Por Mariana Mendes, Jornalista –SP
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O tratamento de questões como ansiedade e depressão no esporte chama a atenção

“Coloque a saúde mental em primeiro lugar”, foi o que declarou Simone Biles nos Jogos Olímpicos de Tóquio após decidir não competir nas provas por equipe da ginástica. A decisão da quatro vezes campeã olímpica abriu a discussão sobre a importância da saúde mental dos atletas. Não apenas, Biles mostrou para o mundo na maior competição esportiva que é importante estar bem mentalmente para competir, mas priorizou seu psicológico em um momento em que ela era a favorita no Japão.

E o tema da saúde mental retorna no mês de setembro, conhecido como Setembro Amarelo, que inicia uma campanha de prevenção ao suicídio. Discussões como depressão e ansiedade ganham espaço e psicólogos discutem sobre tratamentos. Entretanto, um ramo da psicologia que é relacionada 100% com o esporte também ganha força.

Quem explica sobre a psicologia do esporte é a psicóloga Gabriella Finatti Pegoraro, de 25 anos, que trabalha atualmente com equipes de ginástica artística, equipes de jogos eletrônicos, equipe de futsal no Clube Regatas de Campinas, além de atender individualmente atletas e não atletas.

Para entender o que é esse ramo, é preciso compreender que a psicologia do esporte é uma especialidade dentro da área, na qual os profissionais se especializam para atender demandas relacionadas ao esporte e quaisquer atividades físicas. “Por exemplo”, explica Gabriella, “a ansiedade, relacionamentos entre equipe, fatores que tem a ver com o desempenho e não somente com o resultado. Nós também usamos do esporte para tratar outras questões, como qualidade de vida, adesão aos exercícios físicos, reabilitação de lesão e outros”.

Segundo Benno Becker Jr., presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, “há uma disciplina chamada psicologia aplicada ao exercício e ao esporte que investiga as causas e os efeitos das ocorrências psíquicas que apresenta o ser humano antes, durante e após o exercício ou o esporte, sejam esses de cunho educativo, recreativo, competitivo ou reabilitador”.

A questão do desempenho é a mais encontrada por Gabriella na sua área. “Encontro atletas dizendo que querem atingir o melhor desempenho, mas não se sentem bem, não se sentem à vontade o suficiente e querem descobrir o porquê disso”.  E com a atuação, também existe a pressão. “Trabalhamos bastante relacionamentos entre a equipe quando é um esporte coletivo, relacionamento entre técnico e atleta, em que pode acontecer cobranças, e estabelecimento de metas para atingir os objetivos. Trabalho também com técnicas de treinamento mental para desenvolver essa parte cognitiva e aprender a lidar com as emoções”, explica a psicóloga.

Gabriella ajuda os atletas a desenvolverem capacidade de atenção, concentração e regulação de ativação, principalmente para momentos em que a pessoa fica ansiosa, às vezes, diante de uma prova, e auxilia na regulação emocional. “Atletas não são máquinas e, mesmo se eles fossem, as máquinas quebram”, diz.

O caso de Simone Biles

Ao falar de Simone Biles, Gabriella teoriza sobre o que aconteceu no momento no Japão e fala sobre a importância da ginasta revelar isso para o mundo.

“Achei que foi uma decisão muito inteligente da parte dela, pois envolve muitas questões, não somente da saúde mental, mas questões políticas também. Acredito que ela ter tido essa decisão e reconhecido que precisa recuar, entender que aquele momento não era o ideal para ela, mostra o peso que ela tem pra equipe e o quanto a fala dela é valorizada ali”, opina.

“Analisamos que, no momento em que ela fez o salto – nas classificatórias –  ela faz aquele salto que na ginástica é uma acrobacia difícil e, se a ginasta se perde no ar, perde a referência da onde ela está, pode cair e se ferir gravemente. Estudando o caso, a gente entende que foi um bloqueio mental”, analisa Gabriella.

A psicóloga fala ainda sobre o impacto da decisão da americana para a visibilidade da psicologia do esporte. “Abriu muitos caminhos. Olhar uma ginasta desse porte se abrindo e falando sobre coisas que muitas pessoas não se sentem encorajadas a falar ainda. Às vezes, os esportistas passam por isso com frequência, mas a pressão por se tornar um grande atleta, por se tornar um medalhista olímpico ou por chegar em uma grande competição acabam empurrando para baixo do tapete suas emoções e suas necessidades, nessa busca desenfreada pelo resultado e produtividade”, conclui Gabriella.

Abrir caminhos para a psicologia do esporte e derrubar esse tabu é um desafio atual que Gabriella Finatti vê grande resposta hoje. Algumas das dificuldades vêm dos treinadores, na experiência da psicóloga. “Pode ocorrer de um treinador achar que isso pode abalar o relacionamento com os seus atletas se tiver um psicólogo ali. Ou, às vezes, um especialista para falar da metodologia que ele está usando ou a forma que conversa com os atletas não seja efetiva.”

Para entender o crescimento dessa área, o US Open, um dos quatro grandes torneios do tênis que acabou no domingo (12), criou um programa de assistência à saúde mental para atletas, no qual cada competidor teve psicólogos credenciados pelo evento disponíveis para consultas. A decisão da organização é muito importante dado o recente caso de Naomi Osaka, que também optou por não continuar a disputar dois Grand Slams, Roland Garros e Wimbledon, devido a sua batalha com a saúde mental.

Não apenas para atletas de elite 

Apesar da psicologia do esporte ser muito discutida em ambientes de grande performance, Gabriella explica que não é a única área de atuação para quem quer se especializar. “A psicologia do esporte pode ajudar na questão de reabilitação física, lesão ou alguma necessidade de movimento que uma pessoa precisa fazer, essa área pode ajudar na consciência corporal e no enfrentamento à dor”, diz.

“No pós-cirurgia e reabilitação cardíaca também, como pessoas que praticavam antes e agora precisam deixar de praticar ou diminuir a intensidade. Ou ao contrário, pessoas que nunca praticaram e aí depois de alguma questão cardiológica precisam começar a praticar o exercício físico para ter uma melhor qualidade de vida. Então, nós vamos inserir esses hábitos do exercício para que faça sentido pra pessoa”, continua.

Muito do que Gabriella cita é encontrar um jeito da pessoa se sentir confortável com aquele esporte ou exercício para que consiga ter uma relação boa com aquilo, buscando sempre uma melhora na saúde. “A atividade física não é só praticar alguma modalidade, pode ser de uma forma muito mais indireta, que tenha o movimento. Uma aula de dança, caminhar até o supermercado e nós vamos entender  as mudanças que podemos fazer na vida de uma pessoa que não é atleta, não tem a menor intenção de ser, mas precisa do exercício físico para ter uma boa qualidade de vida.”

Para concluir onde a psicologia do esporte pode ser aplicada, a psicóloga diz: “onde existe movimento, onde existe pessoas se movimentando, a psicologia do esporte pode estar”.