Ao analisar dados da Região Metropolitana de Curitiba e Litoral, estudo inédito destaca o papel das políticas de planejamento urbano e regional na produção e consumo local de alimentos e na promoção da segurança alimentar e nutricional

O olhar integrado para os desafios e o potencial da produção, transporte, comercialização, acesso, consumo e descarte de alimentos no âmbito local e regional é uma forma eficaz e duradoura de se combater a inflação dos alimentos que tem impactado as famílias brasileiras. É o que mostra o estudo inédito “Os caminhos da comida: o papel do planejamento urbano na transformação do sistema alimentar” que analisou dados dos municípios de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral Paranaense e revelou que os municípios apresentam potencial para realizar a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis e saudáveis com a contribuição de políticas de planejamento urbano.

Caminhos para serem mais sustentáveis e as ações a serem adotadas para servir de exemplo para outras cidades do país também estão apresentados em uma série de recomendações no trabalho divulgado nesta quinta-feira (13/03). A pesquisa é fruto de uma parceria entre o Instituto Escolhas, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN) da Prefeitura Municipal de Curitiba.

A Região Metropolitana de Curitiba e o Litoral produziram, em 2022, o suficiente para alimentar 3,5 milhões de pessoas, quase toda a população da região (3,9 milhões de habitantes). Cerca de 1 a cada 3 alimentos comercializados na Ceasa Curitiba é oriundo da RMC e do Litoral, o que indica um potencial de estruturação de cadeias curtas de distribuição de alimentos na região. A produção e comercialização próxima ao consumidor possibilita a redução do desperdício de alimentos e das emissões de CO2, além de estimular a geração local de emprego e renda.

Curitiba já é referência em políticas de fomento a produção local de alimentos. Hoje, somente na capital paranaense, são 190 hortas urbanas, sendo 85 escolares, 53 comunitárias e 52 institucionais, que beneficiam mais de 39 mil pessoas. Uma das recomendações do estudo é que gestores e planejadores incentivem o uso sustentável de espaços urbanos e periurbanos ociosos para práticas agrícolas como forma de preservar áreas verdes, estimular segurança alimentar e utilizar terrenos vazios. Curitiba, por exemplo, possui 1.506 hectares de espaços potenciais – sem utilização, livres de edificação e vegetação – para a expansão da produção sustentável de alimentos.

Para Jaqueline Ferreira, Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, pelo seu caráter estratégico, a produção de alimentos na metrópole deve ser uma agenda prioritária para a gestão pública. “A maior parte da população brasileira mora nos centros urbanos. Investir na produção de comida nas metrópoles nos ajuda a enfrentar questões urgentes como a inflação dos alimentos, a insegurança alimentar, a geração de emprego e renda, e o enfrentamento da emergência climática” Ferreira complementa “No momento em que a inflação assusta os brasileiros, para a comida ficar mais barata no mercado da esquina, é preciso que o Brasil apoie e invista na produção mais perto do consumidor.”.

Ao mesmo tempo que tem experiência para compartilhar com o resto do país, a RMC e o Litoral também têm desafios a enfrentar, como mostra a pesquisa. Houve uma redução da produção de alimentos importantes para a segurança alimentar como o feijão, cuja área plantada teve queda de 35% (de 48,8 mil hectares para 31,7 mil hectares). Enquanto isso, a soja registrou aumento de 161% de área plantada entre 2012 e 2022, que passou de 67 mil hectares para 174,6 mil hectares. A pesquisa revelou ainda uma queda expressiva no número de estabelecimentos agropecuários da agricultura familiar, cerca de 25%, e redução de 9% da área, 21 mil hectares a menos para a agricultura familiar, entre 2006 e 2017, além de constatar o envelhecimento dos produtores.

O estudo mostra que o percentual da população em situação de segurança alimentar na Região Metropolitana de Curitiba é superior à média brasileira, que é de 70, 3%. Curitiba e a região metropolitana registram, respectivamente, 80,9% e 79,6%, da população em segurança alimentar – com acesso pleno e regular aos alimentos.  Mas, a situação de insegurança alimentar grave na RMC ainda é preocupante entre determinados grupos populacionais como idosos, mulheres, pessoas pardas, pretas, amarelas e indígenas.

Segundo Elizandra Araujo de Oliveira, gerente do setor socioeconômico do Ippuc, é preciso comemorar aspectos positivos identificados na pesquisa, resultado de políticas públicas locais de promoção da alimentação saudável, e trabalhar para colocar em prática as recomendações do estudo. “Esse estudo vai contribuir para avançarmos com políticas de planejamento urbano que estejam integradas ao desafio da promoção da segurança alimentar e nutricional, prioritariamente, ampliando a oferta e principalmente o acesso aos alimentos com foco nos territórios com maiores índices de vulnerabilidade social. Por exemplo, com o mapeamento das áreas prioritárias para expansão da rede de equipamentos de SAN é possível agilizar e facilitar o acesso das famílias que mais precisam.”

O estudo, que reforça as relações entre o planejamento urbano e a alimentação saudável, traz recomendações para que Curitiba, Região Metropolitana e Litoral se tornem mais sustentáveis e que ações possam servir de exemplo e estender para outras cidades do país. Alguns caminhos: garantir políticas públicas que fortaleçam a agricultura urbana e ampliem o acesso à alimentos saudáveis em áreas de maior vulnerabilidade social e incentivar práticas agroecológicas e sistemas agroflorestais, inclusive como estratégia de regeneração de Áreas de Preservação Permanente degradadas são algumas das recomendações do estudo. Gestores podem adotar instrumentos de promoção da função social da propriedade, como o incentivo à expansão da agricultura urbana em áreas privadas, em especial nos terrenos ociosos. Ou o uso de outros instrumentos de política urbana, como o que permite ao município adquirir áreas estratégicas para instalação de equipamentos de segurança alimentar (feiras, restaurantes, mercados e sacolões populares, hortas urbanas) pode integrar o planejamento dos municípios.

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