Vidas – não mais – invisíveis: o papel da Defensoria Pública na Amazônia em prol das pessoas em situação de risco
Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
vanessa.rooijen@mulheresjornalistas.com
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Como a emissão de documentos, por meio da Defensoria Pública, leva esperança para as pessoas que não têm estudo, trabalho ou moradia
Rosinaldo Leal tem 49 anos e é natural de Belém do Pará. Ao longo da juventude, trabalhou na roça, no interior do Estado, e afirma entender tudo sobre o trabalho rural, desde capinagem até pesca. Já na cidade, ele trabalhou como pedreiro. Mesmo com experiência profissional, mas baixa escolaridade, consegue apenas oportunidades de “bicos” na capital paraense, onde Rosinaldo vive em situação de rua.
Aos 10 anos, o ajudante de pedreiro experimentou pela primeira vez maconha. A droga, aliada aos traumas gerados pela família, o fez morar na rua. “Desde os 10 anos de idade, minha vida não prestou mais. Eu não existia. Voltei a ser um cidadão depois de muitos anos, quando recebi a minha certidão de nascimento e todos os meus documentos durante uma ação da Defensoria Pública do Estado. Procurei emprego várias vezes, mas nunca fui aceito por não ter documentos”, afirma.
Não poder comprovar sua identidade era a maior tristeza de Rosinaldo. “Como as pessoas vão saber se eu sou alguém ou não sem meus documentos? Foi por meio de Deus e da generosidade dos defensores públicos que consegui meus documentos e fui cadastrado no programa Minha Casa, Minha Vida e hoje estou na lista de espera aguardando a chamada para receber a minha casa. Pretendo ainda voltar a estudar, tirar minha carteira de trabalho, seguir em um emprego fixo e longe do vício”, revela.
De acordo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa publicada em março de 2020, o Brasil possui cerca de 221.869 pessoas em situação de rua. O aumento de pessoas morando nas ruas, de acordo com os dados do CENSO SUAS, de setembro de 2012 até março de 2020, foi de 139%. Na região Norte do país, o número referente ao último mês de pesquisa equivale a 9.626 pessoas. Elas não possuem teto, não se alimentam corretamente e vivem em meio a dificuldades para terem acesso às políticas públicas de saúde, educação ou trabalho.
Inúmeros são os motivos que levaram essas pessoas para as ruas, mas o que pode ser feito por elas? Solidariedade seria a palavra que move organizações e órgãos a ajudarem esses indivíduos? No artigo 6 da Constituição Federal, consta: são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Para garantir acesso aos direitos previstos na Constituição Federal, quem pode ajudar?
Defensoria Pública do Pará
No Pará, a Defensoria Pública do Estado exerce um rigoroso projeto de assistência às pessoas em situação de rua, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Estratégicas (NDDH). Dentre as várias assistências executadas, a principal é devolver para as pessoas em situação de rua o direito e condição de cidadania. Com a emissão de documentos, principalmente a certidão de nascimento, a dignidade passa a fazer parte da vida dessas pessoas.
O número de atendimentos voltados para as pessoas em vulnerabilidade social tem aumentado a cada ano. Segundo dados da Defensoria Pública do Pará, em 2018, as ações abrangeram 278 pessoas em situação de rua atendidas. Em 2019, esse total aumentou para 302 e, em 2020, para 321. Já em 2021, até a presente data, já foram realizados 255 atendimentos.
Algumas pessoas podem imaginar que a Defensoria Pública é apenas uma entidade que fornece advocacia para os necessitados, mas é muito mais do que isso. A Defensoria Pública é uma instituição constitucionalmente destinada a garantir assistência jurídica integral, gratuita, judicial e extrajudicial, aos legalmente necessitados, prestando-lhes a orientação e a defesa em todos os graus e instâncias, de modo coletivo ou individual, priorizando a conciliação e a promoção dos direitos humanos. No Pará, a entidade surgiu em 1983 para promover o serviço de assistência judiciária, antes realizada pelo Ministério Público do Estado. No mesmo ano, a instituição foi regulamentada pela Lei Complementar nº 013 de 18 de junho de 1993, tendo como objetivo proporcionar o amplo acesso à Justiça aos cidadãos hipossuficientes do Pará.
