Por Adriana Buarque, jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista

Com o objetivo de promover capacitação e empregabilidade de mulheres migrantes que procuram oportunidades no Brasil, o projeto Empoderando Refugiadas é uma iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Pacto Global da ONU no Brasil e ONU Mulheres. Desde 2015, o serviço atende pessoas de várias nacionalidades como Síria, República Democrática do Congo, Colômbia, dentre outras.

A valorização da diversidade e da inclusão é o mote da iniciativa, com turmas dedicadas a mulheres com deficiências, cuidadoras de pessoas com deficiências, portadoras de doenças crônicas e necessidades especiais, além da inclusão de mulheres com mais de 50 anos e da população LGBTIQA+. A seguir leia a entrevista concedida ao IMJ:

IMJ: Qual a condição financeira e emocional das mulheres que procuram o “Empoderando Refugiadas”?

ACNUR: Mulheres refugiadas e migrantes costumam viver mais barreiras para a integração socioeconômica. Precisam lidar com preconceitos múltiplos (por questões de gênero, xenofobia, raça/cor), recebem salários menores e menos oportunidades de trabalho. Essas mulheres ainda acabam, muitas vezes, sendo as principais ou únicas responsáveis por crianças, pessoas idosas, pessoas com necessidades de cuidados específicas – tudo isso estando distantes da sua cultura e da sua rede de apoio. Neste contexto, é comum que as mulheres busquem o “Empoderando Refugiadas” em situação de fragilidade emocional e sem autonomia financeira.

IMJ: Que tipo de serviço elas costumam oferecer?

ACNUR: As mulheres refugiadas e migrantes possuem as mais diversas experiências e formações. Aquelas que buscam o Empoderando Refugiadas em geral já tiveram alguma experiência profissional em seus países de origem – mas o projeto acolhe também mulheres em busca do primeiro emprego. Temos participantes com perfis socioeducacionais muito diferentes: mulheres graduadas, mestres, outras que cursaram o equivalente aos ensinos médio e fundamental brasileiros. O programa é uma oportunidade de compreender um pouco mais sobre o Brasil e uma porta de entrada ao mercado de trabalho nacional, portanto nosso propósito é ser o mais inclusivo possível.

Conversas com refugiadas | Imagem: divulgação/ACNUR

IMJ: Quais os requisitos básicos para participar do programa?

ACNUR: O Empoderando Refugiadas oferece uma formação em português para as mulheres, sendo assim, o requisito mínimo é que tenham o equivalente ao ensino fundamental brasileiro completo para participar. Para além disso, o projeto é bastante inclusivo e acolhe mulheres refugiadas de distintas origens, etnias e raças. Também abrimos portas para mulheres refugiadas com deficiência, doenças crônicas, únicas provedoras de renda de uma família com pessoas com deficiências e refugiadas do grupo LGBTQIA+. As interseccionalidades e diversidades enriquecem o projeto e as trocas que proporciona. A ideia é não deixar nenhuma mulher refugiada para trás. No ano passado, dentre as 102 mulheres formadas, 60% eram pretas ou pardas, 82% eram mães e 32% eram responsáveis pela renda familiar. Mais de 380 pessoas refugiadas foram impactadas pela sétima edição do projeto.

IMJ: Existe predominância de faixa etária participante do projeto?

ACNUR: Por ser uma iniciativa de empregabilidade, temos a exigência de idade mínima de 16 anos, faixa que já pode atuar como jovem aprendiz. Também sensibilizamos as empresas para o olhar inclusivo a mulheres refugiadas com mais de 50 anos. No ano passado, 10% do grupo formado era composto por mulheres maiores de 50 anos.

IMJ: Como tem sido o retorno da proposta?

ACNUR: O Empoderando Refugiadas já formou mais de 420 mulheres refugiadas de diferentes nacionalidades e facilitou a contratação imediata (logo após a participação do projeto) de mais de 250 pessoas em situação de refúgio no mercado de trabalho brasileiro. Desde que expandiu sua atuação para Boa Vista (RR), no ano de 2019, o projeto tem fomentado também a interiorização das famílias venezuelanas abrigadas pela Operação Acolhida. Mais de 510 pessoas foram interiorizadas com vaga de trabalho garantida para diferentes estados do país. Depois de se formar e conquistar um trabalho, a mulher refugiada conduz sua família a uma nova cidade, matricula seus filhos nas escolas, passa a frequentar espaços sociais e culturais e vai, pouco a pouco, fazendo parte e transformando também os contextos socioeconômicos em que se insere. Ela é a protagonista e líder deste processo profundo de mudanças.

Alunas do projeto | Imagem: divulgação/ACNUR

IMJ: Quais segmentos têm absorvido as refugiadas?

ACNUR: Além de prepará-las para o mercado de trabalho, o projeto também fomenta a capacitação às empresas e preparação de seus profissionais para a coexistência pacífica com a população refugiada. Dentre as principais empresas que apoiam e contratam junto ao Empoderando Refugiadas estão varejistas de moda, shopping centers e contact centers. Nesses segmentos, as mulheres são contratadas para as mais diversas áreas. Uma iniciativa aliada ao projeto que volta esforços para a preparação do setor privado é o Fórum Empresas com Refugiados, um ecossistema de mais de 80 organizações para troca de experiências, soluções e boas práticas do processo de inclusão da população migrante e refugiada.

IMJ: Existe preconceito em relação à nova profissional que quer se inserir no mercado brasileiro?

ACNUR: Infelizmente, não é raro que as mulheres refugiadas vivenciem situações de discriminação múltiplas, tanto por serem mulheres, como por xenofobia e, nos casos das mulheres pretas e pardas, as consequências do racismo estrutural no Brasil. Neste contexto, muitas vezes as mulheres refugiadas precisam lidar tanto com o preconceito por parte de empresas como, depois de serem contratadas, pelo preconceito por parte de colegas de trabalho. Percebemos que o preconceito por parte das empresas está intimamente relacionado à falta de informação. A maior parte das empresas do setor privado pouco sabe sobre o processo de contratação e direitos garantidos às pessoas refugiadas e migrantes. Empresas que prezam pela diversidade e olham para esse público têm relatado resultados positivos em integrar mulheres refugiadas e migrantes em suas equipes.  Em geral, essas empresas têm se dedicado a informar e sensibilizar os colegas de trabalho da profissional refugiada, fazendo com que a diversidade seja realmente valorizada e as mulheres verdadeiramente integradas no dia a dia de trabalho.

IMJ: Há outros programas semelhantes ao “Empoderando Refugiadas”?

ACNUR: No Brasil, Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o financiamento do Governo de Luxemburgo, desenvolvem conjuntamente o programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. O objetivo é o fortalecimento dos direitos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. O programa é realizado desde setembro de 2021 e envolve empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. O Moverse também atua diretamente com mulheres refugiadas e migrantes, para que elas tenham acesso a capacitações e a oportunidades no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Outra frente de trabalho do programa é ligada à violência baseada em gênero.