Repórter: Giselle Cunha, Rio de Janeiro
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista  
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista 

O prejuízo emocional que pode causar a um animal quando ele retorna ao abandono após ter achado uma família

Animal não é coisa! Todo ser vivo tem direito à vida e à proteção. Trata-se de um direito constitucional, que inclusive falamos na reportagem Leis importantes para o bem estar animal. Os animais têm sentimentos e, assim como você e eu, caro leitor, sente fome, sede, medo, alegria, raiva e ciúmes.

Além de lidar com os maus-tratos, protetores de animais e todo ser humano que respeita os seres vivos, como seu semelhante, também têm assistido de perto repetidas situação em que animais, já adotados, precisam retornar aos abrigos ou lares temporários das ONGS. Uma triste realidade, pois todo o processo de adoção passa por um trâmite de análise, recomendação e instrução, para só depois ocorrer a aprovação e entrega do animal.

Imagem: Reprodução Logo ONG Peludos

Os animais nos auxiliam em diversos aspectos sociais e essa capacidade é cientificamente comprovada, pois eles participam e promovem melhorias significativas no âmbito corporal e emocional de nós humanos.

Adotar é entender que aquele animal possui uma história, provavelmente, dura e difícil. A chegada de um bichinho é exatamente como a chegada de um filho, exige um planejamento, disposição, responsabilidade e dedicação emocional e financeira por parte de seus responsáveis.

“É um trabalho feito com muito amor. Sempre contamos com pessoas que se unem ao grupo para nos dar apoio, além de outras ONGS parceiras, como o Patinhas CJ. Surgimos em janeiro de 2021, ou seja, em meio à pandemia, mas com esses suportes e muita dedicação, estamos conseguindo ajudar bastante”, Explica Lúcia Cavalheiro Vieira, uma das fundadoras da ONG Peludos.

Lúcia da ONG Peludos/Foto: Acervo do entrevistado

Em apenas 6 meses, a ONG Peludos já fez o resgate de dezenas de animais. Mas nem sempre os finais são felizes. A cadelinha Vitória havia sido adotada em maio, porém, mesmo após o adotante ter passeado com a cadelinha e estar ciente das suas necessidades com os cuidados de pele, que inclui banhos terapêuticos e medicamentos, em apenas dois dias, Vitória foi devolvida para a ONG. A justificativa do adotante foi que estava angustiado e não se julgava capaz de cuidar da cadelinha, mesmo reconhecendo o quanto ela era dócil e obediente. Vitória segue até hoje disponível para adoção.

Fotos: Acervo dos entrevistados

Algumas ONGS tem incluído em seus contratos de adoção uma alternativa que visa proteger o bem estar animal, com base na lei 9605/98 e em artigos relacionados a adoção como o 186, 187 e 927, garantindo que,  em havendo devolução, o adotante irá pagar uma multa baseada nos valores arcados pela ONG até o momento do trâmite.

Casos como esse geram um grande desequilíbrio em todos os envolvidos e não conseguimos mensurar a proporção desse impacto emocional no animal. A própria Vitória apresentou uma piora em seu quadro de lesões de pele após o ocorrido. Pensando nisso, o Mulheres Jornalistas entrevistou a Dra. Ceres Berger, diretora do INSPA (Instituto de Saúde e Psicologia Animal), que atua há 20 anos com problemas de comportamento animal.

Dra. Ceres/Foto: Acervo do Entrevistado

Mulheres Jornalistas (MJ): O que é exatamente a psicologia animal?

Dra. Ceres: É a área que trata dos processos mentais e funcionamento dos animais em seu ambiente físico e social e inclui cognição, aprendizagem, memória, emoções e comportamento.

MJ: Qual a diferença entre o adestramento e a psicologia para animais?

Dra. Ceres: Adestramento diz respeito a treino e à educação para aprendizado de determinados comportamentos. A psicologia animal inclui aspectos de aprendizagem, mas tem como foco os mecanismos de controle do comportamento que permitem ou não a aprendizagem, além de tratar de várias outras dimensões que não dizem respeito ao adestramento.

MJ: Como ocorrem as consultas?

Dra. Ceres: As consultas ocorrem da mesma forma que em outras especialidades. Há uma entrevista com a família para entender o que está ocorrendo, saber o histórico de vida do animal e da sua inserção na família, o que tem sido feito em relação à queixa, avaliação clínica do animal para descartar outras doenças e o estabelecimento de protocolo terapêutico.

MJ: Como identificar o momento correto para levar o animal a um
psicólogo?

Dra. Ceres: Quando o animal muda de comportamento ou tem um comportamento que é inadequado para o bem-estar dele ou inaceitável para a convivência com a família.

MJ: Após quantas sessões o animalzinho começa a apresentar uma
resposta relacionada ao tratamento?

Dra. Ceres: Isso é muito variável, pois depende da gravidade do problema, da sua natureza, do estado do animal e da aderência da família ao tratamento. Claro que, em alguns casos, também há necessidade de reavaliar o que foi proposto e aprimorar. Pode ser efetivo em semanas ou meses.

MJ: Animais resgatados, muitas vezes, apresentam comportamento de medo,
desconfiança e/ou agressividade. Qual a maneira mais adequada para um
um primeiro contato?

Dra. Ceres: Os animais resgatados, em grande parte, sofrem de medo e ficam na defensiva, suas experiências de vida são amargas. O ideal é ter paciência e tolerância para estar próximo e deixar o animal tomar a iniciativa de aproximação no seu tempo, caso isso seja possível.

MJ: Alguns animais são adotados, mas, posteriormente, acabam sendo
devolvidos para as ONGS. Quais as consequências psicológicas que esse
animal pode sofrer?

Dra. Ceres: São novas experiências negativas que se somam às que ele já viveu.O filtro da adoção e preparo dos adotantes deve ser muito severo para minimizar este desfecho. Porém, nas condições que vivemos é, muitas vezes, difícil, pois as necessidades dos animais são muitas e os recursos que as ONGS têm são limitados.

MJ: Animais que possuem uma companhia da mesma espécie tendem a
desenvolver um lado emocional mais equilibrado?

Dra. Ceres: Depende da espécie, da afinidade da companhia e da forma de inclusão. Por exemplo:para gatos, os mais frequentes problemas se devem à inserção de novos gatos no ambiente onde vivem, gerando um estresse crônico. Para cães, embora a maioria seja altamente sociável, também o processo de inclusão deve ser cuidadoso. O ideal seria sempre adotar em duplas que já se conhecem.

MJ: Quais as situações mais comuns que levam os tutores a recorrerem
para esse especialista?

Dra. Ceres: Problemas de agressividade, destruição, eliminação de urina e fezes em locais inadequados e de vocalização.

 

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