Por que o Talibã assusta tanto?
Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – PA
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Política, economia e Direitos Humanos. Como a retomada do Talibã afetará o Afeganistão e o mundo?
Antes de entender porque o mundo está preocupado com a retomada do Afeganistão pelo grupo Talibã, é preciso saber quem ele é. O Talibã é um grupo fundamentalista religioso muçulmano, que aparece na história do Afeganistão no contexto da Guerra Fria, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão. A disputa, então, se dá entre União Soviética e Estados Unidos dentro do contexto da Guerra Fria porque, neste período, não houve nenhum confronto entre Estados Unidos e União Soviética diretamente. Os Estados Unidos financiaram a resistência contra a Rússia, por meio dos afegãos. A partir dessa resistência ensinada pelos americanos, surgiu o Talibã e, posteriormente, a Al-Qaeda de Osama Bin Laden.
O Talibã é um grupo fundamentalista que se baseia numa leitura totalmente específica do Alcorão, especialmente entendendo que é importante que a lei religiosa domine, coordene e administre um determinado país. É, a partir daí, que o retorno de difíceis dias já vividos reacende a preocupação do mundo todo.
O doutor em Relações Internacionais, Mário Tito, explica que esse regime teocrático acaba sendo a referência para o Talibã e, assim, eles buscam – e conseguem – colocar em prática uma lei que é profundamente restritiva, como os direitos das mulheres. Eles focam a sua ideologia em um fundamentalismo religioso, por meio de ações extremamente violentas.
O Instituto Mulheres Jornalistas conversou com o especialista para detalhar os motivos que cercam o medo, a preocupação e a tomada de decisão das nações em prol da sociedade Afeganistã.
MJ: Como ocorreu a retomada do Talibã no Afeganistão?
Mário Tito: Quando os Estados Unidos resolvem invadir o Afeganistão e conseguem tirar o poder do Talibã, tentam acabar com a Al Qaeda e matam Osama Bin Laden, permanecendo no país por décadas. É importante destacar que o Afeganistão é um país cheio de montanhas e relevo, ou seja, uma região de fontes energéticas. A promessa dos americanos de organizar um país do ponto de vista democrático e reforçar instituições não era um dos reais motivos para a sua permanência. O interesse pelos recursos energéticos estava presente e isso fez com que os americanos, aos poucos, pela opinião interna do país, não pudessem mais ficar porque é muito caro permanecer num país como esse, vendo que esses benefícios já não eram maiores. Por isso, se retiram. Desde o anúncio do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a retirada das tropas americanas, analistas internacionais já diziam que, nesse vazio de poder, o Talibã voltaria.
MJ: Qual a relação Talibã e Estados Unidos?
Mário Tito: Os talibãs inicialmente são inimigos dos Estados Unidos. Eles também estavam por trás dos atentados de 11 de setembro de 2001. Eles foram retirados do poder pelos EUA logo em seguida, no contexto da “guerra ao terror”, por terem sido considerados um dos criminosos responsáveis pelos atentados. Agora, com a volta do Talibã ao poder, há um aprofundamento nessa relação de confronto, porém não é dito que não possa haver algum tipo de acordo secreto para que os EUA ainda tenham acesso aos recursos energéticos e minerais. Ressalte-se que há também interesses da Rússia e da China nessa região tão estratégica. O que leva a pensar que há possibilidade de haver situações parecidas em outros países da região.
MJ: Como essa retomada afetará a política e a economia local?
Mário Tito: O Talibã sabe que retomar o poder significa reorganizar a visão fundamentalista deles, porque vão se deparar cada vez mais com o país empobrecido. Prova disso é o primeiro discurso do grupo em coletiva, que tentou apresentar um tom moderado sobre suas futuras ações. Eles precisarão de ajuda externa porque o Afeganistão tornou-se um país com população extremamente empobrecida e, sob certos aspectos, falido. Eu acredito, porém, que o regime não será diferente de 20 anos atrás, pois a base ideológica de fundamentalismo religioso necessariamente será imposta, especialmente por meio da negação de direitos às mulheres e à população LGBTQI+.
MJ: As mulheres são as mais tensas com essa retomada. O que pode mudar na vida delas?
Mário Tito: Talvez o ponto mais crítico seja exatamente a questão do direito das mulheres. Aqui cabe uma explicação. É verdade que o Talibã – quando esteve no país antes do ataque de 11 de Setembro de 2001 às torres gêmeas nos Estados Unidados – provocou uma redução muito forte no papel das mulheres no seu direito. Agora, precisamos ter muito cuidado para não fazermos um raciocínio ocidentalizado machista e criticar, por exemplo, o fato das mulheres usarem burca. Na verdade, a mulher pode usar o que ela quiser. O grande problema está na obrigatoriedade do uso da burca e na subserviência em todos os outros campos aos quais as mulheres serão submetidas. O que o Talibã faz é isso: obrigatoriedade. As meninas mais jovens são obrigadas a casar com os soldados ou com os militantes daquele determinado partido. As mulheres são obrigados a vestir determinada roupa. São obrigadas a ficar em casa. Então é a obrigatoriedade que faz com que o direito da mulher seja violentado.
MJ: O que países externos podem fazer para ajudar os refugiados e quem tenta fugir do Afeganistão?
Mário Tito: A Comunidade Internacional tem uma responsabilidade muito grande. Dizer que o Talibã não pode executar determinadas ações porque é errado não vai dar certo, ou seja, apenas realizar recomendações com base moral não surtirá efeito exatamente pelo fundamentalismo religioso do regime. O que se pode fazer é estabelecer negociações mais empíricas, com fatores concretos. Mas, por outro lado, a Comunidade Internacional precisa receber os refugiados afegãos. Já há países que dizem que vão fechar as portas e isso torna, na verdade, a situação duas vezes mais violenta. Primeiro porque essas pessoas foram violentadas no Afeganistão por perderem o próprio país, e segundo porque são violentadas por não poderem entrar em outros países. Certamente esse vai ser um problema que a Comunidade Internacional, em especial a Organização das Nações Unidas, terá que enfrentar.
MJ: O Brasil já desenvolveu algum plano para apoio aos familiares de Afeganistãos que moram no Brasil?
Mário Tito: O Brasil perdeu um valor democrático tremendo. Nos últimos quatro anos, o Brasil passou a ser quase uma pequena instituição diplomática sem relevância internacional. É verdade que o atual governo nem se manifestou claramente sobre a situação do Afeganistão e, em outros tempos, o Brasil era tido como grande mediador de conflito. Era até convidado a mediar os conflitos internos e externos nos países. Hoje, o Brasil não tem valor nenhum e nem preparou qualquer tipo de ação de ajuda a famílias afegãs ou de repatriamento a brasileiro. Não se vê nada. O Brasil deixou de ser respeitado no mundo diplomático.
MJ: Em pronunciamento, os membros do Talibã tentam passar a imagem de um retorno moderado e afirmam que os direitos da população, inclusive das mulheres, serão mantidos com base na religião. Comente sobre isso.
Mário Tito: As primeiras entrevistas do Talibã dizendo que vão respeitar direitos, passando uma imagem de moderados, são para ser analisadas com muita calma. Temos a imagem do Talibã de 20 anos. De repente, agora pode ser que tenha mudado, porém é muito difícil que isso aconteça porque a base ideológica deles permanece a mesma, com base na leitura fundamentalista do Alcorão. Eu, particularmente, leio com muito ceticismo essa situação.