Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT)
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Surgimento e conscientização

Vamos compreender um pouco melhor a importância dessa campanha que surgiu em 1994, nos Estados Unidos, na cidade de Westminster (Colorado), por Dale Emme e Darlene Emme, pais de Mike Emme, um jovem que cometeu suicídio aos 17 anos. Dizem que Mike era conhecido por sua personalidade caridosa e por ter habilidade com a mecânica de carros.

Mike restaurou um Mustang 68 e o pintou de amarelo. Segundo seus amigos, ele adorava aquele carro e dedicava muito tempo em cuidá-lo, por isso, ficou conhecido como “Mustang Mike”. No dia de sua morte, Mike escreveu um recado a seus pais pedindo para que eles não se culpassem pelo que ele havia feito, e quando encontraram o bilhete, lamentavelmente, Mike já havia perdido a vida, dentro de seu adorado carro. Após sua morte, descobriu-se que ele apresentava sinais de depressão e não soube lidar com o término de um namoro. 

No dia do funeral, o casal Emme fez uma cesta de cartões com fitas amarelas para todos que estavam presentes, e neles estava escrito “Se você precisar, peça ajuda”. Os cartões foram distribuídos pelos Estados Unidos e, em semanas, os pais de Mike começaram a receber muitas ligações com pedidos de ajuda. Não demorou para essa ação ter repercussão nacional e, consequentemente, mundial. A cor amarela aderida pela campanha faz homenagem ao jovem Mike, do Mustang 68, amarelo. A fita amarela foi escolhida como símbolo do programa que incentiva todos aqueles que têm pensamentos suicidas a buscarem ajuda. 

Nove anos depois da morte de Mike, em 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou o dia 10 de setembro como sendo o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, com a finalidade de prevenir o ato suicida. Desde o ano de 2014, no Brasil, fala-se sobre a campanha do Setembro Amarelo, que foi lançada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e, desde 2015, oficializou-se a campanha com o apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização à Vida (CVV), que realizaram as primeiras atividades no Brasil. 

A campanha tem promovido diversas atividades, em todo o mundo, para falar sobre a importância de saber dialogar e ajudar pessoas que lidam com o comportamento e pensamento suicida, desconstruindo tabus e destruindo resistências em ajudar quem precisa.

A cada 40 segundos (sim, somente 40 segundos, menos de um minuto), uma pessoa comete suicídio no mundo. O suicídio, de acordo com a OMS, é a segunda principal causa de morte entre as pessoas com idade entre 15 a 29 anos, e 79% ocorrem em países de baixa e média renda. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, as mulheres tentam mais suicídio que os homens; e segundo o CVV, cerca de 32 brasileiros morrem por dia, vítimas de atos suicidas. A Organização Mundial de Saúde diz que 90% dos suicídios podem ser prevenidos.     

Considerando os números e as condições de cada país e ambiente, percebemos, notoriamente, que o suicídio se tornou uma questão de saúde pública e que todos devemos assumir uma responsabilidade a respeito do assunto, principalmente diante das consequências que a covid-19 nos trouxe, pois aumentou o número de pessoas acometidas por depressão, ansiedade e outros tipos de transtornos psicológicos. Qualquer pessoa pode entrar em um quadro suicida. Por isso, é muito importante salientar que o diálogo a respeito do tema é fundamental para a prevenção dele, assim como para cultivar melhores condições em Saúde Mental. 

Ainda sobre dados, encontrei na última semana, no blog da CVV (https://www.cvv.org.br/blog/prevencao-para-todos/), um texto falando sobre o suicídio na população indígena, que diz assim: 

Segundo o Epidemiológico do Ministério da Saúde (Volume 48 N° 30 – 2017), entre 2011 e 2016, o suicídio na população indígena adolescente (10 a 19 anos) teve índice oito vezes maior que o observado entre brancos e negros (5,7% em cada) nessa mesma faixa etária. De modo geral, a taxa de mortalidade foi de 15 por cem mil habitantes, quando a média é 5 suicídios por cem mil.

O suicídio na população indígena é maior que na população geral. Os povos indígenas sofrem com diversos tipos de problemas sociais e físicos, por tudo que vêm passando durante os anos. Eles possuem um altíssimo índice de alcoolismo, o que evidencia muitos transtornos psicológicos e sociais que resultam nesse alto percentual de suicídios. 

