Por Giselle Cunha, Jornalista- RJ
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

Qual o papel desta atividade e como ela tem sido associada a grandes prejuízos florestais ao longo de décadas

A atividade pecuária teve início teve início no século XVI, conforme mencionamos em nossa reportagem O Surgimento e a Representatividade do Setor Pecuário no Brasil. Essa atividade fomenta a economia do país de maneira ímpar, porém necessita de espaço para sua implantação e desenvolvimento. Espaço esse, muitas vezes, questionado pela legitimidade, pois sua associação com os desmatamentos florestais é algo bem comum.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF), “a área de floresta do Brasil equivale a 58,5% do seu território, cobrindo uma área de 497.962.509 ha. Desse total, 98% correspondem a florestas naturais enquanto apenas 2% são florestas plantadas. A fitofisionomia de maior ocorrência é a Floresta Ombrófila Densa com 39,2% e 195.284.061 ha em área, muito presente no bioma Amazônia.”

O Bioma pode ser definido como um conjunto animal e vegetal que se constitui de acordo com as condições geológicas e climáticas semelhantes. Também possui uma flora e uma fauna própria, constituídas ao longo do tempo que sofreram os mesmos processos de formação de paisagem. No Brasil, esses biomas são distribuídos de acordo com o quadro abaixo: 

Área dos biomas do Brasil
Bioma Área aproximada(em km²) % Brasil
Amazônia 4.196.943 49,29
Cerrado 2.036.448 23,92
Mata Atlântica 1.110.182 13,04
Caatinga 844.453 9,92
Pampa 176.496 2,07
Pantanal 150.355 1,76
Total 8.514.877 100

Fonte: IBGE (2009).

Desmatamento-florestal
Foto: DIvulgação/Pecsa

Cada uma dessas áreas representam um pedaço do pulmão brasileiro, por isso a importância de haver uma fiscalização e um acompanhamento comprometido e contínuo em cada uma delas. Como em qualquer setor, existem empresas íntegras e preocupadas com o meio ambiente, mas a deficiência e inoperância em fiscalizações e punições severas possibilitam chegarmos à marca de desmatamento, somente na Amazônia, de 926 km². Esse território equivale a quase três vezes maior do que a cidade de Fortaleza, segundo levantamento de uma pesquisa realizada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) em julho deste ano. A pesquisa ainda cita que, no período de agosto de 2020 até junho de 2021, os desmatamentos acumulados somavam-se 8.381 km², o que significa um aumento 51% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Algumas ações foram adotadas por grandes frigoríficos para melhorar o controle e garantir a boa procedência das carnes comercializadas:

  • Não pode haver apontamentos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama);
  • É obrigatório fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR);
  • Apresentar a documentação de posse da propriedade;
  • A empresa não pode estar em área de terra indígena, terra pública ou unidade de conservação;
  • Não ter havido desmatamento na fazenda após 2009, seja legal ou ilegal;
  • Não pode estar na lista suja do trabalho escravo da Secretária do Trabalho, antigo Ministério do Trabalho.

O Instituto Mulheres Jornalistas entrevistou a Engenheira Ambiental e pesquisadora do IPAM, Caroline de Souza Cruz Salomão, sobre o panorama atual da floresta e o impacto que essas ocupações desordenadas podem causar ao meio ambiente.

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Entrevistada Caroline Salomão, pesquisadora Ipam. Foto: Arquivo Pessoal

Mulheres Jornalistas (MJ): Quais os principais fatores que têm destruído nossa floresta?

Caroline Salomão: No contexto do estudo, com certeza, os fatores que têm destruído a floresta são a instabilidade política e institucional, que cria uma espécie de “corrida” para a ocupação irregular de terras públicas, a falta de comando e controle do poder público nas terras públicas e a falta de destinação das terras públicas não destinadas para categorias como Unidades de Conservação e Terras Indígenas que, apesar da pressão, permanecem sendo os territórios onde há menos desmatamento. Outro ponto, no contexto da cadeia da pecuária, é que é claro que a fiscalização e combate ao desmatamento é de obrigação dos governos, mas o poder privado, como frigoríficos e varejistas, em conjunto com instituições como o Ministério Público, podem fazer a diferença nessa conta ao cada vez mais frigoríficos aderirem a compromissos ambientais como o Termo de Ajustamento de Conduta da Pecuária (TAC), e frigoríficos e varejistas intensificarem as ações de monitoramento de desmatamento das fazendas fornecedoras de gado.   

MJ: Qual a média da área atingida por desmatamentos atualmente na floresta Amazônica?

