que também estava infectado. Atualmente, ele diz que está se recuperando da doença: “Estou fazendo fisioterapia para recuperação da parte muscular, mas estou recuperado da parte respiratória”. Sobre quais sintomas foram mais preocupantes para ele, Murilo comenta: “A falta de ar. Fiquei de prona em casa para tentar ajudar, mas estava muito difícil respirar e minha esposa me levou ao hospital. Cheguei com a saturação de 76%, logo me levaram para a UTI, aonde fiquei intubado por 8 dias, e resultando em 15 dias de internação”, comenta. 

Infelizmente, na casa de Murilo Conti, o vírus acabou infectando outras pessoas da família, inclusive a filha de apenas dois anos: “Todos aqui em casa foram, infelizmente, infectados. Minha esposa, filha, sogra, e avó da minha esposa. A avó, ficou 20 dias internada, em uso de oxigênio, e ainda veio para casa com oxigênio domiciliar. Minha filha ficou por dois dias com febre alta, intercalando antitérmico de 3/3 horas e diarreia e vômito”, conclui o advogado. 

Janielly de Araújo Rocha, Engenheira Ambiental

Situação semelhante também ocorreu com a família da Engenheira Ambiental Janielly de Araújo Rocha, 27 anos, em Fortaleza. Ela diz que começou a sentir os primeiros sintomas no dia cinco de março: “Eu senti logo no primeiro dia uma moleza, pouco de dor de cabeça em determinados momentos, dor nos olhos e a respiração começou a ter umas pequenas falhas. Mais ou menos no terceiro dia comecei a não sentir nem gosto e nem cheiro de nada”, relata. Após três dias de sintomas, quando já estava fazendo isolamento por medo de ter o vírus, ela conta que realizou o teste e confirmou que estava infectada pela SARS-CoV-2. Sem pioras nos sintomas, continuou o tratamento em casa e afirma já estar recuperada, após ter realizado outro teste que resultou negativo. 

Janielly de Araújo conta que, de todos os sintomas, o que mais a preocupou foi a respiração: “Os sintomas para mim, foram os mesmos de uma sinusite bem forte. Porém, o que mais me preocupou foi a respiração. Tinham momentos que você tinha que ir bem fundo para conseguir respirar” comenta. Além dela, sua avó e o avô também haviam sido infectados, de quem ela acredita que pode ter contraído o vírus. 

Relatos como o de Murilo Conti e Janielly Araújo estão se tornando cada vez mais comuns, onde o vírus não atinge apenas as pessoas mais velhas ou com alguma comorbidade, afetando também independente da faixa etária ou sexo. 

Para entender o que se sabe sobre a cepa brasileira e suas novas sub variantes, até o momento, a repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas, conversou com o infectologista Dr. Guilherme Henn, Presidente da Sociedade Cearense de Infectologia.

Infectologista Dr. Guilherme Henn

MJ- Quando falamos da variante brasileira, se trata apenas de uma ou já surgiram diferentes variantes dentro do Brasil?

Dr. Guilherme Henn– O vírus muda o tempo inteiro. Algumas dessas mutações, eventualmente, vão se tornar benéficas para ele e vão permitir que ele se diferencie da variante anterior, da cepa anterior, de forma a ganhar alguma vantagem evolutiva. Às vezes, uma transmissibilidade melhor, um mecanismo de escape ao sistema de defesa do corpo, uma resistência a um determinado medicamento. Quando a gente fala da variante brasileira, a gente fala de uma variante que foi claramente diferente com algumas mutações específicas que a tornavam diferente da cepa original e, embora tenha essa variante, já tem outras sub variantes que não são significativamente diferentes em relação à nossa variante brasileira, que a gente chama de P1. Mas essas sub variantes elas existem, existem mutações pontuais que não diferenciam essas sub variantes de maneira tão grande assim, da variante anterior, mas, invariavelmente, vai acontecer de surgirem novas variantes com o tempo. 

MJ- Essas variantes causam os mesmos sintomas e danos nas pessoas infectadas ou a forma de infecção e efeitos são distintos?

Dr. Guilherme Henn- Os sintomas e a forma de transmissão são exatamente os mesmos, independentemente da variante. 

MJ- As variantes ou variante brasileira é mais letal do que as outras que surgiram em outras partes do mundo? Como a do Reino Unido ou África do Sul, por exemplo.

Dr. Guilherme Henn- Até o momento, com os dados que a gente tem, a gente sabe que a cepa, a variante britânica, ela é mais virulenta, ela está associada a um número maior de óbitos, o que não foi confirmado ainda nem para a cepa brasileira ,nem para a cepa sul-africana. Mas a gente imagina que a nossa cepa, por ter uma transmissibilidade maior do que a anterior, ela acaba levando a um número de óbitos maior também.

