A fome bateu à porta do país
Por Marta Dueñas, Jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
O país cujo lema é pobreza acima de tudo, fome acima de todos.
Você tem fome de quê? Era uma vez, uma pergunta retórica, quase poética, que interpelava a pensar sobre o que nos alimenta além do prato. O Brasil agora tem fome. A fome é urgente e responde por comida na mesa, feijão, arroz e carne no prato!
A insegurança alimentar na população brasileira é um problema histórico. Fome e pobreza são amantes de longa data em nosso país, mas com políticas sociais afirmativas, programas de repasse de verba, empregabilidade e o crescimento que experimentamos em anos passados os lares estavam mais recheados e as pessoas comendo mais e melhor. Foi tão bom que o presidente Jair Bolsonaro, ofendido com o prato cheio nacional, insinuava que o problema não era a fome e, sim, a obesidade. Entre tantos desrespeitos, chamar a população de gordinha chega a ser fofo. Pior é matar na pobreza e na fome como indica a agenda programática do líder da nação.
A pandemia pode até parecer o epicentro da situação lamentável que o país se encontra, mas quem está regendo esta marcha fúnebre é o governo federal que desmantela políticas reparadoras, enfraquece estruturas públicas e celebra a morte, seja ela matada, seja ela morrida.
Antes da pandemia, havia 57 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar, em abril de 2021 esse número cresce para 116,8 milhões de pessoas, sendo que 43,3 milhões não têm acesso aos alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada) e 19 milhões passam fome (insegurança alimentar grave), segundo pesquisa da Rede PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Obesidade num quadro como esse? Sim, existe. Mas não como você pensa e muito menos como perversamente reduziu Bolsonaro. Há um avanço da obesidade apesar da fome, pois as pessoas estão comendo pior. Quem come, come pior. Alimentos processados, alimentos industrializados. Gordura e açúcar. Partes não nobres de carnes. Biscoitos e pães produzidos em larga escala. Comer bem ficou caro. Alimento saudável é uma commodities da elite.
Quando o pior do pior fica evidente, dá saudades de trocar seis por meia dúzia. É a sensação que se tem ao contemplar tanta mazela no país da pandemia, da fome, da seca e da crise energética.
Para reagir ao apagão de políticas sociais, o Governo Federal resolveu extinguir o programa Bolsa Família, vigente há 18 anos, e substituí-lo pelo Auxílio Brasil, com a promessa de atualizar valores e ampliar beneficiários. Na prática, o recém emplacado programa terá vigência de pouco mais de um ano, encerrando em 2022, e pagando um reajuste médio de 17%
Mas se o novo programa vai ampliar o público e reajustar o valor, o que exatamente ele tem de mal? A questão vem antes: porque extinguir um programa consolidado com 18 anos e que é considerado modelo e copiado por diversos países? O Bolsa Família foi considerado um dos programas mais estratégicos e bem direcionados. A maioria dos recursos do programa, cerca de 94%, era destinado aos mais pobres, 40% da parcela mais necessitada da população. A questão é: em meio à pandemia, escassez de recursos, fome e empobrecimento, era tempo de relançar um programa com verniz de melhorias? Na prática, o que se vê é em meio ao caos, extinguir, sem discussão ou qualquer tipo de pesquisa e embasamento, o maior e mais bem-sucedido programa de transferência de renda do mundo. E no lugar, um prato requentado que esconde um pacote de maldades: exclusão de 22 milhões de beneficiários do auxílio emergencial, um reajuste inferior à inflação real e uma lógica de repasse de recursos ancorado em conceitos de meritocracia, como se a pobreza fosse resultado da falta de sucesso na jornada de cada indivíduo. O novo programa tem a cara do governo, trata o cidadão como um objeto patético do governo e intensifica a pobreza e a fome que era aplacada pelo Bolsa Família.
Mais do que lançar o Auxílio Brasil, o governo quis garantir o fim do Bolsa Família justamente quando o país volta à vitrine mundial da fome e em meio a uma acentuada crise econômica. O Auxílio Brasil é a marca da perversidade do governo dos brancos, ricos, que odeiam que “pobre coma camarão”.