Por: Marta Dueñas, jornalista
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

O ano de 2022 ainda não terminou, mas falta pouco. Alegria e alivio para uns, tristeza para outros, vide o choro e a reza que ecoa desde Brasília. Definitivamente, foi um ano de contrastes marcado por avanços e atrasos em temas importantes como tecnologia, direitos humanos, igualdade social. Se por um lado temos informação por demanda e na palma da mão, por outro, as fake News nunca foram tão disseminadas ou fortes. Enquanto o número de ultra ricos aumentou 48%, o de famintos aumentou 73%. Governo que prometeu acabar com a corrupção foi alvo de novos escândalos envolvendo o alto escalão e apoiadores de Bolsonaro. O Lula ganhou as eleições; Bolsonaro ficou silenciosamente triste, fechado no Palácio enquanto seus apoiadores foram às ruas pedindo intervenção militar. Classe artística anuncia shows gratuitos na posse de Lula e os descontentes com o resultado do pleito acampam em frente aos quartéis em diversas capitais do país. O Brasil é desclassificado nas quartas de finais na Copa do Mundo. Neste exato momento, faltam três dias para acabar o ano e eu espero, sinceramente, que possamos ter um pouco de tédio nas notícias desses últimos dias.

Se eu tivesse que definir o ano de 2022 eu diria que foi “Calça de Veludo ou Bunda de Fora” e não me refiro à polarização política, pois acho um equívoco colocar os campos e aliados políticos de Bolsonaro e Lula num ringue em pontas opostas. Lula não é um extremista, Bolsonaro é e ponto final. O contraste do ano está nos fatos e dados que vivenciamos e tivemos que enfrentar (ou engolir) ao longo da jornada.

Ano de aumento de milionários e de gente comendo ossos em porta de caminhões e de pessoas que se intitulam gente de bem apontando armas e atirando contra outras em nome de Deus, da Pátria e da Família. A palavra surreal chega a preencher automaticamente quando digito a sílaba “su” no meu celular. E é também uma boa definição para alguns dos fatos do ano.

No Brasil e também no mundo, retrocessos em direitos humanos, crise econômica, aumento da inflação, aumento da pobreza, crise climática e guerra, para citar algumas das marcas de 2022.

Os desastres ligados à mudança climática se multiplicaram em todo o mundo. O ano iniciou com inundações e desabamentos. Segundo dia de janeiro, chuvas torrenciais na Malásia causam inundações e deixam cerca de 50 mortas e duas desaparecidas e, no Brasil, em Capitólio (MG), o desabamento de uma rocha atinge turistas e deixa 10 mortos e 32 pessoas feridas. Nada é isolado, o ano teve diversas ocorrências climáticas demarcando uma crise importante que precisará ser discutida globalmente. Em fevereiro, uma tempestade sem precedentes atinge Petrópolis, no Rio de Janeiro, e deixa mais de 30 mortos. Entre abril e julho, tanto a parte Sul do país quanto a região Nordeste sofreram com chuvas históricas e alagamentos. Em Alagoas e Recife, é decretado estado de calamidade em dezenas de cidade. Alagoas chega a ter 60% do estado atingido. Já no final do ano, o estado alagado é Santa Catarina. Pessoas desabrigadas, desaparecidas e mortes. No Brasil, a boiada não só passou como está boiando.

Mas não só de chuva e desastre se viveu, tivemos também Guerra, briga na cerimônia do Oscar, Musk comprando Twitter, eleições no Brasil e Copa do Mundo.

No cenário político muito a se lembrar. O governo Jair Bolsonaro terminou como deveria: perdendo. Mas antes de deixar a Presidência, Bolsonaro deixou marcas de corrupção, um rombo orçamentário e estruturas públicas devastadas. Esse time que tanto apoiou a lava jato e discursou por moral teve, entre outros, dois escândalos que vale destacar: a prisão do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, por quem Bolsonaro disse que colocaria a cara no fogo, e a demissão do Presidente da Caixa Econômica acusado de assédio. Ribeiro foi figura central da operação da PF que investigou a prática de tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Educação. Já Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa, foi acusado de assédio moral e sexual. As investigações contra Guimarães na Corregedoria da Caixa reuniram 50 testemunhas e vítimas em 500 páginas de processo que conclui que a gestão sob a liderança dele foi marcada pelo medo, assédio, comunicação violenta e manipulação. As vítimas, funcionárias do banco, relataram que o gestor as abraça e tocava em partes íntimas, entre outros abusos comuns no dia a dia da entidade. Surreal para você? Comum no governo que já vai indo.

