Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
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Como a crença no Papai Noel pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades na infância?

Marcelo Melo, de 57 anos, é um representante do Papai Noel. O ex-chefe de cozinha atua como bom velhinho em shoppings há 26 anos. Ele conta que viu um anúncio no jornal de “Precisa-se de Papai Noel” e decidiu se candidatar. Fez os testes e conseguiu a vaga.

O Papai Noel lembra que, no início, usava barba falsa, o que pode ser uma chance para as crianças desmascararem esses representantes, já que algumas gostam de puxá-la para checar a veracidade dos fatos. Esse risco o Marcelo não corre mais. Hoje sua barba é grande, branquinha e bem verdadeira. E além de cuidar desse item indispensável ao longo do ano, o representante também costuma ler muitas histórias, decorar os nomes das renas que levam o trenó e estar sempre de bom humor. Características essas, segundo ele, essenciais para o Papai Noel.

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Marcelo Melo, há 26 anos como representante do Papai Noel. Foto: Reprodução/Boulevard Shopping Belém

Para Marcelo, o Papai Noel representa incentivar o espírito de fraternidade e deixar sempre uma magia no ar e uma expectativa de paz, amor e carinho na humanidade. “Os pais procuram no Papai Noel educar as crianças. Por meio dele, eles explicam para as crianças que elas devem se comportar, obedecer e estudar. Os pais sempre pedem para eu reforçar isso. E sempre faço. Também sempre deixo claro que além dos presentes, celebrar o Natal é celebrar o nascimento de Jesus”, afirma. O Papai Noel também deixa mensagens para os pequenos: “nunca esqueçam que o sonho é uma expectativa que vem do universo para cada ser humano. Todos somos uma luz diferente, então cada um deve procurar seguir seu sonho e sua intuição”.

De onde surgiu o bom velhinho?

De acordo com alguns pesquisadores, a origem do Papai Noel, figura lendária associada ao Natal, está relacionada à mistura de crenças do paganismo, cristianismo e, no decorrer do tempo, também teria sofrido forte influência publicitária. Vanessa Angélica Patrício, pedagoga e, atualmente, coordenadora e docente do Curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade de Guarulhos (UNG) nas Unidades Guarulhos Centro e Bonsucesso, afirma que é possível perceber diferentes versões sobre a história do Papai Noel.

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Vanessa Angélica Patrício, conta sobre o surgimento do símbolo natalino. Foto: Arquivo pessoal

“Alguns afirmam que ele mora na Lapônia, extremo norte da Finlândia e estaria relacionado com São Nicolau de Mira, conhecido como Nicolau Taumaturgo, bispo cristão que viveu entre os séculos III e IV d.C. e ficou conhecido por ser caridoso, pois, após a morte de seus pais, utilizou sua herança para distribuir presentes entre os pobres, sobretudo às crianças órfãs”, descreve. A pedagoga explica que a atual figura do Papai Noel assemelha-se com a sua descrição: um velhinho de barba branca e de trajes vermelhos.

No entanto, Vanessa explica que existem outras versões desta figura lendária, em que destaca-se Odin, importante divindade das tribos germânicas do norte da Europa, representado como idoso, grisalho e barbudo. “As tradições o colocam também como responsável por entregar presentes às pessoas durante o Yule, celebração dos germânicos que ocorria todo mês de dezembro”, explica.

Já a forma atual e publicitária do Papai Noel pode ter sido oriunda da publicação de um poema conhecido como “A Visit from Saint Nicholas” (Uma visita de São Nicolau) ou “Twas the Night Before Christmas” (É Véspera de Natal), de autoria de Clement Clarke Moore. “É então que conhecemos o Papai Noel: um velhinho, barrigudo, barbudo, grisalho que se veste de vermelho e que distribui presentes às crianças bem comportadas na véspera de Natal. A imagem moderna se tornou então famosa com o uso de propagandas e está presente até hoje nas comemorações natalinas onde persiste a crença no Papai Noel”, afirma.

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Moderna imagem do Papai Noel é representada em propagandas. Foto: Reprodução/Pexels/Laura James

Vanessa explica que muitos historiadores atrelam a origem histórica desta figura natalina a associação a partir de histórias verdadeiras como a de São Nicolau, santo católico, e Odin, divindade da mitologia nórdica. “Com o tempo, a crença foi popularizada mundialmente e ganhou força pelos Estados Unidos. As propagandas publicitárias fizeram um grande sucesso e consolidaram a imagem atual do Papai Noel. Ou seja, o Papai Noel que conhecemos hoje é uma fusão de histórias e o importante é assegurar que esta e outras narrativas contribuem para o desenvolvimento infantil das crianças. Tudo é novidade para a criança, por isso, é necessário proporcionar este mundo da imaginação, que é absolutamente saudável na infância”, defende.

Quanto ao incentivo à imaginação e cultivar essa cultura, a especialista explica que não se trata somente cultivar a imagem do bom velhinho, mas o recomendado é que, com ou sem a figura do Papai Noel, as crianças precisam desenvolver a ludicidade, imaginação e as histórias imaginárias, como a do Papai Noel, que a nossa cultura proporciona, que pode contribuir para o desenvolvimento emocional e intelectual delas.

