Em entrevista, Letícia Medeiros, co-fundadora do projeto Elas no Poder, fala da importância da contribuição da sociedade civil para mais representatividade das mulheres  na política

 

Por Regina Fiore-Rio de Janeiro

 

Qual é o retrato da mulher brasileira na política? Apesar de as mulheres serem 52% da população do país, elas compõem apenas 15% de todos os cargos políticos ocupados no Brasil. Pensando em transformar essa realidade, a pesquisadora Letícia Medeiros ajudou a fundar em 2018 o projeto Elas no Poder, que tem mais de 30 voluntários em todo país e já impactou centenas de mulheres por meio de cursos, mentorias e materiais concebidos para incentivar as mulheres a se interessarem pela vida pública. 
 
O grande desafio hoje é levantar dinheiro para disponibilizar conteúdos gratuitos e viabilizar o projeto de forma que impacte cada vez mais mulheres e comece a transformar a realidade da falta de representatividade do sexo feminino na política. O projeto lançou uma campanha de financiamento coletivo que termina esta quinta-feira e já alcançou cerca de 85% do valor necessário. Para contribuir, basta acessar: https://www.catarse.me/portalelasnopoder
 
Letícia, que também é cientista política, nos concedeu uma entrevista exclusiva sobre a campanha e sobre o cenário político atual, do ponto de vida da representatividade feminina.
 
Mulheres Jornalistas: Como você vê um projeto como o seu diante de um cenário que se mostrou retrocedente para muitas pessoas desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o governo?
Letícia Medeiros: Sabemos que um dos principais entraves para a entrada das mulheres na política, de acordo com estudos internacionais, é a ambição política, que diz respeito ao fato de a mulher ao longo da vida não ser incentivada a saber sobre política ou a entrar na política. O simbolismo que temos neste governo, declaradamente masculino, e as declarações conservadoras dando a entender que o lugar da mulher é fora da política, reforça toda uma imagem que a mulher já carrega consigo em seu processo de socialização. Por isso, mais do que nunca é necessário mostrar para as mulheres que a política é um espaço delas e que temos todo direito de ocupá-lo. Para isso precisamos nos capacitar, nos organizar e disputar esse espaço de igual para igual. Precisamos olhar para esse desafio e pensar “Ok, como vamos superar isso?” por meio de estratégias. 
 
MJ: Mulheres na política fazem mais leis em benefício e outras mulheres?
LM: Um estudo realizado em 125 países apontam que, nas democracias, quando existem mais mulheres no governo, os índices de corrupção são menores. Isso tem muito a ver com o fato de que, ao ocupar cadeiras públicas, as mulheres dedicam muito de seus esforços às políticas de bem-estar social, o que inclui políticas para garantir e assegurar os direitos das mulheres. Aqui no Brasil, se houvessem mais mulheres na política desde os anos 40, que foi quando a participação da mulher nessa área foi legalizada, nós teríamos avançado muito mais na resolução de problemas que as mulheres vivenciam hoje. As tomadas de decisões teriam outro peso e outra velocidade. Voltando ao estudo que comentei, incentivar políticas de bem-estar social cria todo um contexto que inibe as práticas de corrupção, porque a população fica mais atenta e participativa tendo uma qualidade de vida melhor. No Brasil, ainda temos problemas sociais muito graves para exigir da população o engajamento necessário para impactar nos índices corrupção, mas com certeza as mulheres são agentes importantes para tomar decisões sobre políticas públicas em saúde, educação e outras áreas que impactam diretamente o bem-estar das pessoas. 
 
MJ: Que tipo de movimentos e articulações você acha que realmente fazem a diferença para mudar o cenário da falta de representatividade das mulheres na política?
LM: Como cientista política, considero que precisamos mostrar para o eleitor que as mulheres são capazes de exercer cargos públicos e incentivar os eleitores a votarem em mulheres, escolhendo entre uma gama de opções de posicionamentos ideológicos e pautas. Outro aspecto: precisamos trazer conhecimento político para mulheres, capacitá-las politicamente para arrecadar recursos, fazer campanhas e mobilizações, coisas que a maioria das mulheres não são incentivadas a saberem ao longo da vida. Precisamos também atacar os próprios partidos políticos, que precisam ser ambientes mais acolhedores, dividir poder de decisão, mostrar paridade de gêneros e dar espaço de fato para as mulheres começarem suas carreiras. A vivência partidária é fundamental para a carreira política, é a porta de entrada para fortalecimento e amadurecimento das candidaturas, por isso precisamos mudar a realidade de hoje dentro dos partidos. 
 
MJ: As empresas no geral têm mulheres em cargos com salários mais baixos, mas o topo da pirâmide acaba ficando sempre com o mesmo perfil. Você percebe que isso ocorre também na política?
LM: Sim, isso também ocorre na política, basta olharmos os cargos nos próprios partidos políticos, onde existem poucas mulheres em cargos diretivos. A presença da mulher é muito validada em cargos de suporte ou assessoria, porque historicamente este sempre foi seu papel. Quando olhamos cargos de poder, que estão a frente do negócio, vemos a presença da mulher ser questionada. O movimento que precisamos fazer enquanto sociedade civil é uma pressão para que as instâncias sejam mais representativas, com paridade de gênero. Essas mulheres existem, estão aí e precisam ser preparadas. Qualquer candidatura fraca é ruim em questão de recursos e competitividade. Os partidos políticos precisam entender que fortalecer as mulheres é também se fortalecer. Precisamos mobilizar as mulheres para que elas exijam que nos é de direito dentro da política.
 
MJ: Quais os desafios do projeto no momento? Que tipo de participação civil você gostaria de ver nesse momento?
LM: Estamos na estrada desde 2018. Lançamos o manual Campanha de Mulher, que é um passo a passo para as mulheres que querem se candidatar e em 2020 nosso objetivo é impactar as eleições municipais. Temos um programa de mentorias que abrange mulheres de todos os partidos, do Novo ao PCdoB, de Norte a Sul do Brasil. Agora queremos colocar todo o conteúdo que já produzimos em uma plataforma online de forma gratuita: entrevistas, materiais, mini-guias, estudos de caso de campanha e vídeos. Por isso, estamos com uma campanha para viabilizar esse projeto, um financiamento coletivo aberto para que as pessoas possam contribuir. Estamos em um momento de crise na área da saúde, onde precisamos nos cuidar e cuidarmos uns dos outros, mas não podemos deixar que projetos sociais como esse deixem de existir. O convite que fazemos para que as pessoas doem para nosso projeto é: se você acredita precisamos de mais mulheres na política, a causa também é sua. Hoje, no Brasil, não existe nenhuma plataforma que seja focada em mulheres, que as deixe mais preparadas, bem organizadas e competitivas para a política.