Por Sara Café, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

A violência contra a mulher coloca o Brasil em 5º lugar no ranking mundial das nações onde mais ocorrem feminicídios. Na maioria das vezes, a vítima dorme com o inimigo. O agressor, quase sempre, é pessoa próxima, especialmente cônjuge ou ex-cônjuge. Apenas 10% dos agressores são pessoas estranhas à família. 

“Os agressores têm um ‘feeling’, uma sensibilidade para perceber a mulher que tem uma fragilidade maior emocional, e a entrada e permanência na relação tem a ver com isso”, diz a psicóloga Maura Secco, coordenadora do Centro de Referência à Mulher Casa Eliane de Grammont, em São Paulo (SP). 

A psicóloga destaca que também existem certos perfis de agressor, que se repetem em vários casos. O primeiro é o homem que é agressivo em várias esferas da sua vida e não apenas dentro de casa. “É aquela pessoa que briga no trabalho, arruma encrenca com todo mundo, no boteco bate e ameaça outras pessoas, já agrediu a mãe, a ex-mulher.”

O outro perfil é aquele que, segundo ela, é mais difícil de ser identificado pelas pessoas de fora da relação. “É aquela pessoa que é o homem perfeito fora de casa. É educado e gentil com todo mundo. E há uma grande dificuldade de a mulher pedir ajuda. Quando ela finalmente consegue falar pra alguém, é desencorajada. Ouve: ‘ah, mas casamento é assim mesmo, espera um pouco que melhora”, diz.

É justamente nesses casos acima que muitas mulheres entram em relacionamentos com abusadores que já tiveram essa atitude no passado, mas confiam que isso não vai acontecer com elas. Devido a fatores emocionais, muitas delas acham que não vão encontrar uma pessoa melhor para se relacionar e acabam aceitando muitas violências. 

“Muitas mulheres vivem com fortes sentimentos de abandono, desestrutura familiar, medo e culpa que as fazem permanecer ou a retornar a um relacionamento. Elas crescem achando que isso é natural, sinônimo de amor, ou muitas vezes são agredidas fisicamente pelos pais e acabam aceitando uma relação abusiva e violenta”, aponta a psicóloga.

Arte Pioneiro | Imagem: Agência RBS

É possível mudar atitudes violentas?

Laura* (nome alterado para preservar a identidade da vítima) teve um relacionamento de 8 anos, não abandonou o namorado, nem mesmo quando ele estava preso, foi abusada sexual e psicologicamente e teve sua conta bancária controlada e a vida anulada. Assim como muitas e muitos, ela achou que poderia salvar o companheiro e não percebeu que era ela quem precisava ser salva.

“Eu percebi que esse é o meu perfil, de querer ser a salvadora. Você pega alguém absurdamente bagunçado, eu já sabia que ele era abusador em relacionamentos dele do passado, mas mesmo assim eu acreditei nele, eu tinha certeza que comigo seria diferente. Aí pensei ‘eu vou dar amor, vou dar tudo e essa pessoa vai se tornar uma pessoa melhor’, quando nem a pessoa quer se tornar melhor”, disse. 

Lundy Bancroft, que trabalhou com abusadores durante toda a sua vida e escreveu livros sobre o assunto, diz que os abusadores podem mudar, mas é muito raro. “Com terapia intensiva, cerca de 7% dos abusadores aprendem a não abusar. Sem terapia intensiva, as chances são quase zero.”

Segundo a autora, o abuso vem de uma crença sincera, genuína e firme de que controlar seu parceiro é a coisa certa a fazer. Os abusadores se sentem com direito ao controle. Eles acreditam que é aceitável e correto que eles devam controlar sua vítima, e que é aceitável e correto usar a força ou coerção se a vítima resistir a esse controle.

Em um artigo publicado no site The Conversation, o professor e pesquisador Daniel G. Saunders, da Universidade de Michigan, fala que existem muitos fatores que podem contribuir para que uma mulher tolere a situação de violência doméstica ou familiar, dentre eles: a falta de recursos financeiros, o medo de que o parceiro cumpra as ameaças de morte ou suicídio e o isolamento da vítima que se vê sem uma rede de apoio adequada (família, trabalho e suporte dos serviços públicos). 

Para impedir que inúmeros casos de violência e feminicídio ainda aconteçam no Brasil, é preciso tomar as providências legais possíveis, com a responsabilização penal do agressor e as consequências que dela decorrem. Mas não somente isso. Para os especialistas, falta uma consciência social maior para enfrentar esses problemas.

O pesquisador sugere que se envolvam meninos e homens no combate à violência doméstica, educando-os sobre o assunto e incentivando um comportamento mais cuidadoso e respeitoso para com as mulheres. 

Prevenção

Uma ideia diferente, surgida nos Estados Unidos na década de 1970, tem ganhado espaço: a busca pela recuperação do agressor. No Brasil existem diversas iniciativas esparsas que têm comprovado a eficácia da ideia.

No Ministério Público do Paraná, várias comarcas têm buscado criar um programa de recuperação de homens agressores, com sucesso nas experiências empreendidas. Conforme explica a promotora de Justiça Elaine Lopo Rodrigues, uma das responsáveis pelo projeto na comarca, em Cianorte, por exemplo, os autores da violência doméstica e familiar são encaminhados para o Grupo de Orientação e Sensibilização aos Autores da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 

“Esse grupo iniciou suas atividades em setembro de 2016 e os autores da violência doméstica e familiar, desde então, são encaminhados por meio de medida judicial, sendo obrigatória a sua participação. No total, desde o início do projeto foram realizados 24 grupos com a participação de 598 homens, ocorrendo apenas quatro casos de reincidência”, explica. 

Com tratamento psicológico e orientações de profissionais, o motorista Flávio* (nome alterado) bateu na ex-mulher e foi preso, conseguindo superar a conduta machista e agressiva que, até então, não admitia ter. “Tem muito homem que ainda pensa que a mulher é propriedade dele. Aí briga, xinga, bate, rebaixa e faz o que quer. Isso tem que mudar”, afirma.

Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR) | Imagem: Nonato Sousa

A transformação, na mentalidade do motorista, veio por intermédio da Assistência da Prevenção Orientada à Violência Doméstica (conhecida por Provid) da Polícia Militar do Distrito Federal. Criado em 2014, a partir da filosofia de polícia comunitária, que se insere em núcleos familiares ajudando a prevenir, inibir e interromper o ciclo de violência doméstica. 

A coordenadora geral do programa, tenente Adriana Vilela, reitera que a corporação está atenta a essa responsabilidade. “Nós realizamos ações em diferentes eixos, mas a maior parte delas é para evitar que crimes aconteçam. Fazemos palestras para ensinar o que é violência doméstica e o que é a vulnerabilidade das mulheres, realizamos visitas e mostramos para as famílias como combater as agressões por meio do diálogo e de forma não violenta”.  

A modificação de atitudes para uma possível reintegração social e familiar é um dos objetivos do Centro Reflexivo Reconstruir, da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), ao disponibilizar à população roraimense um importante serviço de auxílio psicológico, jurídico e social aos agressores e contribuir para o fim do ciclo de violência doméstica.

“Depois que o ciclo de violência está instalado, o processo criminal não é, muitas vezes, eficaz, sendo que a prisão do agressor pode até agravar o problema. Então, a atuação de psicólogos e assistentes sociais dos centros reflexivos é muito importante, pois auxiliam a não perpetuação da violência no contexto familiar”, analisou o defensor.

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