“Estimular a figura do bom velhinho no imaginário da criança não causa interferência em seu processo de amadurecimento desde que a ‘magia’ desta narrativa possa contribuir de fato à base da sua formação, ou seja, se a família e as pessoas próximas agregarem à cultura e imagem do bom velhinho a valores como solidariedade, doação, partilha, confraternização podem marcar o imaginário infantil, gerando aprendizado, alegria, sonho e fantasia. Ver as crianças felizes é um dos maiores prazeres para a família”, pontua.

Carinho pelo Papai Noel

A nutricionista Camila Valentim, mãe do Samuel (7), Esther (5), Eloá (3) e José (2), mantém a crença das crianças no Papai Noel para estimular o imaginário e inocência delas. Para Camila, é bonito ver como eles imaginam o Papai Noel e as criaturas mágicas que fazem parte desse mundo encantado. Ela conta que eles conversam sobre isso entre si e juntos encontram respostas sobre como os brinquedos são fabricados e distribuídos.

“Nós, adultos, somos tentados a relacionar o bom comportamento com o ganho do presente no final do ano. Mas eu não costumo reforçar isso em casa. No dia a dia, entre a rotina deles de escola e atividades, eu sempre falo sobre a importância de ter um bom comportamento, respeitar as pessoas e agir com educação. Não fico lembrando que tem o Natal no final do ano para eles ganharem o presente. Sempre que fazem algo de errado, eles perdem o direito de ter alguma coisa que gostam, seja um brinquedo ou um passeio. Desse jeito, eles entendem e eu consigo conduzir os quatro, sem entrar na questão do Papai Noel em si. Acho que a gente deve ensinar as crianças a se comportarem bem porque o mundo precisa de pessoas educadas, sem usar somente a história do Papai Noel entregar presentes para as ‘boas’ crianças”, explica Camila sobre a criação dos filhos.

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A magia do Natal cultivada na família Valetim. Foto: Arquivo pessoal

A nutricionista acredita que essa crença vai influenciar de forma positiva o desenvolvimento dos filhos porque, para ela, eles vão viver a fase de imaginar e sonhar, que a infância nos permite. Além disso, ao conversar sobre Natal e Papai Noel com eles, ela aproveita para falar sobre valores importantes, como bondade e respeito às pessoas mais velhas.

“Aqui em casa eu sempre ensino, em primeiro lugar, que o Natal é o nascimento de Jesus Cristo. E, por isso, é tão importante sermos solidários e amorosos. A gente fala dos presentes, do Papai Noel, como uma forma de despertar a imaginação. Eu explico que eles são crianças que têm o privilégio de ganhar presentes todos os anos, enquanto outras não. Por isso, a gente também aproveita a oportunidade para fazer doações. Eu e minha família realizamos trabalhos sociais voluntários ao longo do ano inteiro, mas na época de fim de ano eu busco envolver mais os meus filhos nessas ações”, conta.

Camila ainda não sabe quando vai contar para as crianças que o Papai Noel não existe e espera que eles mesmos descubram isso e vivam esse momento juntos. “Aqui em casa eu alimento todas as fantasias possíveis de criança, como a Fada do dente e o Coelho da Páscoa. Acredito que a infância nos permite voar. Na fase adulta é tudo mais pé no chão, com responsabilidades e compromissos. Deixo que eles sejam crianças felizes. Faço isso pelos meus filhos porque eu acredito que assim que toda infância deveria ser. Infelizmente, a gente vê por aí muitas crianças com realidade diferente. Acho que se cada um tentar florir o imaginário de uma criança hoje, teremos adultos mais humanos amanhã”, afirma.

A influência do Papai Noel para as crianças

O Papai Noel é um símbolo que faz parte da nossa cultura, de generosidade e bondade. Pode ser considerado algo mágico. De acordo com Cristina Bachert, pedagoga e psicóloga, com Mestrado em Psicologia Escolar e Doutorado em Psicologia, focado em estilos cognitivos e criatividade, permitir e cultivar a crença no bom velhinho na criança é muito saudável para a criatividade e socialização.

De acordo com a especialista, a forma mais adequada de validar a existência do Papai Noel é seguir a fantasia da criança. “Os pais precisam saber como abordar a ‘existência’ do Papai Noel. Ele deve ser abordado como solidariedade e integrante do Natal, que tem como significado principal o nascimento de Jesus. Há também algumas religiões que não são adeptas a esse símbolo, mas é importante explicar para a criança, mesmo que negando sua existência, sobre quem é o Papai Noel e o que ele pode representar. É preciso entender que este não pode ser um processo duro para a criança. Imagine, na escola, onde toda a classe acredita no Papai Noel e seu filho não? É preciso explicar porque existe a crença e não apenas dizer que não existe, para que ela tenha esse entendimento e se mantenha inserida no grupo. Também é papel deles explicar que os presentes são lembrancinhas, ensinando aos filhos a pedir presentes possíveis. Não adianta parcelar um brinquedo em 12x que, muitas vezes, não é viável. Ensinar os valores éticos, não materiais”, explica.