Em 1988, o Governo do Estado do Pará promulgou o decreto nº 5.494, de 27 de junho de 1988, reestruturando administrativamente a Procuradoria Geral do Estado e a Defensoria Pública, a subordinando ao chefe do Poder Executivo. Já em 7 de fevereiro de 2006, publicou-se a Lei Complementar nº 054, que reestruturou e regulamentou a Defensoria Pública, quando formou-se a lista tríplice após a eleição interna para a escolha do Defensor Geral e criou-se o Conselho Superior da Defensoria Pública, entre outras alterações. Um ano depois, a Lei Estadual 7022, de 24 de julho de 2007, passou a vincular a Defensoria Pública do Estado diretamente ao Gabinete da Governadoria do Estado, deixando de ser subsecretaria da Secretaria Especial de Defesa Social. E desde o ano de 2008, a Defensoria já tem assegurada sua autonomia orçamentária e financeira prevista na Constituição Federal, através das Leis de Planejamento Tributário do Estado.
De acordo com o defensor público geral do Pará, João Paulo Lédo, trata-se de uma instituição que tem como principal objetivo garantir gratuitamente assistência jurídica, judicial e extrajudicial para as pessoas em situação de vulnerabilidade social. “Cada estado possui uma Defensoria própria, que atua por meios de núcleos específicos nas áreas de direito familiar, cível, criminal, infância e juventude, execução penal, violência de gênero, direitos agrários, direitos humanos e direitos do consumidor”.
Para as pessoas em situação de risco, a Defensoria Pública do Estado do Pará possui um amplo projeto de assistência. A emissão de documentos, dentre outros serviços, por meio da Defensoria Pública, é um grande primeiro passo para devolver a humanização e dignidade para essas pessoas.
Por existir características peculiares, principalmente climáticas, a Defensoria Pública se faz importante na vida das pessoas em situação de rua. Para entender como é o trabalho desenvolvido especificamente para essa parcela da população, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Felicia Fiuza, defensora pública do Pará, integrante do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Estratégicas (NDDH), do qual desenvolve ações voltadas para o público.
MJ: Como a Defensoria Pública enxerga as pessoas em situação de rua?
Felicia Fiuza: A Defensoria Pública vê as pessoas em situação de rua como uma parcela da população hipossuficiente, que precisa do apoio estatal para que possa exercer plenamente sua cidadania. Essa população sempre foi uma preocupação da Defensoria, que ao longo dos anos tenta ampliar seus serviços ou, pelo menos, discutir ou fomentar os direitos fundamentais dessas pessoas junto com os outros órgãos do estado e dos municípios, sempre se preocupando com a dignidade dessas pessoas.
MJ: Quais são os projetos desenvolvidos para as pessoas em vulnerabilidade social no Pará?
Felicia Fiuza: O primeiro projeto voltado para essa população foi a de conseguir a certidão de nascimento para que, assim, possam tirar os outros documentos e conseguir exercer sua cidadania, como conseguir um emprego ou se matricular numa escola. Hoje, também otimizamos o fornecimento desse documento para que pudessem ter acesso ao atendimento de saúde nas unidades básicas de pronto atendimento, durante a pandemia da covid-19. Há ainda o NDDH Itinerante, um projeto que leva atendimento e orientação jurídica para essas pessoas.
MJ: Qual a importância da Defensoria Pública essas pessoas?
Felicia Fiuza: Para as pessoas em situação de rua, a Defensoria Pública é a porta de entrada para os serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro. Nós somos um órgão de fomento de direitos humanos e os projetos desenvolvidos com certeza fazem muita diferença para essa parcela da população.
MJ: Quais foram as assistências concedidas (ou que continuam sendo feitas) durante a pandemia?
Felicia Fiuza: Durante os períodos climáticos mais críticos, sempre contactamos o Poder Executivo para que eles forneçam abrigos e espaços onde essas pessoas podem se manter. Muitos deles nem são do estado do Pará, então sempre tentamos articular e fomentar com o Estado e Prefeituras. Como aconteceu durante a pandemia da covid-19, em que eles ficaram abrigados em estádios de futebol como uma forma de protegê-los.
