Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha

daniele.haller@mulheresjornalistas.com

Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista

Desde o ano passado, existe uma parcela da sociedade que vive cada dia com um medo maior do que do próprio vírus, o medo da fome. Com o aumento do desemprego, a precariedade no atendimento ou falta de atendimento médico nas comunidades, além da falta de auxílio, moradores da periferia vivem, há um ano, com a ajuda de projetos sociais que alimentam e auxiliam pessoas em situação de vulnerabilidade

A inflação, desemprego e o fim do auxílio emergencial impactam de forma drástica a vida dos brasileiros. A situação que o país vive, pode fazer com que ele volte ao mapa da fome? Sem recursos, sem trabalho e sem assistência médica, muitos brasileiros vivem à margem da sociedade, à espera do auxílio de terceiros que, através de campanhas, conseguem arrecadar fundos para alimentar os mais necessitados. No entanto, mesmo com todo o esforço e o trabalho incansável desses voluntários, o número de pessoas atendidas é muito aquém da real necessidade.

Junto com o agravamento da pandemia e o grave aumento no número de mortes, o brasileiro vê sumir ,a cada dia, um item a mais em sua mesa. Itens básicos, de consumo comum no dia a dia, passaram a ser artigos de luxo para muitos. Além disso, o aumento no valor do gás de cozinha tem tornado até mesmo impossível o ato de preparar um alimento em casa. O auxílio emergencial, que teve a última parcela paga em dezembro de 2020, volta a ser distribuído, no entanto, com um valor inferior e com requisitos que dificultam cada vez mais o alcance a famílias que realmente necessitam. Então, quem alimenta o povo?

Em várias partes do País, projetos sociais, grupos e ONG`s se reúnem para tentar minimizar o impacto que a pandemia tem causado. Através de diversas campanhas, eles arrecadam fundos, alimentos, produtos de higiene e proteção para auxiliar famílias e comunidades carentes. Conversamos com quatro representantes de diferentes projetos que estão atuando na pandemia para conhecer seus trabalhos, experiências e dificuldades que tem enfrentado.

Movimento Fazendinhando

Há três anos, o movimento Fazendinhando iniciou na comunidade do Jardim Colombo, situada na região do Morumbi, zona oeste de São Paulo. O que antigamente era ocupado por entulho e lixo, se transformou em uma área para a interatividade ,transformação física, educacional, cultural e social da comunidade, como conta Ester Carro, que lidera o movimento: “A comunidade tem cerca de 17 mil habitantes, sem nenhuma centralidade ou espaço de encontro e lazer, a não ser um terreno abandonado de aproximadamente 1000m² conhecido como Fazendinha, devido à criação de animais no passado. Nos últimos anos, o espaço se tornou um grande depósito de resíduos e entulho. No final de 2017, porém, a história começou a mudar: os moradores do Colombo e organizações próximas deram início a uma mobilização para remover os resíduos e o entulho do terreno e transformá-lo num parque – o Parque Fazendinha”, relata.
Com a chegada da pandemia, o movimento necessitou suspender suas atividades em decorrência do decreto do governo de São Paulo, em março de 2020, início do primeiro isolamento. A comunidade do Jardim Colombo, que já passava por inúmeras dificuldades, viu a situação piorar diante do aumento do desemprego, as restrições e, com as escolas fechadas, a refeição garantida já não era mais possível. Na intenção de minimizar o impacto da pandemia na comunidade, o movimento Fazendinhando partiu para outra ação; arrecadar alimentos e fundos para atender famílias e pessoas em necessidade.
Com uma equipe formada por voluntários e profissionais remunerados, através de uma gestão compartilhada, o projeto realiza seu trabalho em busca de fundos, doação de cestas básicas, preparação e distribuição de marmitas e de produtos de higiene e máscaras. Sobre como o movimento alcança as pessoas que necessitam de auxílio, Ester Carro explica: “Reunimos cerca de 50 voluntários para realizarem um cadastro de todas as famílias interessadas nas doações, possibilitando o mapeamento dos idosos, acamados, mães solos com filhos e, consequentemente, dando-lhes prioridade. Com a realização do cadastro, também foi possível se identificarem situações de extrema criticidade na comunidade, como famílias que não tinham sequer acesso à água e cujo alimento já era extremamente escasso mesmo antes da pandemia. Para facilitar a comunicação com os moradores, grupos formados no aplicativo WhatsApp foram criados e, por meio desses, semanalmente divulgadas as listas daqueles que iriam receber os suprimentos a cada dia e assim evitaram-se novas aglomerações”.
No último ano, o projeto conseguiu, através de campanhas nas redes sociais, o incentivo e doações de pessoas físicas e setores privados, chegando a um total de aproximadamente R$3.100.000,00 em doações. O valor foi utilizado, em sua grande maioria, na compra de cestas básicas (16.664 cestas), confecção e compra de marmitas (16.475 unidades) , cartões de alimentação (963 cartões), compra de álcool em gel (2.700 unidades), confecção de máscaras no Projeto “Heróis usam Máscaras”, com costureiras das comunidades, totalizando 260.447 máscaras. No entanto, o número de doações tem caído drasticamente em 2021: “Neste ano, o número de doações diminui muito – menos de R$30mil além de doações de cestas, insumos para marmitas e roupas – e ainda não conseguimos atender a demanda da comunidade, estamos muito longe disso. Nem conseguimos atender a outros lugares que entram em contato conosco solicitando ajuda, como fizemos no ano passado”, comenta Maria Silvia, responsável pela administração do projeto.