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Cristina Bachert explica o papel do Papai Noel para o desenvolvimento das crianças. Foto: Divulgação

A psicóloga explica que o Papai Noel, por seu caráter onipresente, pode ser uma figura de autoridade, alguém que a criança vai querer que goste dela. “Aqui o objetivo é mostrar para criança que as pessoas prestam atenção no comportamento dela e que ela precisa atender as necessidades básicas de socialização, como se comportar, obedecer, estudar e se alimentar direito. Dessa forma, a criança vai saber quem ela é, como agir, o que se espera dela etc”, explica.

“A história do bom comportamento pode ser um incentivo para a criança trabalhar sua auto regulação. Me refiro a uma criança de 2 anos, por exemplo, que começa a perceber que existem regras e parâmetros de coisas que ela faz e é elogiada ou leva bronca. Ela não consegue ainda se auto regular, mas tem consciência de que tem que agir de outra forma para conseguir a aprovação do grupo. Essa associação do presente com o bom comportamento é interessante porque pode ser um incentivo para a criança tentar acertar mais do que errar”, pontua.

“Ele não existe”

Os pais e responsáveis têm papel no desenvolvimento cognitivo e imaginário da criança. É necessário permitir a fantasia. E quando chegar o momento da pergunta “O Papai Noel existe?”, o que fazer?

Cristina Bachert explica que o Papai Noel faz parte de um imaginário da criança, mas na medida que ela aprende que algumas coisas são histórias e outras são realidade, ela vai descobrir que esse personagem não existe. “As pesquisas dizem que entre os 5 e 6 anos, quando a criança passa a ter habilidades cognitivas mais lógicas, ela passa a perceber que a história do Papai Noel não fecha e começam as perguntas. Nessas horas, é importante os pais estarem abertos para atender às perguntas. Quando perguntado “o Papai Noel existe?”, o ideal é devolver a pergunta para a criança, para, de acordo com o que ela está pensando no momento, desenvolver a resposta”, orienta.

A psicóloga explica que esse processo é natural e que a descoberta será como uma perda para a criança, pois era uma parte da fantasia. Por isso, quando se descobre a verdade, a criança precisa ser introduzida no significado e importância desse símbolo: o que o Papai Noel quer ensinar para a gente? “Ele não faz distinção das crianças, ele gosta e valoriza todas. É o momento de falar de aspectos éticos, como a diversidade, o respeito ao outro e o apoio, valores importantes para nós. E se a criança tem irmãos menores, é interessante tentar fazer um acordo. Se ela gostou de acreditar no Papai Noel, que tal ajudar a manter essa brincadeira com o irmãozinho ou irmãzinha? É uma forma deles também terem essa magia de Natal e a criança poder se tornar uma ajudante”.

Segundo Bachert, o que é importante pensar é que a criança ao longo do desenvolvimento dela, entra no mundo real por meio da fantasia. São os personagens que vão ajudando a criança a crescer. “Um aspecto cultural, religioso, que é importante da família. Ritos de passagens saudáveis para o processo de amadurecimento. A cartinha para o Papai Noel, tudo contribui para que ela possa se desenvolver criativamente e cognitivamente. O que não é positivo é a situação de troca, uma situação pesada. O Papai Noel se tornar um algoz, símbolo de castigo, como afirmar que todo mundo vai ganhar presente, ‘mas você não’. Isso deve ser evitado”, explica.

Medo é uma emoção

É importante ressaltar ainda que o Papai Noel não é amado por todas as crianças. Existem aquelas que têm muito medo . “O medo é uma emoção e o fruto de alguma percepção que a criança tem de que o Papai Noel, às vezes, por parecer com alguma coisa, a roupa, a barba etc. É importante o bom senso dos pais e respeitar essa emoção. Ela poderá ser vencida pela criança do jeito dela e no tempo dela. Não force a criança a estar perto ou posar para a foto. Na mesma família podem ter crianças que ficam fascinadas e outras que se escondem por medo. A criança precisa enxergar que os pais estão do lado para proteger e dar apoio”, alerta.

Papai Noel dos Correios

Em dezembro, muitas ações e campanhas são desenvolvidas, das quais levam o nome do bom velhinho. Dentre elas está a campanha Papai Noel dos Correios, em que qualquer pessoa pode se tornar o Papai Noel de alguém. A campanha, que já tem 30 anos de existência, permite que pessoas adotem uma cartinha, enviada para os Correios, e possam presentear a criança autora do pedido.

Quem escreve as cartinhas são crianças da sociedade em geral e estudantes de escolas públicas dos estados brasileiros. Nelas, os pequenos expressam seus desejos, que são atendidos por um voluntário, chamado de padrinho ou madrinha. Eles escolhem uma carta, preparam o presente, depositam em algum ponto de coleta dos Correios e o presente chegará nas mãos da criança.

De acordo com os Correios, o objetivo da campanha “é incentivar o interesse pelo aprendizado da escrita de cartas pelas crianças e estimular o desenvolvimento de habilidades cognitivas e emocionais”.

Adote uma cartinha também! Para conhecer mais, é só clicar aqui: https://blognoel.correios.com.br/blognoel/index.php