MJ: Quais orientações a Defensoria dá para a população quando se depara com pessoas em situação de risco? O que elas devem fazer?
Felicia Fiuza: Quando alguém se depara com uma pessoa em situação de rua, o ideal, em princípio, é procurar os órgãos de assistência social do Estado e do município para que elas possam ter minimamente um local de abrigamento e que possam depois nos acessar, assim como outros estados, para que possamos iniciar projetos em benefício dessas pessoas.
O que diz a lei?
Os direitos das pessoas em situação de rua estão previstos na Constituição Federal. O decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. No parágrafo único do Decreto consta: “…considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.
A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderiram. O Poder Executivo Federal poderá firmar convênios com entidades públicas e privadas, sem fins lucrativos, para o desenvolvimento e a execução de projetos que beneficiem a população em situação de rua e estejam de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos que orientam a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
De acordo com o Art. 5o do Decreto, são princípios da Política Nacional para a População em Situação de Rua, além da igualdade e equidade: o respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à convivência familiar e comunitária; a valorização e respeito à vida e à cidadania; o atendimento humanizado e universalizado; e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência.
Já no Art. 7o dentre os objetivos destacados estão:
– Assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda;
– Garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua;
– Desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos;
– Implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua;
– Proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica;
– Implementar centros de referência especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social.
De mãos dadas com a Defensoria Pública
A Defensoria Pública do Pará atua em conjunto com ONGs, associações e centros de assistência voltados às pessoas em situação de rua. Em Belém do Pará, a área da Praça do Relógio, no complexo do Ver-o-Peso, principal ponto turístico da capital paraense, pode ser considerado um dos maiores pontos de concentração de pessoas em situação de rua e dependentes químicos. É exatamente lá que a Defensoria Pública realiza de tempos em tempos, principalmente em datas comemorativas como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ações sociais voltadas para este público. Além de documentos, são doados roupas, itens de higiene pessoal, lençóis e alimentos. Junto com os órgãos, a Defensoria Pública do Estado realiza campanhas esporádicas para arrecadação de roupas, mantimentos e kits de higiene que são doados para as pessoas em situação de rua.
Um dos parceiros é o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), um espaço público específico voltado para a moradia ou sustento, de forma temporária ou permanente, para pessoas em situação de rua.
No Centro Pop, são feitos atendimentos às pessoas que se encontram vivendo na rua como um lugar para morar e para se sustentar. Algumas das atividades realizadas no Centro Pop são: orientação por meio de profissionais especializados sobre os direitos e como conseguir acessá-los; apoio para regularizar documentos pessoais; guarda de pertences; espaço para higiene pessoal; lavanderia; acesso à alimentação; e encaminhamentos para outras políticas públicas quando for o caso; fortalecimento da autonomia, protagonismo e participação social.
Além desses serviços, o endereço do Centro Pop pode ser usado como referência para inserção no Cadastro Único para acesso a benefícios socioassistenciais e para processos de seleção para vaga de emprego. De acordo com o Centro Pop, em dias de grande movimentação, o local registra, em média, 45 acessos aos serviços. Ao mês, esse quantitativo chega a mais de 1.000 usuários, sendo estes dados referentes aos acessos de serviços, ou seja, o mesmo usuário pode acessar o espaço por vários dias. Já o quantitativo mensal sem repetição é, em média, de 600 pessoas. Os atendidos no Centro Pop são em sua maioria de paraenses e pessoas que vieram em busca de melhores condições de trabalho na capital paraense. Além de imigrantes do Suriname, Guiana Francesa, Venezuela e migrantes dos demais estados brasileiros.
De acordo com Viviane Sá, Educadora Social de Rua do Centro Pop, é através do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) que diversas pessoas em situação de rua passam a conhecer a importância da Assistência Social com o papel de minimizar a vulnerabilidade social que este usuário vem enfrentando. A equipe atua in loco e aborda grupos heterogêneos de pessoas em situação de rua.
A Defensoria Pública do Pará garante os direitos dos usuários e vem atendendo de forma efetiva às solicitações oriundas do Centro Pop. Em parceria com o órgão, as ações sociais são organizadas com mutirões de solicitação de documentos, atendimento médico através da Secretaria Municipal de Saúde (SESMA), inscrição no CadÚnico, roda de conversas, palestras educativas de direitos humanos, entre outros serviços ligados a cidadania e direitos humanos.
