Realizado em camundongos, estudo pode ajudar no desenvolvimento de terapias mais eficazes

Passar por um evento de forte estresse, como um assalto à mão armada ou um acidente de carro, pode gerar impactos diversos no cérebro das pessoas. Essas reações podem variar de algo mais leve até o desenvolvimento de quadros graves, como depressão ou ansiedade. Entender como o estresse social crônico provoca mudanças comportamentais e como diferentes regiões do cérebro reagem a ele foi o objetivo de uma pesquisa realizada no Laboratório de Farmacologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara.

O estudo, descrito no artigo “Emotional- and cognitive-like responses induced by social defeat stress in male mice are modulated by the BNST, amygdala, and hippocampus”, foi realizado com camundongos machos que foram submetidos a  um protocolo de estresse crônico social (SDS, do inglês “Social Defeat Stress”), validado internacionalmente. O estresse crônico social promove consequências duradouras que podem afetar a qualidade de vida dos indivíduos.

Esse modelo simula situações de estresse social prolongado, nas quais um camundongo é exposto a sessões diárias e sucessivas de estresse. Para a realização deste experimento, um camundongo é mantido isolado para que seu comportamento agressivo se torne exacerbado. Nas sessões de estresse um outro camundongo denominado “intruso” é inserido na caixa do camundongo que estava isolado provocando desta forma confrontos físicos entre os animais.

“Após os testes de estresse, avaliamos os comportamentos de defesa, interação social e a capacidade de memória dos animais que foram agredidos e que, portanto, estavam abalados. Utilizamos também marcadores neuronais, como a proteína FosB, que permite identificar áreas específicas do cérebro que foram ativadas”, explica o professor Ricardo Luiz Nunes de Souza, coordenador do Laboratório de Farmacologia e diretor da FCF.

Esquema representativo do modelo de estresse por derrota social (SDS) utilizado em camundongos | Imagem: Reprodução

Para analisar os marcadores neuronais, os pesquisadores utilizaram uma substância fluorescente que permite visualizar as áreas ativas do cérebro dos camundongos em um microscópio. Com essas imagens, foi possível observar que o estresse afeta diferentes regiões do cérebro de maneiras opostas. Enquanto a parte ventral do hipocampo, responsável pelas emoções, mostrava aumento de atividade, resultando em respostas aumentadas de ansiedade e defesa, a parte dorsal, ligada à memória espacial, sofreu uma diminuição em sua atividade, levando a déficits de memória de curto prazo.

“Identificamos que o estresse crônico pode alterar as conexões entre essas regiões do cérebro, potencializando ou prejudicando as respostas emocionais. Isso sugere que, embora essas áreas atuem juntas na regulação das emoções, cada uma tem uma função específica, sendo que cada região pode exercer maior controle de certos comportamentos do que outros”, comenta Gessynger Morais Silva, pós-doutorando do Laboratório de Farmacologia da Unesp.

O estudo, que foi financiado pela  pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), também identificou a ativação de neurônios glutamatérgicos, que são células nervosas responsáveis por liberar glutamato, um dos principais neurotransmissores excitatórios do cérebro. Esses neurônios desempenham um papel fundamental na comunicação entre as células cerebrais e foram ativados em regiões críticas, como a amígdala e o núcleo da estria terminal, áreas associadas ao processamento de emoções e à resposta ao estresse.

“O aumento da atividade nessas regiões pode estar relacionado a mudanças duradouras no cérebro, conhecidas como neuroplasticidade, que moldam o organismo em resposta a um estresse contínuo”, elucida Daniela Baptista De Souza, pesquisadora do Laboratório da Unesp.

Implicações – O estudo representa um avanço na pesquisa básica em neurociência ao explorar como o cérebro se adapta — ou falha em se adaptar — a situações de estresse prolongado. Segundo os pesquisadores, é possível entender melhor as respostas individuais ao estresse ao observar a ativação de diferentes áreas cerebrais. Essas reações variam amplamente entre as pessoas: algumas desenvolvem ansiedade, outras depressão, enquanto há aquelas que manifestam problemas cardiovasculares, imunológicos ou gastrointestinais, por exemplo.

Teste de campo aberto | Imagem: DataBase Center for Life Science (DBCLS)

“Essas pesquisas realizadas com animais fornecem informações essenciais que podem ser aplicadas no desenvolvimento de tratamentos clínicos para humanos. No futuro, esses achados podem guiar o desenvolvimento de terapias mais específicas, que visem modular essas áreas cerebrais de forma eficaz”, destaca Lucas Canto de Souza, pós- doutorando do Laboratório de Farmacologia da Unesp.

Com base nesses resultados, o próximo passo da equipe é investigar novas áreas do cérebro e adaptar os testes, permitindo uma compreensão mais precisa das distinções entre machos e fêmeas. “Estamos revertendo a tendência dos estudos que historicamente focam em machos, e passamos a incluir fêmeas nos experimentos para entender melhor as diferenças entre os gêneros em relação à resposta ao estresse”, revela o diretor da FCF.

Como a pesquisa foi desenvolvida – O estudo utilizou 83 camundongos machos, com idades de 54 a 60 dias (intrusos), e 35 camundongos machos de seis a oito meses de idade (agressores residentes). Os camundongos intrusos foram alojados em grupos e expostos a sessões de estresse social com camundongos agressores, criando um modelo de estresse social crônico.

O comportamento dos animais foi, então, avaliado quanto a ansiedade e memória, sendo utilizado testes como o labirinto em cruz elevado, o campo aberto (vide imagem abaixo) e o de reconhecimento de objetos. Adicionalmente, foram realizadas análises neurológicas utilizando marcadores de ativação neuronal para investigar as alterações em áreas específicas do cérebro.