Projeto “Ajudar Nunca Sai de Moda”

Alguns projetos nasceram em meio ao caos que  pandemia trouxe, como é o caso do “Ajudar nunca sai de moda” que foi pensado a partir do segundo semestre de 2020 e iniciou seus trabalhos em 2021, em São Paulo. A fim de atender a necessidade de crianças carentes durante a pandemia, a ideia partiu do fotógrafo de moda Gustavo Duran, que reuniu profissionais da área em prol de auxiliar famílias em situação de pobreza, atendendo mães com crianças do Jardim Ibirapuera, cadastradas no projeto CUFA.

 

Contando com o trabalho de voluntários, todos da área de moda, o projeto vive de doações, focando na arrecadação de cestas básicas, compradas por doadores, que são diretamente entregues aos beneficiados, levando diretamente às mães das comunidades. Além das famílias que são regularmente beneficiadas pelo projeto, Gustavo Duran conta que chega a eles pedidos de outras famílias em busca de ajuda. Sobre as doações que tem recebido para atender a demanda, ele comenta: “Uma pequena parcela de mães com crianças tem sido beneficiada, mas levando em consideração as 27 milhões de pessoas vivendo em pobreza extrema no País, realmente as doações não são suficientes”, relata o fotógrafo.

Projeto “Ser Ponte”

Valéria Pinheiro é pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e trabalha no laboratório de estudos da habitação, além de atuar junto a movimentos sociais urbanos há mais de 20 anos. Por conta da sua experiência, ela diz que a iniciativa do projeto nasceu no começo da pandemia, quando amigos a procuraram em buscar de auxiliar famílias em dificuldade. A partir daí, nasceu a ideia de criar o projeto “Ser Ponte”, para auxiliar mulheres chefes de família: “ As pessoas começaram a me procurar oferecendo ajuda, no fim de março (2020), dizendo que se eu precisasse, poderia transferir um dinheiro para minha conta, já sabendo que as coisas iriam piorar bastante, eu também já tinha pessoas pedindo ajuda. Então, fui aceitando esses amigos e enviando recursos. Foi quando as coisas começaram a tomar um rumo considerável  e eu decidi organizar um projeto para receber e para fazer uso desse dinheiro. Desde o princípio, decidi que seria um projeto voltado para mulheres, por esse percurso que eu tenho junto a movimentos sociais urbanos, essa certeza de que são as mulheres que estão à frente desses processos, tanto do cuidar da casa, do cuidar da família, mas também dos processos de luta que seguram essa cidade `pelos chifres´, que sofrem mais, que tem os menores salários”, comenta.

No início, a ideia era repassar uma renda básica de 150 reais à 20 mulheres chefes de família, mas, após reunir amigos e voluntários para arrecadação de fundos, eles puderam realizar algo maior, atendendo, ainda em abril de 2020, 75 mulheres com o valor de 180 reais para cada. O segundo passo era definir como seria feita a seleção dessas famílias e o repasse: “ Nós escolhemos um perfil de família, um perfil de mulher a ser atendida pelo “Ser Ponte”. Mulheres chefes de família que tenham, pelo menos, um idoso e uma criança na casa, que tenham quatro pessoas na família e que, preferencialmente, não estejam recebendo nenhuma outra ajuda. Temos pessoas de confiança nos territórios, que a gente chama de agentes territoriais, pessoas que são referência nos seus territórios,  para tentar chegar nas famílias que não estão nas redes de movimento, não estão nas redes de igrejas, de governos, de outras ajudas, tentar chegar lá na ponta, naquela senhorinha que não consegue outra ajuda. E eu acredito que a gente  conseguiu bastante isso. Os agentes indicam as famílias, a gente recebe os dados e passa a fazer, todo mês, depósito na conta dos agentes, e eles fazem as entregas do dinheiro para as famílias”, explica Valéria.

