Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha 

daniele.haller@mulheresjornalistas.com 

Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista 

Pandemia impulsiona o consumo de medicamentos de tarja preta e sustenta um mercado de dependência, que tem sido gerado pela comercialização ilegal de produtos sem receita, mesmo quando a prescrição médica é obrigatória.

A situação atual em que o mundo vive fez com que muitas pessoas procurassem métodos mais rápidos e eficazes para solucionar seus problemas como ansiedade e depressão. Com o objetivo de “curar” imediatamente os sintomas, muitos encontram na automedicação um alívio, mas esquecem do principal; buscar um atendimento adequado que possa tratar o causador principal de seus problemas e um acompanhamento profissional.

Uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farmácias mostra que houve um aumento de 17% no consumo de medicamentos controlados no ano de 2020, em uma comparação com 2019. A pesquisa também mostra o aumento desse consumo por região do País, ligando o fato a questões socioeconômicas locais, como o desemprego, o colapso no setor de saúde, além das questões que, por si só, geram uma pressão psicológica, como o isolamento social e quarentena.

Ao buscar no Google a palavra “remédio”, a sugestão “remédios para ansiedade” é a segunda opção na barra de resultados, comprovando o aumento no interesse da população em busca de saber mais sobre esses medicamentos, um meio prático de se informar, no entanto, tal hábito pode gerar consequências perigosas. Pesquisar sintomas de doenças e formas de tratamento no Google se tornou uma prática comum na vida das pessoas, o que não seria de todo um mal, se a maioria não tomasse a decisão de se automedicar apenas através das instruções que encontrou na internet. Segundo o Conselho Federal de Medicina, 77% dos brasileiros utilizam medicamentos sem orientação médica, hábito que aumentou durante a pandemia, não apenas com o uso de antidepressivos, mas também no consumo de medicamentos que dizem prevenir contra a Covid-19, procura influenciada por notícias falsas que não comprovam a eficácia desses medicamentos contra o vírus.

(Crédito imagem: Conselho Federal de Farmácia)

Medicamentos de tarja preta devem ser vendidos apenas sob a apresentação de uma receita médica, então, como esses remédios chegam às mãos dos consumidores que não estão tendo acompanhamento médico? Por trás disso existe uma resposta: a máfia das farmácias que vendem medicamentos sem receita. No final de abril de 2020, o Ministério Público deflagrou a operação Tarja Preta, que busca alcançar inúmeras farmácias que foram denunciadas pela venda inapropriada de remédios sem receitas, como entorpecentes e psicotrópicos, e sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A operação também busca apreender suspeitos de furtos de medicamentos em farmácias para venda ilegal. De acordo com a ANVISA, a venda de medicamentos de uso controlado sem receita médica é considerada crime e a pena pode variar entre 5 e 15 anos de prisão.

De acordo com comunicado emitido pela ANVISA, o uso irracional de medicamentos é a principal causa de eventos adversos. Ainda no documento consta que a OMS estima que 50% dos medicamentos são prescritos ou vendidos de forma inadequada, o uso irracional de remédios é responsável por um dos maiores problemas de saúde em nível mundial.

Um fator preocupante nesse contexto é o uso de medicamentos de tarja preta para intoxicação com intenção de suicídio. Em pesquisa disponível no site do Data Sus, sobre Intoxicação Exógena, é possível visualizar os dados de intoxicação no Brasil. O ponto mais grave é que essas intoxicações foram provocadas com o objetivo de suicídio, de 23,794 casos, 72,53% foram tentativas de tirar a própria vida.

O Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Nádia Ahmad Faris, Psiquiatra pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae e Professora da Pós-graduação em Psiquiatria na Santa Casa de São Paulo. A médica esclareceu sobre os motivos do uso excessivo desses medicamentos na atualidade, assim como as consequências e tratamento adequado em casos de ansiedade e depressão.

Nádia Ahmad Faris- Médica psiquiatra

MJ- O consumo de medicamentos para ansiedade e depressão aumentou durante a pandemia, isso mostra uma possível consequência da crise Covid-19 no psicológico da população?

Nádia Faris- A pandemia, o isolamento social, o desnudamento da nossa sensação de desamparo e incerteza, incrementaram a busca por atendimentos psiquiátricos e de terapia, que podem sim estar associados a um aumento das prescrições de psicotrópicos.

MJ- Muitas pessoas se arriscam e consomem esses medicamentos sem uma prescrição médica, quais as possíveis consequências?

Nádia Faris- É muito comum escutar no consultório, histórias de compartilhamento de psicotrópicos entre familiares e amigos aliados a automedicação sem acompanhamento e orientação médica, gerando experiências de uso de medicações de tipo, dose e até marcas inadequadas para o caso. Além de experiências com efeitos adversos que criam uma experiência negativa em torno dos psicotrópicos.

MJ- Estas pessoas podem se tornar viciadas em determinados medicamentos?

Nádia Faris- Com certeza e sem perceber, já que não são somente medicações com tarja preta que tem esse potencial. Portanto, converse sempre com seu psiquiatra antes de iniciar qualquer medicação.

MJ- Quais são os medicamentos que as pessoas que sofrem ansiedade e/ou depressão costumam consumir de forma indevida?

Nádia Faris- Segundo as estatísticas, os benzodiazepínicos(conhecidos como tarja preta) vem se destacando com seu efeito rápido e baixo custo vem tendo seu uso banalizado. Importante sublinhar que ao iniciarmos essas medicações, é importante orientar os benefícios e também risco de tolerância, persistência do uso, abstinência.

MJ- Quais são os procedimentos corretos que uma pessoa deve seguir no caso que ela acredite que precisa de medicamentos para dormir ou diminuir a ansiedade?

Nádia Faris- Consultar com um médico-psiquiatra, essa consulta pode ser realizada de forma presencial, por telemedicina, pela busca de pronto-socorro 24h com psiquiatra ou até com consultas psiquiátricas domiciliares.

MJ- O que nunca deve ser feito no caso de um surto de ansiedade ou depressão? Com relação aos medicamentos.

Nádia Faris- Nunca tome medicações sem orientação psiquiátrica, tenha consigo um psiquiatra disponível e que possa te acolher e te orientar sobre opções e dosagens de medicações se crise. Você não precisa passar por isso sozinha, busque ajuda!

É comum que, diante da situação atual, inúmeras pessoas se sintam mais pressionadas e não saibam lidar com um momento absolutamente atípico em que a sociedade vive. Momentos como esses são propícios para desenvolver crises de ansiedade e depressão, e isso é um problema que tem acometido muitas pessoas. Na incerteza de como tratar um suposto problema, a melhor solução é buscar o atendimento de um profissional que possa indicar o tratamento e medicamentos adequados, quando necessário. Durante a pandemia, vários projetos nasceram com a intenção de auxiliar aqueles que buscam ajuda psicológica durante a quarentena e isolamento, iniciativa de profissionais voluntários. Em caso de sintomas, evite a automedicação e busque ajuda, esse é o melhor remédio.

O projeto Psicologia Solidária tem profissionais voluntários em todo o Brasil. Está precisando de ajuda? Acesse o site: https://psicologiasolidaria.online.