Terrorismo à brasileira: hora de separar para reconstruir
Por: Marta Dueñas, jornalista
E-mail: marta.duenas@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Que me desculpe o competente Ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, pela corruptela com o recém lançado slogan usado na posse “união e reconstrução”, mas agora é hora de reconstruir, punir e separar o que é democracia do que é fascismo.
Após assistirmos, sem muita surpresa, cenas vergonhosas de terroristas, criminosos, fanáticos e lunáticos atacarem a democracia brasileira por meio da invasão do Planalto, do STF e do Congresso, não é possível tolerância ou união com quem apoia, apoiou ou fez vistas grossas a estas ações. Já faz tempo que há um calendário fascista em marcha no país e, apesar de muitos participantes parecerem lunáticos ou patéticos, não é assim que o governo federal deverá encará-los. Já é tempo de um basta a pastores, padres, empresários, militares, policiais, médicos, professores, deputados, vereadores, artistas e ex-presidentes que atacam a democracia, não reconhecem as eleições e constroem uma atmosfera golpista e de instabilidade no país. Agora, é preciso punir os que agiram diretamente ou não nos atos terroristas que entristecem a história do nosso país.
A sordidez das ações, a violência contra pessoas, animais e patrimônio público são impactantes. Mas o que mais me chamou atenção foi poder acompanhar muitas dessas práticas pelas redes sociais: certeza de impunidade ou perversão? O que move as ações terroristas no Brasil é o mesmo lastro da construção da direita ultra conservadora, uma mistura de alienação, perversidade, narcisismo e até revanche. Um desejo de chegar lá onde não chegarão, afinal, no fundo os medíocres sabem que são medíocres e por isso se travestem de símbolos grandiosos, forças imensas e armas mortais.
Não espero nada menos que o julgamento e a punição de toda a rede que articulou tamanha patuscada no domingo, seja ela do lado dos terroristas ou ainda dentro do governo. Não há dúvida que eles ainda estão aí, nas estruturas públicas, nos lugares de comando e poder. É preciso cortá-los. É preciso tirá-los imediatamente da frente progressista construída para erguer o Brasil. Não é lógico que se apoiem na democracia pessoas que fazem atos em defesa da ditadura. Então é preciso punir, também, governadores, deputados e chefes de segurança que permitiram que as invasões ocorressem dando a elas o nome de manifestações. Não foram manifestações, foram atos violentos, foram atos terroristas. Não pode se amparar na democracia quem não a aceita como ambiente político. Não merece anistia quem bate continência em frente a quartel e roga por intervenção militar, tortura e pena de morte. Se bandido bom é bandido morto, é hora de atender ao clamor dessa massa e matar os ovos de serpente do fascismo pelas vias que a democracia e a legalidade têm. Que se faça cumprir.
Desde a noite de sábado que antecede o dia dos ataques, já se sabia que dezenas de ônibus estavam a caminho de Brasília. Nas redes sociais, haviam mensagens convocatórias para as ações de domingo. Uma reportagem da Agência Pública deflagrou parte dessa organização. É evidente que foi tudo orquestrado e financiado.
A saída dos golpistas das portas de quartéis, tratados inclusive pelo Ministro da Defesa, José Múcio, como a dissipação e perda de força do movimento, era na verdade o início de um novo foco: tomada do Palácio, interrupção de serviços estruturais. Qualquer área de inteligência ou segurança nacional teria percebido estes sinais e agido na contenção de atentados. A Polícia Militar do Distrito Federal sabia da chegada dos terroristas. Não é possível surgirem do nada cerca de 4 mil pessoas, vindas de diversos estados por via terrestre, sem que se perceba um movimento. Tampouco é fácil entender como todas as pessoas conseguiram passar pelas barreiras de acesso a pedestres colocadas no Palácio, por exemplo. As novas táticas de apoiadores da extrema direita estavam circulando em grupos de comunicação e redes sociais. Portanto, houve anuência aos ataques. E, novamente, pelas redes sociais, é possível assistir vídeos que provam isso.
Erra o Ministro da Defesa não só ao passar panos quentes nas cenas insólitas em frente aos quartéis como também ao trazer para o cotidiano simplista quando admite que até mesmo ele tem amigos e familiares participando destes atos. Errará Lula ao manter Múcio no cargo. A hora de estourar o cativeiro golpista infiltrado no governo é já. Pente fino na caserna, Presidente!
O Ministro Flávio Dino tem um trabalho hercúleo pela frente e, ao que tudo indica, saiu atrasado nessa corrida. Estamos colecionando ataques e atentados desde o dia das eleições e até na diplomação do presidente Lula. As redes sociais denunciam cotidianamente agendas golpistas, perfis que violam direitos humanos e a democracia. A imobilidade do governo federal não me parece falta de competência, mas sim falta de aderência e, depois do ocorrido, se torna inadmissível manter no governo qualquer pessoa que tenha apoiado formalmente ou por meio de redes sociais o ex-presidente Bolsonaro.
É uma irresponsabilidade ter, mesmo que por uma semana, entre os quadros públicos pessoas como Anderson Torres, Secretário de Segurança do Distrito Federal, já exonerado. Ele não poderia ter ficado neste cargo sequer um dia após ter sido Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro. Não é possível desculpar o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). E é recomendado dar um aviso aos partidos aliados, como o MDB, através de uma ação enérgica frente ao ocorrido. Pois sem diminuir o envolvimento e ou a incompetência de ambos no exercício de suas funções, é preciso avaliar o quanto não deram o passo em nome do projeto que representam, como bois de piranha.
Para além do Distrito Federal, temos uma atmosfera antidemocrática no tecido social e em diversas instâncias públicas país afora. Sem um corte cirúrgico nessas fatias, não acredito em reconstrução do Brasil.
O Governo Lula III terá que extirpar vendilhões, lesas pátrias, fascistas, golpistas e marginais que se alimentam de cargos e funções públicas. Ouso ir além: evitar, de maneira legitima e republicana, que empresas financiadoras de terrorismo e ações golpistas possam participar de concorrências públicas, editais ou qualquer modo de financiamento estatal. Beneficiá-los, apoiá-los ou mantê-los é como alimentar uma bactéria que come nosso próprio corpo. Esses grupos que não aceitam o governo, que atentam contra a república, não podem receber das esferas públicas um tostão!
Se não podemos esquecer da história para não a repetir, não podemos esquecer os que deram golpe na Presidente Dilma. Não podemos perder de vista a pluralidade da base aliada do Governo Lula e a capilaridade que tem no dito Brasil profundo.
Não estamos vivendo polarização política. Estamos vivendo um conflito entre democracia e fascismo. Não há o que escolher. É preciso estar ao lado da democracia e reforçá-la. Quem não estiver nesse movimento está do outro, e é disso que se trata.