Por Silvana Cardoso, Jornalista – RJ
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista

Em tempos digitais, ganhos e perdas para materiais produzidos com câmeras portáteis, arquivados em computadores pessoais. Qual a garantia disso não se perder num apagão?

Foi quase o que aconteceu com a entrevista exclusiva que o guitarrista americano B.B. King (1925 – 2015) concedeu ao diretor Ricardo Nauenberg em 2004, na cidade de São Paulo, quando seus arquivos desapareceram e somente agora, recuperados, o cineasta estreia o documentário inédito Black White and Blues, 17 anos depois, disponível na plataforma digital ZYX. No filme de 57 minutos, uma conversa franca e contundente com o lendário homem do blues, sobre preconceito racial e a evolução dos direitos civis dos negros, sua visão sobre as mudanças na vida dos negros norte-americanos ao longo de 60 anos, período que percorreu os Estados Unidos em turnês, difundindo o Blues. “B.B. King foi testemunha viva da questão dos negros. E esta foi a primeira vez que ele deu um depoimento falando sobre isso, mostrando o seu olhar sobre a questão”, conta o diretor Ricardo Nauenberg. E o guitarrista acreditava que o Blues tenha sido um dos grandes responsáveis pela aceitação dos negros na sociedade norte-americana, principalmente a partir dos anos 1960. “Nós descobrimos que muitas pessoas que dificilmente falavam com os negros nas ruas vinham vê-los tocar nos festivais”, ressaltou B.B. King, enfatizando o Blues como um passaporte para a mudança.

Guitarra Lucille autografada, presente de B.B. King ao Bourbon Street Music Club. Foto: Reprodução/Pedro Guida

“Se você é um músico de blues e é negro… é como ser negro duas vezes.”, costumava dizer sobre todo o preconceito que o estilo musical sofreu, sobre todo o preconceito sofrido pelos negros nos Estados Unidos. Mas o menino Riley Ben King, que nasceu em uma área rural em Itta Bena, no Mississippi, perto de Indianola, nos Estados Unidos, mais conhecido como B. B. King, é considerado um dos mais geniais guitarristas de todos os tempos e, segundo a revista norte-americana Rolling Stone, um dos melhores guitarristas do mundo, ao lado de Eric Clapton e Jimi Hendrix. Com 16 prêmios Grammy, mais de 50 discos e quase 60 anos de carreira, B.B King criou um estilo único, que fez dele um dos músicos mais respeitados e influentes do mundo. Enfileirou sucessos a partir dos anos 1950, com “Three o’clock blues” e não parou mais, com músicas que marcaram a sua carreira, como “The thrill is gone”, “When love comes to town”, “Payin’ the cost to be the boss”, “How blue can you get”, “Every day I have the blues”, “Why I sing the blues”, “You don’t know me”, “Please love me” e “You upset me baby”.  Mas, em abril deste ano, o mestre B.B.King poderia sorrir elevando a cabeça para trás como fazia, para comemorar — como uma vitória no pensamento dos Estados Unidos e para a nação afro descendente americana — a condenação do policial branco no caso George Flyd,

Mas a boa conversa em São Paulo, que deu origem ao documentário de Ricardo Nauenberg, era uma constante para o guitarrista, que desde 1993 estava no Brasil com uma frequência quase de residente, para turnês pelo país e para voltar ao palco da casa que inaugurou em 1993 na cidade de São Paulo, o Bourbon Street Music Clube. E, por isso, vou contar uma outra história que une B.B.King a São Paulo. Foi quando uma família brasileira resolveu trazer a cidade visitada para o seu país, após uma viagem internacional. Pois é, não só pensou, mas resolveu trazer, de verdade, New Orleans para o Brasil. E, assim, portando cartas de apoio das autoridades oficiais locais e após quatro anos de obras, há exatos 28 anos, nascia o Bourbon Street Music Club no bairro de Moema, casa de shows e restaurante com a cozinha típica da cidade americana. Mas faltava conseguir o sonho de seus donos para a inauguração, o show, que deveria ser de ninguém menos que B.B. King.

Guitarra Lucille autografada na redoma, no Bourbon. Foto: Reprodução/Pedro Guida

Após pedidos para lá, respostas que o astro do blues já não se apresentava em clubes e casas com pequenas plateias, nenhuma desistência dos paulistanos e um belo dia veio a confirmação tão esperada: a lenda da música negra norte americana estava com as malas prontas para inaugurar a casa, o pequeno Club em São Paulo. Deste encontro em 1993, uma linda amizade se fez não só do artista com o Brasil, mas com Edgard Radesca e a família Bourbon, que passou a produzir suas turnês por aqui. Em 1995, B.B.King presenteou o Bourbon com uma Lucille, como chamava sua guitarra Gibson de cor preta, que desde então está em lugar de destaque na plateia da casa de espetáculos paulista.

Edgard Radesca & B.B.King, no camarim do Bourbon Street Music Club. Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Essa história me chegou aos ouvidos em 2006, quando conheci Edgard Radesca, o viajante do sonho, que trazia o show da lenda B.B. King para o Metropolitan, que, na época, era considerada a maior casa de espetáculos da América Latina, situada no Rio de Janeiro – que também tinha uma equipe que era uma outra família, animada e divertida, mas essa é uma outra história. Voltando ao B.B. King, como na época cuidava da comunicação da casa, segurei a responsabilidade de divulgar o show no Rio de Janeiro. A partir daí, minha parceria profissional e amizade com o Radesca me fizeram entrar na família Bourbon. Daquele show de 2006, a lembrança estampada numa foto com o simpático e acolhedor guitarrista, que pediu para conhecer a “personal press” da casa. E de dois em dois anos, lá vinha o Rei do Blues tocar e cantar no Brasil, que chegou a anunciar que ia se ausentar das turnês internacionais, mas não cumpriu a promessa, para alegria dos seus fãs brasileiros e de seus amigos de São Paulo. Em 2015, quando chegou a notícia da sua partida, Edgard Radesca seguiu para os Estados Unidos, para a última homenagem ao grande amigo.

B.B.King no último show no Bourbon Street Music Club, na turnê de 2012. Foto: Reprodução/Pedro Guida

Em sua última apresentação por aqui, em 2012, aos 87 anos, aquele homem imenso já se apresentava sentado em uma cadeira e, com sua Lucille, encantava com seu vigor para nos provar que, como disse Friedrich Nietzsche: Sem música, a vida seria um erro.