MJ- Com relação à propagação do vírus, a variante brasileira tem a mesma capacidade/ velocidade de transmissão do que as outras ou é mais rápida?

Dr. Guilherme Henn- A variante brasileira é claramente mais transmissível, de pessoa a pessoa, do que as outras variantes. Isso se dá, provavelmente, porque a variante brasileira tem capacidade de infectar um número muito maior de células, então, a pessoa que está infectada tem um número muito maior de vírus, portanto dissemina muito mais vírus para outras pessoas, isso é o que significa uma transmissibilidade aumentada. 

MJ- Essas variantes podem diminuir de alguma forma a eficácia das vacinas? 

Dr. Guilherme Henn- Sim, a depender da variante. A gente sabe, por exemplo, que a variante sul-africana ela não é afetada, não é neutralizada pela resposta imunológica gerada pela vacina de Oxford, a Astrazeneca. Mas ela continua suscetível às demais vacinas conhecidas. Já as variantes britânica e brasileira, até o momento, se mostram suscetíveis à imunidade conferida por todas as vacinas testadas até o momento. 

MJ- Na primeira “onda” da Covid-19, pessoas idosas foram classificadas no grupo de risco e, atualmente, vemos que o vírus tem se propagado em diferentes faixas etárias, inclusive crianças. Isso se deve às mutações que vem ocorrendo?

Dr. Guilherme Henn- Bem, é provável que sim, que essas mutações confiram, como a gente comentou anteriormente, diferentes capacidades, diferentes vantagens evolutivas para essas variantes novas. Então, a variante brasileira é mais transmissível, ela consegue entrar num número maior de células dentro do nosso organismo, portanto, cada célula infectada gera um número maior de vírus e a pessoa tem uma carga viral maior. Então, além da transmissibilidade, enquanto pessoas jovens anteriormente recebiam uma carga de vírus menor, por isso não adoeciam com tanta frequência, hoje, as pessoas recebem uma carga de vírus muito alta e esse vírus acaba se multiplicando demais dentro da pessoa. Se isso é suficiente para justificar a incidência muito alta que estamos vendo em pessoas mais jovens, e a gravidade também dessas pessoas, a gente não sabe ainda.

MJ- A variante brasileira pode causar reinfecção?

Dr. Guilherme Henn- Sim, a variante brasileira pode causar reinfecção como qualquer outra variante. A gente, infelizmente, não tem imunidade de longo prazo para o coronavírus. 

MJ- É possível detectar se um paciente está infectado por uma variante do vírus e não pelo vírus original?

Dr. Guilherme Henn- É possível detectar com qual variante o paciente está infectado, se for executado um teste chamado “sequenciamento genético do vírus”. Infelizmente, esse é um exame complexo que não é disponível comercialmente. Não é um exame que você vai ao laboratório e faz. É um exame feito só em laboratórios de referência e em centros de pesquisas. 

MJ- Em questão de gênero, as variantes brasileiras afetam homens e mulheres igualmente ou um dos dois gêneros é mais afetados por essas mutações? 

Dr. Guilherme Henn- De forma geral, o SARS-COV2, ele infecta um pouco mais de homens do que mulheres. Contudo, a gente não sabe ainda, no momento não tem dados claros sobre isso, se as novas variantes, se comportam de maneira diferente. Aparentemente não. Aparentemente, a tendência é a mesma das outras variantes.

Homens são maioria nos óbitos por Covid-19

Segundo um artigo publicado pela revista científica “Science”, os homens têm 1,7 mais chances de morrerem por Covid-19 do que as mulheres, afirmou a dupla de pesquisadores Takehiro Takahashi, Akiko Iwasaki, autores do artigo “Sex differences in immune responses”, em português; “Diferenças sexuais nas respostas imunes”.

De acordo com os pesquisadores, as evidências indicam cada vez mais que o sexo masculino é um fator de risco para doenças mais graves e morte por COVID-19. A alta taxa de mortalidade entre homens foi observada na maioria dos países, mostrando um risco de morte maior para os homens do que para as mulheres. Outros fatores como o envelhecimento também estão associados à uma taxa maior no risco de morte em ambos os sexos, mas na faixa etária acima de 30 anos, os homens têm um risco  maior de mortalidade, assim como os homens mais velhos. 

O artigo também relata que as questões sociais e fatores comportamentais estão atrelados à incidência e os resultados da COVID-19. Segundo os autores do artigo, é importante que os estudos de pacientes da COVID-19 informem os resultados de forma desagregada por sexo: “Não apenas para elucidar a patogênese diferencial da doença, mas também para permitir uma compreensão mais profunda desta doença e o eventual desenvolvimento de melhores estratégias de tratamento e prevenção. Deve ser prática comum coletar e relatar dados desagregados por sexo para isto e para todos os estudos de doenças infecciosas e vacinas no futuro”.