Caroline Salomão: Vimos no estudo que mais de 21 milhões de Terras Públicas (Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Terras Públicas Não Destinadas) no bioma Amazônia já foram destruídas (cerca de 8% da área total 276 ha). O mais alarmante é que, entre 2019 e 2020, 44% do desmatamento de todo bioma Amazônia foi em Terras Públicas, sendo que destes 44%, 67% foi para última categoria, com especial atenção para as Florestas Públicas Não Destinadas. 

MJ: Há décadas, essas ações são discutidas e, supostamente, reprovadas pelos Governos vigentes e os órgãos responsáveis, porém, mesmo diante das reprovações, tais ocorrências permanecem. Existe alguma explicação ou justificativa lógica para isso?

Caroline Salomão: O Brasil possui uma legislação ambiental forte que precisa valer no chão. Vimos em governos passados ações coordenadas e planos estratégicos que fizeram os índices de desmatamento caírem e se manterem baixos, o que, infelizmente, não foi o visto nos últimos anos. O sucateamento de instituições de fiscalização e proteção à floresta, além de uma narrativa que legítima ações criminosas de ocupação ilegal da floresta, como a grilagem de terras, fizeram esses índices aumentarem.

MJ: Como funciona o relacionamento de institutos de preservação, como o Ipam, e o Governo?

Caroline Salomão: Depende de cada instituição. O IPAM é reconhecido pelo seu compromisso com o rigor científico e tem uma gama de ações de desenvolvimento territorial, por isso tem uma boa relação principalmente com os governos estaduais e municipais. Um exemplo disso é a sua atuação formal junto ao Consórcio Interestadual De Desenvolvimento Sustentável Da Amazônia Legal (CAL), por meio do qual apoiou a elaboração do plano estratégico do Plano de Recuperação Verde e, atualmente, apoia a elaboração dos projetos estratégicos de Cadeias Produtivas da Bioeconomia, onde a pecuária está inserida; projeto de regularização fundiária e na estratégia de captação de recursos.

 MJ: Ao mesmo tempo, por que acompanhamos notícias relatando o contrário? Enfatizam que existem áreas nativas preservadas pelo agronegócio?

Caroline Salomão: Precisamos ter cuidado com esse discurso. Existem muitos produtores rurais médios e grandes que agem conforme a legislação, e que de fato possuem excedentes de vegetação nativa em suas terras. Muitas vezes, grande parte do desmatamento, em termos de extensão, está concentrada em poucos proprietários rurais, e isso precisa ser combatido muito fortemente. O problema que se relaciona com o nosso estudo é que essas terras públicas não destinadas que são desmatadas foram alvo de grilagem, e toda aquela vegetação se transformou, em sua maioria, em pasto (75%). E o mais assustador é que este uso permanece mesmo após 10 anos. Isso levanta um alerta para toda a cadeia da pecuária, para os produtores rurais que compram gado dessas fazendas para engorda e posterior venda para os frigoríficos, para os frigoríficos e varejistas que intensificar as ações de monitoramento de diretos (fazendas fornecedoras de gado) e indiretos (fornecedores de fornecedores), e ainda para uma participação ativa de governos e Ministério Público.    

MJ: Ainda existe a prática de grilagem? Tem alguma estimativa do prejuízo aos cofres públicos e à natureza gerado por essa ação?

Caroline Salomão: Com certeza, existe e confirmamos isso pelo nosso estudo. As Terras Públicas Não destinadas, principalmente as Florestas Públicas Não Destinadas, são alvo de desmatamento, o que não é permitido pela Lei de Florestas de 2006. Os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) nessas áreas cresceram cerca de 59% (comparando período de 2011-2015 com 2016-2020), mostrando a tentativa de grileiros de ter a terra titulada de acordo com a Lei 13.465. Com certeza há um grande desperdício ambiental, já que mais de 10 gigatoneledas de CO2 foram emitidos oriundos do desmatamento de mais de 21 milhões de ha de Terras Públicas. Essa floresta pública, caso fosse mantida de pé, poderia alimentar um possível mercado de carbono. Além disso, muitas dessas áreas, após desmatadas, acabam sendo abandonadas, já que cerca de 20% retorna a condição de floresta (porém em um estágio bem diferente da floresta original), o que representa uma perda de inúmeros serviços ecossistêmicos em vão. 

MJ: Quanto tempo nos resta de floresta sadia se continuamos nesse ritmo?

Caroline Salomão: Se pegarmos os dados somente dos dois últimos anos e projetarmos para frente, veremos que é um cenário de destruição, em que todos nós só temos a perder em termos climáticos, econômicos e sociais.