No decorrer dos meses, o projetou conseguiu aumentar suas doações, chegando a atender 210 famílias, espalhadas em 18 territórios da cidade, que receberam o benefício até dezembro do ano passado. No entanto, quando houve um certa queda no número de infecções da Covid 19, as doações começaram a cair, diminuindo a possibilidade do projeto de atender a demanda: “Para não acabar em dezembro, decidimos diminuir o número de mulheres e, em janeiro (2021), ficamos com 50 mulheres, priorizando mulheres negras-indígenas, sabendo que esse recorte étnico racial também impacta na vulnerabilidade, fomos por esse  caminho”. Contanto, com o retorno da gravidade da pandemia, o projeto conseguiu voltar a aumentar a receita e atender um número maior de famílias, com a expectativa de atender 250 mulheres entre abril e maio desse ano.

Valéria Pinheiro diz que o  coração do projeto é o repasse de uma renda direta, desburocratizada para mulheres chefes de família dentro das comunidades, uma vez que a renda mensal dessas pessoas chega a 380 reais por mês, para uma casa com até quatro pessoas, mas, além destas, o projeto tem recebido constantemente pedido de ajuda através das redes sociais: “Acontece bastante e cada vez mais, no nosso Instagram, muitos pedidos de apoio. A pessoa escreve, conta a situação da sua família, de como está passando fome, de muitos casos e é horrível, porque a gente não consegue atender nessa dimensão”.

Para manter o planejamento do projeto junto a essas famílias, o “Ser Ponte” conta com doações com valores a partir de 20 reais e com um período de três  quatro meses de comprometimento do doador, para que o repasse possa ocorrer de forma regular, mas doações pontuais também podem ser feitas.

Projeto “Semeando o futuro”

Fundado em 2009, o projeto Semeando o Futuro já trabalha há anos atendendo famílias e crianças em dificuldade, dando continuidade no seu trabalho também durante a pandemia, tendo que adaptar as formas de atendimento para continuar atendendo as famílias assistidas. O Projeto atende crianças e adolescentes, de 6 a 15 anos, na proteção socioassistencial do nível básico, alcançando, atualmente, um total de 80 crianças, em Rosana, São Paulo.

Segundo a Assistente social, Ana Rafaela Brandão, antes da pandemia, eram ofertadas às crianças atividades como brincadeiras, artesanato, oficinas, atendimento psicológico, alimentação, entre outros, além de ações e promoções para a garantia de direitos das crianças e adolescentes, na prevenção de qualquer tipo de vulnerabilidade social. Mas, diante da situação atual, o projeto precisou mudar sua forma de atendimento: “Após a pandemia, nosso trabalho é realizado de forma remota como, por exemplo, enviando atividades xerocadas e informativas via WhatsApp, além do agendamento marcado. O número de assistidos é o mesmo, porém o aumento de famílias que passam por necessidades, principalmente alimentícias, aumentou significativamente”, relata a assistente social, que afirma que as famílias continuam recebendo a alimentação diária.

O “Semeando o futuro” é mantido através de doações e subvenção municipal, realizando o trabalho também juntamente à rede de apoio do município, com encaminhamentos para assistência, educação, saúde e, em alguns casos, para a promotoria. Durante pandemia, o projeto conseguiu aumentar o número de doações, mas afirma que os pedidos de ajuda crescem todos os dias: “As demandas surgem diariamente, principalmente na entrega e devolução de atividades enviadas, sendo também realizado o atendimento via telefone, na busca ativa de necessidades de nossas famílias. O projeto sempre atende cada demanda trazida por eles, mesmo em meio a pandemia e, quando não conseguimos atender, procuramos auxílio com a sociedade civil, a qual sempre se prontifica a nos enviar ajuda”, relata.

Doações

Movimento Fazendinhando:

Doações através do PayPal, no www.fazendinhando.org

Por PIX 11 994251392

Projeto “Ajudar Nunca Sai de Moda”:

https://lojacvscesta.com.br/pages/doacoes?institution=ajudar-nunca-sai-de-moda

Projeto “Ser Ponte”:

Benfeitoria.com/serpontefortaleza

@serpontefortaleza

WhatsApp: (85)98570-8849

Projeto “Semeando o futuro”

Conta: C/C: 461-8   AG: 1916-X Banco do Brasil com CNPJ: 53.221.255/0030-85

E-mail: nucleosantoafonso@alsf.org.br