As dificuldades presentes na Amazônia
A especialista, Viviane Sá, explica que, em Belém do Pará, a Prefeitura dispõe de apenas 2 Centros Pop: Centro Pop Icoaraci e Centro Pop São Brás, responsáveis por atenderem a capital, as ilhas e os distritos. “Estar localizado na Região Amazônica representa um grande desafio, por fazer fronteira com diversos países que apresentam também diversos problemas sociais. Belém é rota marítima de produtos e pessoas, pois contorna a fronteira nordestina e países da fronteira do continente Sul-Americano. Fato é que Belém não é uma capital considerada rica por arrecadação e tributos municipais e absorve os impactos sociais por não conseguir investir em proteção social, políticas públicas, educação e valorização dos seus servidores”, destaca.
Viviane afirma que ainda faltam mais oportunidades de empregos para a população de modo geral e o quadro piora para as pessoas que se encontram em situação de rua e egressos do sistema penal. “Esses vêm enfrentando dificuldades com o clima quente e úmido da região Amazônica e, principalmente, no Pará. A cidade de Belém ainda é vista como cidade referência do êxodo rural no estado do Pará.
Quem são eles?
As pessoas em situação de risco são um grupo, no Brasil, geralmente bem diversificado, isto é, pessoas que vêm de diferentes vivências e que estão nessa situação pelas mais variadas razões. De acordo com Vidal Mota Junior, Dr. em Ciências Sociais e Professor da Universidade de Sorocaba (Uniso), há fatores, porém, que os unem: a falta de moradia, de um lugar para dormir temporária ou permanentemente e vínculos familiares fragilizados ou inexistentes. Entre as pessoas sem moradia estão desempregados e trabalhadores informais, como guardadores de carros e vendedores ambulantes.
O especialista explica que elas geralmente chegam a viver nas ruas, por vezes, por violências e abusos domésticos ou desentendimentos dentro da família, vulnerabilidade econômica e dependência química. Ele lembra ainda que a maioria da população de rua é masculina.
Segundo Vidal, pessoas em situação de rua existem em todas as sociedades. Em algumas sociedades mais e em outras menos. Os chamados “sem teto” são, geralmente, trabalhadores que não possuem uma residência fixa devido ao alto custo da moradia formal, são comuns no contexto das grandes cidades.
“Esse é um fenômeno típico das sociedades urbano-industriais, portanto, algo que se intensificou a partir da industrialização desencadeada na Europa a partir do Século XVIII. Inclusive, historicamente, várias medidas no sentido de reprimir as pessoas que vivem em situação de rua foram tomadas, como a Lei da Vadiagem de 1942, aqui no Brasil. Segundo afirmam alguns especialistas, esse contexto da discriminação relembra que muitos pobres, negros e desempregados eram presos por crimes que não cometeram, simplesmente porque não provaram que trabalhavam no momento. Ficavam, assim, presos com pessoas que tinham praticado todos os tipos de crime, sem contar que ficavam com a ficha suja perante a justiça”, pontua.
Para uma sociedade mais justa para as pessoas em situação de rua, o especialista vê apenas um caminho: efetividade de políticas públicas para acolher, proteger e resgatar a dignidade dessa população em vulnerabilidade social. A Política Nacional para População em Situação de Rua, implementada em 2008, destaca uma série de determinações, como a capacitação de profissionais do direito, a oferta de serviços de assistência social, na inclusão da população na intermediação de empregos e na criação de alternativas de moradia. Isso precisa ser garantido.
Mulheres: a minoria mais atacada
Notícias como “Mulher é estuprada e espancada até a morte na ruas” estão, cada vez mais, presentes em nosso dia a dia. Essa realidade, principalmente para as moradoras de rua, é mais comum do que se pode imaginar.
