Por Melissa Rocha, Jornalista – RJ

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Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista – RS

Tentativa de celebrar o golpe de 1964 é ofuscada por mensagens contra a ditadura, provando que os verdadeiros patriotas são aqueles que defendem a democracia

Um fracasso vergonhoso. Não há melhor maneira de descrever a desesperada tentativa de Jair Bolsonaro e alguns membros do alto escalão do governo de celebrar o golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964, que marcou o início da ditadura no Brasil.

Salvo algumas parcas manifestações, a famigerada celebração anunciada pelo Planalto foi um fiasco, e o que era para ser uma demonstração de força acabou tendo o efeito contrário: refletiu o isolamento de Bolsonaro.

A frustração foi grande, uma vez que a expectativa era alta. Acuado por cobranças internas e externas pela má gestão da pandemia, Bolsonaro apostou na celebração do golpe de 1964 como espetáculo para desviar o foco da população, que cada vez mais o considera culpado pela crise sanitária e econômica que se instalou no país.

O plano estava alinhado com a estratégia de criar cortinas de fumaça, e veio acompanhado da fabricação de uma crise militar que, embora à primeira vista pareça um racha, na verdade pode servir tanto a Bolsonaro quanto às Forças Armadas.

A crise veio a público após uma minirreforma ministerial, promovida por Bolsonaro, que resultou na troca de seis ministros, entre eles o general Fernando Azevedo e Silva. Ele foi substituído como ministro da Defesa pelo também general Walter Braga Netto – que é alinhado à retórica intervencionista de Bolsonaro. Após a troca, os comandantes das três Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), entregaram seus cargos em protesto contra o que afirmam ser uma tentativa de interferência do governo.

A queixa tem fundamento. Como um menino que manipula seus soldadinhos de brinquedo, Bolsonaro exige que os militares assumam os posicionamentos que ele determina, afinal ele acredita tratar-se do “seu exército”. Por outro lado, é falsa a ideia de que os comandantes que entregaram seus cargos lutam contra politização das Forças Armadas. Na verdade, a luta é para se livrar do abacaxi que se tornou a participação dos militares em um dos piores governos já vistos no Brasil desde a redemocratização – algo que inclusive já foi tema desta coluna (1).

Mas a baixa adesão à celebração do golpe de 1964 não foi a única derrota do Planalto nos últimos dias. Na semana passada, o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo – um aliado próximo de Bolsonaro – fracassou na tentativa de pautar o projeto de lei 1074/2021, que usa a pandemia como pretexto para ampliar os poderes de Bolsonaro. A manobra é muito similar ao que ocorre na Venezuela. A diferença é que no país vizinho o pretexto usado para conceder plenos poderes a Maduro foi a crise econômica que levou à escassez de produtos de necessidade básica. Ao que tudo indica, quando Bolsonaro disse em campanha que em sua gestão o Brasil não seria uma Venezuela, esqueceu de completar a frase afirmando que seria apenas algo muito parecido: um país com um líder de natureza totalitária, que concede benefícios a militares para se aferroar no poder e usa um falso patriotismo para manipular seus apoiadores.

O que Bolsonaro esqueceu é que patriotas não são aqueles que tentam subverter a Constituição por meio de um golpe militar, mas sim os que a defendem e apoiam as instituições que garantem o estado democrático de direito. E foram esses patriotas que ofuscaram a celebração do golpe de 1964, difundindo, em diversos meios, a mensagem “Ditadura nunca mais”. Uma vitória da democracia.

Após os eventos desta semana, duas coisas terão de ser acompanhadas de perto. Uma é o desdobramento do projeto de lei 1074/2021, que embora não tenha sido pautado segue em tramitação na Câmara. A outra é como se comportarão os indicados por Braga Netto para ocupar os cargos de comando nas Forças Armadas. Como dito anteriormente, a tal crise militar pode servir a Bolsonaro, caso sejam escolhidos nomes adeptos de sua retórica intervencionista.

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