Perda de ícones da cultura traz reflexão para novos criadores
Por Silvana C. Espirito Santo, jornalista
Estamos, há alguns anos, vivenciando grandes perdas, pessoas e de personalidades importantes para o país. E acordamos hoje com a partida de José Celso Martinez Correa, o nosso Zé Celso, aos 86 anos, que após trágico incêndio em seu apartamento em São Paulo, nos deixou neste 6 de julho. Na cultura, algumas irreparáveis perdas pela pandemia, como Aldir Blanc (1946-2020), Nicette Bruno (1933-2020) e Paulo Gustavo (1978-2021). Mas no último ano, perdas como Rita Lee (1947-2023), Gal Costa (1945-2022) e Erasmo Carlos (1941-2022) abalaram a estrutura de nomes que formaram a autoestima de um país, com coragem, inventividade e um excepcional legado artístico. Como Zé Celso e seu Teatro Oficina, criado em 1958.
Assim como Antunes Filho (1929-2019), Flávio Rangel (1934-1988), Augusto Boal (1931-2009), Antônio Abujamra (1932-2015) e Amir Haddad, este último em forte atividade pelo teatro nacional, Zé Celso é renovação estética, política e cênica do teatro brasileiro. Eles abriram caminho para que as artes encontrassem a referência que temos hoje no Brasil com teatro, escola e resistência em tempos de ditadura militar no país. Este grupo de artistas, encenadores e diretores foi responsável por levar o nome do Brasil para o mundo. E o número de alunos que beberam nestas fontes é tão extenso que, 50 anos depois, todos que entram em nossas casas pela dramaturgia das telenovelas e séries passaram pela experiência de estarem em par destes nomes e beberam em suas fontes de criação.
Sim, foi uma época que a arte fazia parte da essência do ser. E o teatro sempre este grande caldeirão de ideias e possibilidades criativas. Geralmente se entregava o diploma de advogado, dentista e engenheiro para os pais e partiam mundo afora para fazer arte. Hipotecavam casas, apartamentos, heranças e pegavam empréstimos em banco para criar, encenar e andavam como “mendigos”, sem nenhum reconhecimento. Foi assim também para o cinema. Já na música, com o sucesso do rádio, artistas conquistaram a fama com seu público, sendo os primeiros a terem suas imagens conhecidas, ao entrarem pela tela da televisão nas residências do país. Mas o teatro sempre foi considerado pela burguesia, ou pela família tradicional, como um lugar de vagabundos. Herdeiros de famílias com dons artísticos, como a atriz Nicette Bruno, tinha apoio e coragem para criar espaços teatrais e suas próprias companhias, como a reconhecida atriz fez no início da década de 1950, quando aos 17 anos criou o Teatro do Alumínio e, na sequência, a companhia Teatro Íntimo Nicette Bruno.
E com a vida artística ganhando novos rumos, quando todos merecem o estrelato, quando as produções precisam de suporte financeiro para estrear e quase ninguém quer vender um imóvel para bancar seus projetos, até por que quase ninguém tem nada para vender mesmo. E, em tempos díspares, percebemos o estreitamento como de um funil, que começa a nos mostrar que os coletivos retornam como solução para uma cultura mais orgânica, que represente sua época, um povo, grupos que ainda possuam ideologias de que a arte a e a cultura, assim como a educação, são instrumentos para a construção de cidadãos com consciência crítica para um país melhor para todos.
Que sejamos brindados com a renovação, novos mestres para novas gerações, para novos tempos, mas felizes por ainda há tempo de valorizar e nos alimentar com nomes como o nosso incansável Amir Haddad, aniversariante da semana, que completou 86 anos em 2 de julho.
Ao revolucionário, genial, ousado, à frente de seu tempo e destemido Zé Celso, que sua obra continue para as novas gerações. Ao diretor, o nosso eterno agradecimento. Evóe, mestre!