As mulheres representam a minoria das pessoas em situação de rua no Brasil, correspondendo entre 15% a 20% dessa população, segundo o portal G1. Mesmo sendo o número menor, elas são as principais vítimas de agressão dentre esse grupo. Dados do Ministério da Saúde, com base no registro de violência contra pessoas em situação de rua de 2015 a 2017, revelam que 50,8% dos 17.386 registros de violência foram contra elas. O principal motivo para as agressões seria a condição de rua. Os números foram calculados com base nos registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ferramenta utilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Novas vidas
Nas ruas, as mulheres podem estar ainda mais suscetíveis a gravidez, seja ocasionada com consentimento ou não – o estupro pode ser uma realidade para essas mulheres. Para fazer o acompanhamento pré-natal das mulheres em situação de rua, Belém do Pará é um dos municípios que oferta o Consultório na Rua (CNAR), um equipamento de saúde ligado à atenção primária do Sistema Único de Saúde e gerenciada pelos municípios.
Trata-se de uma equipe multidisciplinar, que conta com enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicólogos, técnico de enfermagem, farmacêuticos e motoristas; e presta um serviço direcionado para a população em situação de rua. São aplicadas vacinas, realizadas consultas clínicas e avaliação laboratorial. Para receber o atendimento, basta querer. O consultório funciona de segunda a sexta-feira, com equipes intercaladas de 7h às 13h e 13h às 19h.
Para as mulheres grávidas, o acompanhamento é realizado até o parto. De acordo com Rita Rodrigues, psicóloga e coordenadora da Rede municipal de Consultório na Rua, em Belém do Pará, não é necessário possuir documentos, mas, durante a gestação, os demais serviços são ofertados para que a mãe tenha a garantia de um parto tranquilo.
“Os partos ocorrem na maternidade de referência de Belém, a Santa Casa de Misericórdia. Por sermos uma equipe multidisciplinar, também acompanhamos as pacientes em uma perspectiva de assistência social. Contamos com esse profissional, em parceria com a Defensoria Pública do Estado, nas nossas equipes e, durante o atendimento, uma das nossas funções é garantir acesso às demais políticas, como documentação civil, verificação de pendências criminais com a justiça, para que a condição de vida dessas pessoas melhore e o processo de ressocialização para saída da rua seja efetuado”, afirma.
A coordenadora conta que as mulheres, geralmente, têm um vínculo familiar fragilizado, mas é comum depois do parto elas voltarem para a casa dos familiares, onde permanecem, em parte, pelos primeiros meses de vida da criança. “Acontece também que elas acabam deixando o bebê com os familiares. A relação das mulheres na rua está, quase sempre, relacionada com os homens e relações amorosas. O uso de álcool e drogas ocorre geralmente depois. É muito comum elas saírem da rua e, depois do parto, com o fim do resguardo, voltarem”, pontua.
Os sonhos permanecem vivos
Josinete Cesário, de 46 anos, é natural de Belém do Pará. Ela vive nas ruas desde os 11 anos de idade, quando conheceu e viveu com os pais dos seus filhos. Após a separação, ela passou a viver em situação de rua e, desde então, não tem mais notícias dos quatro filhos. “Eu me amiguei muito nova e, depois da separação, meu ex-marido me expulsou de casa e depois sumiu com os meus filhos. Eu não tenho notícias”, lembra.
Devido ao uso de drogas, Josinete não estudou, não aprendeu uma profissão e, por muito tempo, não existiu. Sem um único documento, sequer podia comprovar sua existência. Assim como Rosinaldo, conseguiu, graças ao trabalho da Defensoria Pública do Pará, se tornar uma cidadã e voltar a ser vista. Hoje, com os documentos em mãos, Josinete deu entrada no Programa Bolsa Família, no qual, vê a renovação da vida. “Meu sonho é ter minha casa de volta, constituir uma família”, deseja.
Josinete e Rosinaldo são exemplos de uma grande população que ainda tem como sonho serem vistos. Eles querem existir. O que a Defensoria Pública, os centros de apoio e assistência social e os projetos de saúde fazem é olhar para essas pessoas como seres humanos. Para ajudar uma pessoa em situação de rua, um grande passo é procurar um centro de assistência ou a própria Defensoria Pública do Estado. Enxergar essas pessoas e fazer algo para o bem delas é salvar vidas.
Esses contatos podem ajudar:
Central de Atendimento da Defensoria Pública do Estado: (91) 3239-4050
Centro Pop de Belém: (91) 3219-3360