Sem lenço e sem documento: Quem usa tanta tecnologia?
Por Regina Fiore, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
O novo iPhone no marketplace da Apple na Amazon me enche de alegria e preguiça
Estamos cada vez mais com a impressão de que, realmente, o fim da humanidade é um fato. Não sabemos como, não sabemos exatamente quando, mas sentimos que o momento se aproxima. Não faço coro com a Baby Consuelo que diz que o apocalipse chega em 10 anos. Dificilmente, as trombetas tocarão anunciando os quatro cavaleiros. Mas também não vou na onda da Veveta: estamos sendo macetados pelo presságio do fim muito antes de o hit ter sido lançado.
Digamos que demore mais uma ou duas centenas de anos para a humanidade ser considerada uma espécie extinta. Como estaremos até lá? O raio-x de hoje: Brasil, país com população de (aproximadamente) 210 milhões de pessoas, sendo que 32 milhões delas têm mais de 60 anos. Segundo país do mundo, dos 37 analisados, com maior população “nem-nem” (jovens que não trabalham e não estudam) – o que equivale a 6 milhões de pessoas.
Mundo: até 2050, teremos mais de 2 bilhões de pessoas com mais de 60 anos compondo a população mundial. A taxa de fecundidade mundial (que mede quantos filhos as mulheres têm, em média) está por volta dos 2,4 filhos (é uma média, nenhuma mulher tem 0,4 criança). No Brasil, ela é de 1,8. Os lugares com maior taxa de fecundidade do mundo são países em situação de extrema pobreza, desigualdade e violência, como Somália, Níger e Afeganistão.
O relatório Fardo Global das Doenças 2017, publicado na revista científica Lancet, mostrou que, seguindo nesse ritmo, o volume de filhos por família é insuficiente para manter o tamanho da população em alguns locais, principalmente os países mais desenvolvidos, onde as mulheres já têm mais autonomia sobre questões reprodutivas e planejamento familiar. Ou seja, em breve teremos uma população envelhecida nas principais economias do mundo.
São também nas principais economias do mundo onde nascem e se popularizam as grandes inovações. Atualmente, a maioria massacrante delas está atrelada ao uso da tecnologia. Não só ao uso, mas ao letramento digital. Saber usar as ferramentas mais avançadas oferecidas pela tecnologia é fundamental para transitar na sociedade.
Para a parcela da população que tem acompanhado o ritmo de desenvolvimento tecnológico, as ferramentas nasceram para facilitar. Porém o ritmo de aprendizado humano é bem inferior ao ritmo de inovação e uso de novas ferramentas que têm surgido. Se compararmos com carros em uma corrida, aproveitando que a franquia “Velozes e Furiosos” está no décimo filme, é como se o carro pilotado pela tecnologia chegasse de zero a 100km/h em 3 segundos, enquanto o carro pilotado pelo desenvolvimento humano demorasse 10.
Ou seja, o envelhecimento natural não é capaz de acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias, estamos em ritmos diferentes – de aprendizado, de assimilação, de uso e de disponibilidade. Por isso, as crianças parecem dominar muito mais as novas tecnologias do que os adultos experientes, alfabetizados e com destreza acumulada durante o crescimento. Por isso sua mãe te pergunta como recuperar a senha do Facebook e sua avó te chama na casa dela para conectar a Netflix.
Não é falta de vontade, não é falta de atenção, nem mesmo falta de informação (com certeza você já ensinou mais de uma vez o que fazer). É o ritmo natural de aprendizado e cognição de qualquer pessoa. Não sei se já deu pra notar, mas teremos um problema gigantesco de entrosamento nessa dança: a população que tem mais acesso às inovações será aquela que não sabe usá-las.
De um lado, teremos plataformas e ferramentas conectadas e inteligentes, capazes de organizar e fazer funcionar nosso dia a dia com apenas alguns comandos. De outro, teremos uma população envelhecida que ainda não teve tempo de assimilar tais comandos – e, quando assimilar, já estará ultrapassada. Adicione a isso o aumento da expectativa de vida mundial, que vai chegar aos 83 anos em breve.
Muita gente velha com dificuldade de fazer o pedido para a geladeira inteligente, já conectada ao supermercado – e sem os netos para dar aquela força. Aprender a usar novas ferramentas é estressante. Existem tantas possibilidades, tantas interferências, tantas senhas e códigos, tantas plataformas de streaming que é quase impossível aproveitá-las. Fico pensando no grupo de pessoas que tiveram essas ideias: olharam para um problema, encontraram uma solução 100% baseada em tecnologia e acabaram criando novos problemas. Assim caminha a humanidade.
De forma alguma eu sou contra as inovações tecnológicas. Na verdade, sou super entusiasta do que facilita meu dia a dia – e ainda não cheguei ao ponto de dizer “na minha época as coisas eram melhores”, até porque não eram mesmo. Só não consigo ver, no horizonte de luzes led neon, uma forma de realmente evitar que a preguiça que a tecnologia nos leva a ter acabe nos levando a criar soluções preguiçosas, usando a própria tecnologia. Ou pior, soluções excludentes.
Digamos que a tecnologia seja excludente para as pessoas mais pobres. Quem inventou pode pensar “não importa, os ricos compram”. Digamos que seja excludente com pobres e negros: “não importa, os ricos e brancos compram”. Digamos que seja excludente com pobres, negros e mulheres: “não importa, os homens ricos e brancos compram”. Enquanto isso, bilhões de dólares estão sendo aplicados em pesquisas para prolongar a vida das pessoas – especialmente homens ricos e brancos – e o plano está funcionando.
A tecnologia excludente para os velhos vai acabar no purgatório do uso. Afinal, para quem não morre jovem, a única opção é envelhecer (apesar do botox, dos preenchimentos, da lipoled, do silicone, do implante capilar, da câmera hiperbárica, da ozonioterapia, da água alcalina – envelhecer é fatal, literalmente). Homens ricos e brancos vão envelhecer, já estão envelhecendo – e a inovação vai ser vendida para quem se, como parte intrínseca da humanidade, eles também não chegam de zero a 100km/h em 3 segundos? Toda essa tecnologia, na qual estamos investindo tanto para desenvolver, divulgar e vender, vai acabar encostada na sala, ao lado do aparelho de Blu Ray – e a franquia “Velozes e Furiosos”.
A lenda urbana diz que, quando questionado sobre como seria a Terceira Guerra Mundial, Albert Einstein teria respondido: “Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas posso dizer como será a Quarta: com paus e pedras”. Bombas de hidrogênio, compostas por outros gases tóxicos de Marte e operadas por IA, que ninguém conseguiu aprender em tempo como habilitar para atingir o alvo. Melhor fazer tal qual o personagem “americano bobo” do último filme de terror: pegar um taco de beisebol e ir à luta, de luz apagada (“Alexa, lights on”. “Entendi. Iniciando a transmissão do filme Quando as luzes se apagam”).
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