Até mesmo em âmbito internacional o Brasil marcou, mas não pela Copa. Foi por mais um posicionamento avesso do presidente Jair Bolsonaro que, na semana anterior ao inicio do conflito armado da guerra praticamente declarada da Rússia contra Ucrânia, realiza uma visita oficial à Russia quando faz elogios e declara solidariedade ao país. A comunidade internacional tomando neutralidade e agindo por acordos de paz, enquanto o Brasil vai na direção menos lógica da sua história de relações internacionais. A guerra já passa dos 300 dias e as informações sobre mortes de civis e no front de batalha não são claras. Estima-se que cerca de 100 mil soldados russos e 100 mil soldados ucranianos tenham morrido na batalha. Já entre os civis, a estimativa seria de 40 mil mortos.

Voltando ao Brasil, que também é um território de conflito (leia coluna anterior sobre armamentos no país), embora não esteja em guerra declarada e tampouco com números tão estrondosos de mortes, atravessamos nossos próprios dramas. As eleições presidenciais foram marcadas pelos conflitos, insegurança, fake news, memes e manifestações históricas. Tivemos candidato padre, que não é padre, debates com audiência histórica e o maior pleito em 90 anos de existência da Justiça Eleitoral.

Desde o 7 de Setembro, cuja festa pátria é transformada em cena patética com direito a outro crise internacional, dessa vez com presidente de Portugal, e com Jair Bolsonaro cantando “imbrochável” referindo-se a sua própria (suposta) virilidade.

Durante a campanha, atentados, mortes e perseguição. Eleitores pró Bolsonaro atacam festas, atiram contra eleitores adversários, amedrontam padres e pastores insuflados pelos discursos e ações em rede social. Tivemos deputada bolsonarista Carla Zambelli fazendo uma perseguição armada contra um civil em pleno dia de eleições e antes do segundo turno, o ex-deputado Roberto Jefferson ataca agentes da PF com tiros de fuzil e granada. Já posso repetir a palavrinha do ano? Surreal!

Ainda assim, Lula foi eleito presidente do Brasil com 50,90% dos votos, enquanto Bolsonaro obteve 49,10% dos votos. Mas o resultado não teve uma boa recepção por parte da sociedade brasileira que, inclusive, chegou a obstruir rodovias em vários estados do país e realizou manifestações pró Golpe Militar. Já o PL, partido do candidato derrotado, pede ao TSE anulação dos votos do segundo turno registrados em urnas eletrônicas alegando fraude. A ação faz parte das estratégias da extrema direita para causar instabilidade no processo eleitoral desacreditando as urnas eletrônicas em funcionamento no Brasil desde 1996. O Presidente do TSE, ministro Alexandre de Moares, nega o pedido e aplica multa de R$ 22 milhões ao partido. Vale aqui trazer dados sobre as urnas eletrônicas, amplamente atacadas pelo presidente, por sua família e por apoiadores. As urnas eletrônicas no Brasil foram responsáveis por reduzir o número de abstenções e de votos inválidos que chegaram a 40% no antigo sistema e, atualmente, estão em cerca de 7%. Foi por meio das urnas que se conseguiu incluir eleitores de baixa renda e analfabetos, por exemplo. É um sistema internacionalmente elogiado e que, desde sua implantação, nunca registrou nenhuma falha ou caso de fraude.

Noticiada a vitória eleitoral de Lula para a presidência a partir de 2023, começa o desmonte do governo atual. Entre o silêncio, o sumiço e o choro, o governo Jair Bolsonaro anuncia cortes orçamentários expressivos em pastas fundamentais como educação, Ciência, Tecnologia e Inovações, Saúde, Desenvolvimento Regional e Defesa. Cortes orçamentários após aumentar teto de gastos para manter benefícios sociais nas vésperas das eleições e, ainda, mesmo tendo anunciado superávit inédito em oito anos. Os cortes e bloqueios de verba, principalmente no setor da Educação, levaram Reitores a anunciar paralização ou inviabilidade administrativa em diversas universidades federais. Agora cabe aqui outra expressão: Brasil calça de veludo ou bunda de fora.

Vivemos este restinho de ano como vem quem vive cada dia numa UTI: dias de espanto e outros de esperança. Uma equipe de transição para diagnosticar as condições das estruturas governamentais que serão assumidas por novos times, um governo sendo montado, Argentina levando a Copa, gente ainda em frente aos quartéis, nova onda de Covid anunciada na China em meio a ações truculentas do governo chinês contra sua população e a contagem regressiva para as festas de final de ano. Um país empobrecido e endividado, sem o hexa, mas com esperança de dias melhores pela retomada de um modelo de governo mais social, mais inclusivo e mais humano. Que venha 2023, O Brasil merece uma nova chance!