Por Marta Dueñas, Jornalista 

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A cavaleiro que salva o mundo ainda é o jogo do tabuleiro mundial 

Guerra Fria, tirania e vilanismo, Rússia. Kremlin, URSS, comunismo. “Minha bandeira jamais será vermelha”. Certamente, algum almoço de família aqui no Brasil terá doses extras de tempero no final de semana de carnaval e folia. Enquanto escutamos por aqui, algumas festas privadas furam as orientações sanitárias; no mundo se desenha, sobre linhas pontilhadas, um confronto geopolítico em que algum mocinho salvará a terra das garras de algum bandido. O problema dessa historia, velha conhecida, é que a pior parte fica com o povo: morte, perdas, empobrecimento, êxodo, sofrimento, violência, apropriação. O jogo do bem contra o mal, como alguns estadistas gostam de chamar a guerra, sempre aniquila os bons. Sempre. 

Então, em pleno carnaval, acompanhamos cenas comoventes de uma guerra em curso. A Rússia atacou a Ucrânia, afrontando direitos civis, sob o olhar atento e bélico dos Estados Unidos da América. O tabuleiro está montado e as fichas desenham a posição do bandido e a do mocinho. A covardia do tanque de guerra russo passando por cima de um carro civil é avassaladora. Indefensável. A Rússia não é defensável neste momento, porém os EUA tampouco são os mocinhos. A complexidade está nesse cenário cuja narrativa recebe novas tintas mas está alicerçada, ainda, na balança da guerra fria: a ameaça ao poder hegemônico dos EUA e aliados. Os poderes disputados em conflitos internacionais ainda são coloniais: rotas oceânicas, bens naturais e tecnologia. De um jeito ou de outro, os homens ainda matam por fogo, sal e especiarias. 

A origem do conflito não é simples, mas a cronologia atual da conta do estopim entre Estados Unidos e Moscou quando o primeiro acusa a Rússia de um ataque eminente e, por isso, envia mais de 8 mil soldados para a Europa. Já o governo de Putin, que inicialmente negou a possibilidade de um ataque, acusa Washington de tentar levar a Rússia à guerra contra a Ucrânia. Enquanto se esquiva das acusações, o governo russo já havia movimentado cerca de 100 mil soldados para a fronteira com a Ucrânia. 

O que quer Vladimir Putin? Que a Ucrânia não faça parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança defensiva de 30 países liderada pelos EUA). A adesão da Ucrânia pode significar uma fragilidade na segurança da Rússia. 

Por que os Estados Unidos assumiram papel de fiel da balança no conflito? Pode parecer que o governo norte americano tenha tomado a si o papel de garantizador da democracia e da paz mundial. A história é contada reforçando essa mentira secular. A intervenção dos EUA numa guerra é, na maior parte das vezes, decisiva para quem está em disputa. Além do poderio bélico, os justiceiros não abrem mão de arquitetar pacotes de maldades (sanções e censuras) que comprometem a economia de países que os desafiam. Ninguém gosta de brigar com o dono da bola. 

Inegavelmente, o tirano Vladimir Putin esboçava um possível conflito que era alarmado pelos EUA, mas o mediador não é apenas um observador da cena. Uma guerra agora, desconsiderando qualquer fator humanitário, é capaz de reacender mercados, reforçar politicamente nomes e homens. É um concurso de beleza da política internacional que, para além de ego e narcisismo, se move por dinheiro, tecnologia e recursos naturais. O controle da Ucrânia nas mãos da Rússia ou da Otan podem resultar em vantagens ou problemas para abastecimento de gás em toda Europa. Além disso, uma guerra com perda ou vitória reacende a ideia de nação e fortalece a imagem política de líderes desgastados. 

Enquanto dois poderosos grupos definem a cerca da soberania de um terceiro, a sociedade civil está sendo massacrada. Há registros de muita violência, fuga, êxodo e os doloridos processos de migração a outros territórios. Mocinhos e bandidos não terão final feliz, mas a nação do presidente Biden vai tentar emplacar, de novo, como herói internacional. Putin é mais um político homem, patriarcal, perverso. Tem toques de tirania. Gosta de caçar animais e divulga imagens que tratam de dar a ele um ar másculo e viril. 

Uma guerra começa, termina e é muito mais do que a morte, a violência. Há uma dança cruel de ameaças, provocações, sanções econômicas típicas da sala de espera do conflito. Longe de ser um santinho, Putin havia assinalado seu desconforto com a possibilidade da ampliação da Otan sobre determinados territórios. E no jogo parecia estar caindo na provocação estadunidense: Biden segurando a briga com uma mão e empurrando com outra. Em meio à movimentação polarizada de forças, a vassoura aparece no salão: Bolsonaro visita o líder russo sem uma agenda efetiva. Para além de um recado de inabilidade política, Bolsonaro confirma sua admiração a Putin e sua política conservadora e retrógrada. 

O que quero dizer com isso não é que sou a favor do Putin e contra os yankees. Apenas gosto de observar a história com maior número de elementos possíveis. Gosto de escutar, ler, tentar entender sem simplificar. Especialmente quando um dos personagens é a grande (e blindada) pátria fiadora da democracia no mundo. Você não precisa odiar um ou outro. Amplie o seu olhar e procure entender que os EUA invadem, intervêm e desrespeitam a soberania de diversos países. Descumprem acordos internacionais. Mas não lhe é imposto um júri mundial como os próprios sentenciam às demais nações. Hoje é a Russia. Amanhã poderá ser o Brasil, ainda mais com um líder político controverso que não para de causar transtornos políticos e internacionais. 

A menos que você seja especialista em relações internacionais, não se sinta obrigado a tomar uma posição, defender um mocinho ou esbravejar contra os russos. Logicamente, refletir e debater o assunto é fundamental. Tenha em mente que os EUA e aliados não se posicionam com tanta energia quando o tema é invasão e conflitos em território onde os ativos econômicos não sejam tão importantes. Talvez a humanidade e a democracia não sejam os tesouros que tentam proteger.