Por Giselle Cunha, Jornalista- RJ
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

Inspiração, sensibilidade e talento que fez da fotografia a expressão da sua alma

Estima-se que atualmente exista no mundo um total de 253 milhões de pessoas cegas ou com deficiência visual, o que representa cerca de 3,5% da população. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual grave, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão.

Esses números nos convidam a uma reflexão: Qual a representatividade dos deficientes visuais, quais são os projetos elaborados em prol dos mesmos e qual acessibilidade é oferecida a eles?

Quando era criança estudei todo o meu primeiro grau em uma escola pública no Bairro Araújo, em Irajá e lá havia uma turma especial em que somente portadores de deficiências físicas e mentais faziam parte. Todos os dias, acompanhávamos a dedicação e o carinho das professoras com a turma, nos alternávamos para ajudá-los a se locomover e compartilhávamos o recreio e as apresentações escolares. Tive a oportunidade desde nova de conhecer, auxiliar e respeitar as diversas formas do Ser Humano, mas penso quantas pessoas não tiveram a mesma oportunidade? Quantas dessas pessoas acreditam que essas condições diferenciadas os impossibilitam de pensar, sentir e se expressar conforme fazemos?

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

Valdir da Silva poderia ter se tornado mais um número nessa estatística, mas resolveu fazer diferente.  Em 1999 ele trabalhava numa empresa de calçados, em Nova Hartz, no Vale do Sinos, quando sofreu um acidente que mudou sua vida. “Enquanto ensinava um colega a lixar palmilhas, pontas de tachinhas saltaram no meu olho direito, com a dor bati em um galão de solvente e esse galão caiu atingindo meu rosto”, relembra Valdir.

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

Aos 24 anos Valdir já havia passado por diversas consultas e exames, quando o oftalmologista decretou que ele ficaria cego em seis meses. Durante esse período foram gastos em torno de R$ 100.000 em tentativas de recuperar sua visão, mas todas elas acabaram não funcionando e sua perda de visão ocorreu gradativamente. Passados sete meses do acidente o diagnóstico do oftalmologista se concretizou e a visão de Valdir se limitou a apenas uma imensidão de branco com manchas pretas. A partir daí ele buscou ajuda com a Associação dos Deficientes Visuais de Canoas (Adevic) que possibilitou sua adaptação e também uma grande virada de vida.

Valdir estipulou etapas para aprender a lidar com a cegueira e passou desde a caminhada, apoio psicológico até chegar à artes. Foi quando conheceu uma professora que lhe lançou um desafio, ela sugeriu que ele utilizasse seus outros sentidos para mergulhar no mundo da fotografia. “Use o som da minha voz, as sombras, o cheiro do perfume”, disse Deloni Mossmann Siqueira, coordenadora do Núcleo de Apoio Pedagógico e Produção Braille.

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

Nesse momento Valdir já exercia a profissão de massoterapeuta e também fazia pinturas em tela, porém sentia um vazio, algo ainda não estava alinhado de forma que o fizesse sentir-se pleno. A fotografia veio e preencheu tudo o que faltava de forma única, emocionante e surpreendente. Valdir ainda conta com uma assistente superespecial chamada Vitória, sua filha de 10 anos que o descreve o cenário, faz companhia e ainda deixa sua opinião em cada trabalho do papai. “Vitória é meu anjo, meu tudo”, se orgulha o fotógrafo ao citá-la. Valdir cuida da filha desde o nascimento e é pai solo. Os dois curtem fotografar a natureza, os animais e paisagens em si.

Usando a referência de sombras, Valdir iniciou na fotografia com uma máquina da marca Kodak, comprada a prestação e depois passou para uma Nikon, com uma lente de 18mm. O processo em si é bem mais comum do que se imagina, “Não é necessário adaptações nas máquinas fotográficas, claro que isto facilitaria, talvez no futuro venha acontecer, mas nós criamos nosso próprio sistema de manipulação da máquina através do uso diário da mesma, vamos nos adaptando ao sistema já existente”, explica Valdir.

“A fotografia não é exclusividade”

Essa frase pertence à Evgen Bavcar, fotógrafo nascido na Eslovênia que ficou cego aos 12 anos de idade e serve como exemplo e inspiração para Valdir da Silva.

