Por mais investimentos que tornem a sociedade mais branda às mulheres
Por Luciana Piris, jornalista
É fato: mais de 46% das mulheres no Brasil são chefes de família e assumem a dupla jornada de trabalho, frequentemente com total responsabilidade na criação dos filhos. Os homens, por outro lado, pais que deveriam estar presentes, delegam os cuidados à ex-companheira. E se der algum problema, é bem provável que a culpa recaia sobre essas heroínas invisíveis. Ou seja, pai é aquele que paga pensão. Algo bem década de 1970. E a mãe? Deve tratá- lo como o Rei Salomão, mesmo que o príncipe tenha virado um sapo.
A questão é que a sociedade não está preparada para essas novas configurações familiares. Há um baita preconceito com a mulher que administra tudo. Porque além de ser chefe de família, ela tem que fazer a social na família, na escola dos filhos, no clube, na escola de inglês e onde houver qualquer círculo social, sempre com simpatia, humildade e sem avançar sinais bem estabelecidos. Coitada! Se reclamar de alguma coisa ou fizer um comentário mais apimentado…
Como a fisioterapeuta, Natália Araújo, que joga tênis em um clube da cidade de São Paulo e nesse círculo social ela tem conhecidos. Conversando com os colegas, foi lançado que ela podia experimentar todos os homens não comprometidos. Surpresa: a resposta veio de solavanco: “Amigas! Tenho um lar para cuidar, filhos para educar e uma carreira profissional para administrar. Se tivesse todo esse tempo que vocês acreditam que eu tenho, o dia teria 168 horas de duração.” É óbvio que sonha encontrar um príncipe um dia. Mas prefere deixar tudo como está, afinal, colocar mais um na família não está nem no “draft” de sua vida perfeita.
Brincadeiras à parte. Hoje, não é tão fácil ser mulher com M maiúsculo. No Brasil, 48,7% das famílias são chefiadas por mulheres, é o que aponta o estudo do Grupo Globo e do IBGE . A pesquisa apresentou sobre o papel da mulher brasileira dentro e fora do mercado de trabalho e mostrou também que, embora elas sejam maioria com ensino superior, ainda lideram os índices de desemprego no país: 14,9% das pessoas sem emprego são mulheres e 12%, homens.
É mais fácil empreender porque a maioria das vagas no mercado de trabalho exige jornadas fixas e falta de flexibilidade. Logo, para algumas mulheres pode ser mais prático se reinventar. Por falar em remunerações, dados da pesquisa do DIEESE revelam que as mulheres ganharam, em média, 21% a menos do que os homens – o equivalente a R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles.
E não é só no mercado de trabalho que o preconceito ronda. Muitos são os motivos para que uma mulher não queira seguir com aquele relacionamento. Algo como a minissérie do Netflix, Maid. Como aconteceu com Antônia, mãe do Artur e do Enzo, que teve que contratar mais de cinco advogados, ao longo de dez anos, para explicar ao pai que ele precisava ser pontual no pagamento da pensão alimentícia.
Assim, muitas vezes para manter a sanidade mental, as mulheres preferem tomar as rédeas de suas vidas porque cansaram de dar chances aos marmanjos, que buscam mais uma figura materna do que uma parceria de vida. E se a sociedade compreendesse esse movimento, seria tudo mais praticável.
Compreenderia que mães chefes de família precisam de redes de apoio, precisam se desenvolver profissionalmente para ter uma remuneração justa. Afinal, quando um filho nasce, nasce também uma mãe e um pai responsável pela criação, alimentação e educação daquela criança. Isso é desafiador.
Só que quando a família é monoparental, complica. Então, essas mães e pais têm muito mais responsabilidades pelo desenvolvimento dos filhos, ganham menos e trabalham muito mais.
Vale ressaltar que a pesquisa do Dieese revela também que a reinserção das mulheres no mercado de trabalho acontece de forma precária. E causa vulnerabilidade à família, uma vez que acontece a transferência de crianças e adolescentes para o mercado de trabalho para complementar a renda familiar.
Todo esse imbróglio é um retrocesso no país rondado pelo machismo. Deve haver mudanças e investimentos e políticas capazes de gerar empregos dignos, saúde acessível e bem-estar a essas mulheres. É vital que o país cresça, gere renda e emprego. E principalmente haja o diálogo para as tais questões. Podemos, sim, ajudar essas mulheres a terem mais voz na sociedade.
** A pedido das fontes apuradas para esse artigo, os nomes foram trocados para garantir o sigilo.