O suicídio é multifatorial, e o que isso quer dizer? Significa que não existe um único motivo ou uma situação que seja definitiva para a realização do ato. Ele ocorre por uma junção de fatores que, na maioria das vezes, não são identificados por familiares e pessoas próximas. As pessoas não costumam expor, conversar, e acabam absorvendo tudo e causando uma sequência de somas, que os impede de conservar a qualidade de vida, levando-as ao suicídio. 

Cito aqui alguns fatores conhecidos que levam a pessoa ao ato suicida:

  • Depressão ou outros transtornos psicológicos;
  • Perda de pessoas queridas, seja por fim de relacionamento ou morte;
  • Perda de bens materiais ou condição social;
  • Trauma emocional;
  • Histórico familiar de suicídio;
  • Abusos (físico ou psicológico, em qualquer idade);
  • Não aceitação do envelhecimento;
  • Não aceitação da orientação sexual ou identidade de gênero;
  • Bullying;
  • Dependência de drogas, incluindo álcool e fármacos;
  • Campanhas virtuais que induzem ao suicídio.

Vale ressaltar que existe um perfil de pessoas que pensam em suicídio, que não possuem um estereótipo de desvalimento, depressão, tristeza ou angústia. A maioria delas exibe uma vida aparentemente “normal”. Trabalham, estudam, possuem relacionamentos amorosos e sociais, são produtivos e sorriem. A sintomatologia do suicídio pode ser sutil, com muitas camuflagens, por isso a campanha salienta tanto o pedido de ajuda.

Por outro lado, ainda existe um problema social sério, que banaliza alguns pedidos de ajuda, fazendo com que as pessoas que precisam ser ajudadas se isolem, se esquivem e entrem em processos de introspecção, aumentando suas pulsões suicidas. O social acaba se tornando um fator quase letal, infelizmente. 

Geralmente, não é aconselhado que o entorno da pessoa ignore certos comportamentos e pensamentos que são expostos, tampouco acusar e confrontar pode gerar pânico e vergonha na pessoa. Dizer que “vai ficar tudo bem”, com o intuito de diminuir a dor da pessoa, pode ser prejudicial, caso não haja um contexto provedor de soluções. Abandonar a pessoa, dar falsas soluções, ignorar crises são também situações que intensificam os impulsos que geram pensamentos e condutas suicidas. O certo é fazer com que a pessoa não sinta que o problema dela é algo trivial ou insignificante; é fazer com que ela entenda que pode ser resolvido, tratado.

Precisamos seguir conversando sobre os assuntos que envolvem o complexo do suicídio, pois é assim que vamos aprender a combatê-lo, ajudando as pessoas que estão ao nosso lado, na família, no trabalho, na escola, nas redes sociais (presenciais e virtuais), pessoas próximas e distantes. Se o suicídio seguir sendo um tabu, teremos um longo caminho de perdas. Vamos prevenir e nos conscientizar, para prover um futuro melhor à nossa sociedade.

Para ajudar pessoas com comportamento e pensamento suicida, podemos: 

  • Ser empáticos;
  • Não julgar!;
  • Buscar ajuda profissional;
  • Ouvir e acionar ajuda com outras pessoas;
  • Prestar apoio e acolhimento, com afeto;
  • Considerar a situação e verificar o grau de risco, logo, buscar suporte de contenção;
  • Conversar com a família e amigos, imediatamente;
  • Permanecer ao lado da pessoa que tenha o transtorno;
  • Perguntar sobre pensamentos e/ou tentativas anteriores;
  • Remover os meios para o suicídio em casos de grande risco;
  • Demonstrar cuidado e atenção;
  • Conversar sempre com a pessoa.

A sociedade pode prover recursos de amparo e cuidado para pessoas que sofrem com as questões relacionadas ao suicídio, por isso, é também importante saber quais são os dispositivos que geram apoio. Compartilho os recursos mais usados, nessas demandas, que são: Urgências Médicas, Urgências Psiquiátricas, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Profissionais de Saúde (psicólogos, psicanalistas, enfermeiros, médicos, terapeutas ocupacionais etc.), Centros de Apoio Emocional (CVV – número de emergência 188), além desses, grupo familiar e de amigos.

Finalizo com a sensação de incompletude, pois ainda há tanto para falar sobre as questões que envolvem o suicídio, contudo, sigo fazendo o que posso para enfatizar a importância da campanha do Setembro Amarelo em todo o mundo, com lives, palestras, fotos, cores e debates dinâmicos sobre o tema. E vamos falar mais sobre o tema este mês.

“Não é a vontade de morrer que nos faz pensar em suicídio. Mas, sim, a vontade de viver sem saber como.” Essa frase faz muito eco na campanha de Prevenção ao Suicídio, vale a pena refletir!