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

Diferente de sua inspiração, Valdir não vive financeiramente da fotografia, mas tem se profissionalizado com essa intenção, sem esquecer o seu principal objetivo: a inclusão e o não preconceito com as pessoas deficientes visuais. Atualmente Valdir reside em Porto Alegre e também atua como palestrante motivacional, expositor e escritor. Frequentemente atua com palestras em colégios para promover a inclusão da classe.

Hoje, aos 46 anos, Valdir sonha em promover exposições com acessibilidade de áudio descrição e procura patrocínios para trazer essa inclusão a essa parte da população muitas vezes esquecida pela grande mídia e pelas grandes empresas.

Batemos um papo com o fotógrafo onde ele nos revela suas sensações, projetos e também compartilha dicas com futuros colegas de profissão.

Instituto Mulheres Jornalistas (MJ): Como foi sua sensação ao fotografar pela primeira vez?

Valdir: Quando fotografei pela primeira vez, fiquei maravilhado e percebi que poderia mostrar ao mundo através da fotografia o potencial das pessoas com deficiência visual. Ver o mundo através da lente de uma máquina, fotografando a essência do ser humano e da natureza.

MJ: Qual o seu estilo de fotografia predileto?

Valdir: Meu maior prazer é fotografar a natureza, pois é através da transformação da natureza que podemos ser seres humanos melhores.

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

MJ: Você tem algum projeto para inserir outras pessoas com deficiência visual no mundo da fotografia?

Valdir: Meu projeto atual é fazer exposições das minhas fotos e palestras motivacionais, nas escolas, empresas e universidades, pois somente assim poderemos tornar o mundo mais justo e inclusivo a todos, provando a sociedade que somos capazes sim de sermos inseridos com dignidade nela e que cada um tem o seu potencial é só nós dar uma chance de mostrar nossas qualidades, respeitando os limites de cada um e seu tempo.

MJ: Nos conte sobre seu projeto atual e sobre projetos futuros?

Valdir: Atuo em várias frentes porque acredito que nós, pessoas com deficiência, só conseguiremos abrir portas participando efetivamente dos grupos sociais e da sociedade em geral através de um posicionamento forte efetivo, claro que sempre respeitando a opinião de cada um, mas nos posicionando com firmeza exigindo nosso espaço na sociedade não esquecendo que temos direitos e também deveres com a sociedade, meu projeto futuro é fazer o lançamento do meu livro o qual já está pronto estou na busca de editora para lançar este livro. Trata-se de um livro que fala sobre a espiritualidade, desdobramentos ou viagens espirituais que nos levam a entender tudo que acontece com cada um de nós.

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Foto: Acervo/Valdir da Silva

MJ: Qual conselho você poderia dar a quem deseja iniciar na fotografia?

Valdir: Meu conselho a quem quiser se tornar um fotógrafo, tendo deficiência ou não, é que tire fotos é simples. O maior desafio é fotografar a essência das pessoas e da natureza, então olhe quem ou o que você for fotografar com os olhos do coração.

MJ: Como funciona sua relação com colegas de trabalho e clientes? Já percebeu alguma discriminação ou desconfiança sobre sua capacidade profissional?

Valdir: Em relação as pessoas com quem convivo ou faço minhas exposições e palestras é uma relação de aprendizado para ambos, tanto aprendo como ensino. Mesmo as pessoas não falando consigo captar muitas vezes uma energia de desconfiança, mas isto é compreensível e devemos desfazer estas desconfianças através de um bom trabalho. Carrego comigo sempre um pensamento “Se Cristo não conseguiu contentar e mostrar sua verdade a todos, porque eu deveria fazer o contrário?”, respeito sim a todos os pensamentos e críticas, desde que sejam construtivas.

Aceitação e superação

Nosso entrevistado finaliza com a seguinte mensagem:

Quando sofri meu acidente e me deparei com a minha deficiência percebi que não tinha perdido nada, apenas a vida me deu uma nova forma de ver o mundo. A partir deste dia tomei uma decisão, a decisão de não ser mais um sangue suga na sociedade e sim me tornar uma pessoa produtiva e útil, provando que as barreiras existem nos nossos caminhos, mas cabe a cada um de nós derrubá-las. O termo “coitadinho” nunca fez parte da minha história, pois grandes batalhas só são dadas a grandes guerreiros! Estou no campo de batalha lutando para que outros tenham um caminho mais tranquilo daqui para frente.”

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Foto: Acervo/Valdir da Silva