Veganismo possível é político, popular e acessível
Por: Haline Farias, jornalista
E-mail: haline.farias@muheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Conheça o veganismo anticapitalista que é possibilidade de realidade para todos
Leite de castanha ou de amêndoas, queijo vegetal, hambúrgueres à base de plantas com aparência de carne animal, nugget de “frango” vegetal, produtos industrializados e/ou caros encontrados em lugares voltados para a classe média. Essa é a ideia que grande parte das pessoas tem sobre o veganismo, em razão do conceito e estrutura elitizados construídos e disseminados em volta desse movimento.
O capitalismo viu na força do veganismo mais uma oportunidade de se apropriar, lucrar e segregar. O mercado percebeu como a elite se “encantou” e aderiu a diversos itens veganos industrializados, assim aumentou os preços e produziu mais produtos voltados para esse grupo. Mas isso só deturpou/deturpa o movimento, fazendo com que muita gente ainda veja como algo distante e inacessível, afastando as pessoas de entenderem realmente o que é o veganismo, e ter o acesso e a escolha de ingressar em um estilo de vida que envolve saúde, política, meio ambiente e tantos outros viés importantes em nossa sociedade.
A nutricionista Ágatha Alves, moradora da Boa Vista, um bairro periférico em Seabra (município localizado no interior da Bahia), foi ovolactovegetariana por dois anos e há três é vegana. Ela comenta que o fato do veganismo ser associado a um padrão alimentar muito caro é consequência da estratégia de mercado utilizada pelas indústrias. “Uma versão vegana de um produto, que pode ser feita em uma produção até mais econômica, é vendida por um preço muito maior, só por ter essa definição de vegano. Por isso, se esse tipo de alimento industrializado estiver sempre presente na alimentação, o que não é recomendado de forma alguma, o veganismo será sim caro. Mas com uma alimentação à base de grãos, vegetais, frutas e cereais, se torna muito mais barato, além de muito mais saudável!”
Esse veganismo abraçado pelo capitalismo é chamado veganismo de consumo, mais conhecido como veganismo estratégico e liberal, voltado em produtos industrializados e subprodutos veganos, que apoiam grandes empresas que produzem produtos sem origem animal, com selo cruelty free, mas ainda há alguns que realizam testes em animais e/ou tem derivados de animais em seus outros itens. Essa é uma vertente completamente despolitizada e que não enxerga todo o panorama social e do meio ambiente, um veganismo de classe média privilegiada que nunca necessitou se preocupar com outra coisa senão consigo mesma, que acredita que está transformando o mundo através daquilo que fomentou e valida a exploração animal e tantas outras explorações: o capitalismo.
Porém, e felizmente, o veganismo tem outra vertente, uma que é popular, acessível e descomplicada: o veganismo popular. Também conhecido como veganismo anticapitalista ou interseccional, o veganismo popular é uma mobilização de tom político que busca a tornar acessível o estilo de vida, principalmente em relação à alimentação, e desconstruir a crença de que ser vegano é algo caro e voltado para pessoas ricas e brancas. Essa linha popular é baseada no antiespecismo e aspira a democratização da libertação animal.
O veganismo político popular vem há um bom tempo ganhando força e espaço, principalmente com os debates e compartilhamento de rotina nas redes sociais, com diversos ativistas periféricos que buscam transformar o acesso à alimentação de qualidade, lutam pelo fim da exploração animal e humano. Caroline Soares, moradora da periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, é estudante de nutrição e vegana há 10 anos, e por meio das suas redes sociais vem há muitos anos buscando descomplicar o veganismo, mostrando como ele pode – e deve – ser acessível e trazer autonomia alimentar. Ela explica que a vertente do veganismo político e popular vem também com a ideia de aproximar as pessoas dos alimentos, na qual a população tenha consciência do que está comendo.
“A minha ideia como vegana popular, e eu compartilho dessa ideia com muitos camaradas, não é enfiar o movimento goela abaixo das pessoas ou falar que precisa de um nugget, salsicha ou hambúrguer vegetal para ser vegana. É preciso ter vontade, fazer uma reeducação alimentar e ter o direito a se alimentar. Comer é um ato político!”
Ágatha explica que o veganismo acessível é praticado tendo como base os alimentos naturais, como as verduras, legumes, frutas e leguminosas, que facilmente são encontrados em feiras, mercados de bairro, com produtores locais e agricultura familiar. “Além disso, fazer as próprias preparações de pratos é uma forma econômica e muito mais saudável”. Essa é uma linha de pensamento e estilo de vida que compreende as diversas camadas que o capitalismo detém e tira proveito em relação aos animais, meio ambiente, alimentação e igualdade social.
Em seu perfil do Instagram, Caroline compartilha receitas veganas, dicas de produtos e lugares veganos, além de, e principalmente, discutir como o veganismo é possível e nada tem a ver com produtos industrializados e caros, sendo necessário que todos tenham acesso a comida, e possam questionar e escolher o que comer. Compartilhar receitas acessíveis surgiu da necessidade que Caroline tem como mulher periférica de não ter quem cozinhe para ela e de utilizar ingredientes acessíveis, o que encontra nos mercados de bairro, já que os produtos vegetais industrializados, além de caros, são encontrados em regiões de classe média distantes da periferia. “Um dos motivadores também foi a vontade e necessidade de não cair na monotonia na alimentação, que, muitas vezes, acaba sendo um dos ‘pré-requisitos’ para desistir quando começa a transicionar para o veganismo.”
O veganismo anticapitalista é construído para ser vivenciado da forma mais praticável e dentro da realidade de cada um, entendendo espaços, pessoas e vivências. É a possibilidade de acesso e escolha, de informações e alimentos. Um ato político e coletivo que deve estar nas opções de escolha de vida de todos e qualquer um. É necessário repensarmos a exploração e o consumo animal juntamente com todos os processos por trás, as pessoas que produzem e consomem, o meio ambiente, os animais e todas as implicações.