Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha 

daniele.haller@mulheresjornalistas.com 

Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista  

Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista 

Há um ano e meio vivendo sob as condições de medidas de prevenção contra a covid-19, profissionais do sexo veem a situação de trabalho piorar e o número de mulheres aumentar nas ruas

Se as condições de trabalho dessas mulheres já eram precárias, a pandemia veio potencializar os riscos. Com a chegada do vírus, as profissionais do sexo viram, de repente, o número de atendimentos cair, assim como o valor dos seus serviços. Quem recebia até 100 reais por um dia de trabalho pode voltar para casa, hoje, com apenas 20 ou 30 reais, valor que torna impossível manter uma casa, família ou mesmo se alimentar.

Ruas vazias e pessoas com medo do contágio do vírus, quem vive da prostituição precisa escolher entre correr os riscos e ficar doente ou ficar em casa e morrer de fome. Duas opções que não deixam escolha para essas profissionais, que se arriscam nas ruas para, muitas vezes, alimentar os filhos.

No mês de maio, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas(IBGE) divulgou que o Brasil atingiu a taxa recorde de desemprego, com 14,7% no primeiro trimestre de 2021, fato que colaborou para que muitas mulheres que perderam o trabalho vissem na prostituição uma forma de se manter. Segundo matéria divulgada pela página da UOL, publicada em abril desse ano, mulheres que trabalhavam como vendedoras acabaram indo para as ruas após o comércio fechar em decorrência da pandemia. Com contas para pagar, geladeira vazia e filhos com fome e doentes, se prostituir foi a única opção que encontraram.

Muitas dessas mulheres mantêm o seu trabalho em segredo, sem contar a familiares e amigos de onde vem o sustento. O medo do preconceito e discriminação faz com que elas escondam a verdade. Infelizmente, a maioria não recebe da família o apoio ou muitas não têm até mesmo com quem contar, são pessoas que precisam, sozinhas, se manter financeiramente e, quando o caso, manter os filhos. Algumas ainda vivem com familiares ou conseguem pagar por um local para morar, outras domem nas ruas, totalmente expostas a todo tipo de violência.

No Brasil, o trabalho dessas profissionais é parcialmente legalizado, segundo “Classificação Brasileira das Ocupações” (CBO – código 5198), o qual estabelece que é permitido exercer a prestação de serviços sexuais, no entanto, criminaliza qualquer outra atividade ligada à prostituição, como agenciamento dessas profissionais, locais usados para a prostituição, assim como o ganho de porcentagem em cima de lucros provenientes do trabalho sexual.  Apesar da legalização parcial, essas pessoas estão socialmente desamparadas durante a pandemia, sem nenhuma segurança financeira e garantias. Algumas conseguiram ter o pedido de auxílio emergencial aprovado, mas o recurso não está acessível para todas, a falta de políticas públicas para a classe dificulta mais ainda a situação.

Em abril, no estado de Minas Gerais, profissionais do sexo entraram em greve como forma de protesto e de pressionar o governo para que a classe seja incluída no grupo prioritário do Plano Nacional de vacinação. Sem condições de manter o distanciamento durante a prestação de serviços, elas alegam estarem absolutamente expostas ao vírus. A ação foi orientada pela Associação das Prostitutas de Minas (Aprosmig), que vê a medida necessária para que essas mulheres possam continuar trabalhando em segurança, uma vez que os protocolos de prevenção não são suficientes para evitar a infecção, pois o contato é muito próximo.

Como alternativa de menos exposição ao vírus, algumas associações buscam incentivar as profissionais a realizarem seu trabalho de forma virtual, no entanto, essa não é uma realidade possível para muitas, que são totalmente dependentes das ruas para conseguir sobreviver. Para quem pôde migrar para a web, essa foi a solução mais viável, inclusive para mulheres que nunca haviam trabalhado como profissionais do sexo e decidiram entrar no “ramo” depois de perderem seus empregos. Na internet, elas chegam a receber de 150 até 300 reais por atendimento.

A ONG “Mulheres da Luz”, localizada no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, acolhe mulheres que vivem da prostituição na região , organização criada por Cleone Santos, que viveu por 18 anos de sua vida em situação de prostituição. O trabalho desenvolvido pela ONG vai desde o acolhimento com a prestação de serviços de saúde, como ginecologia, saúde bucal, saúde mental, entre outros. As mulheres acompanhadas também podem participar de oficinas, como artesanato e pintura, cuja produção é vendida pela ONG através de parcerias. A luta por políticas públicas que visem melhorias nas condições e direitos dessas mulheres também é um dos trabalhos feitos pela instituição, promovendo a garantia de direitos humanos para a classe.

Com a pandemia, a ONG Mulheres da Luz conta com o trabalho de voluntários para  a distribuição de doação de alimentos e artigos de higiene para crianças e jovens de até 16 anos, filhos ou parentes, menores de idade, de mulheres em situação de prostituição. Itens como alimentos, artigos de higiene, fraldas e leite são produtos que o coletivo necessita constantemente para continuar auxiliando mulheres que foram afetadas pela pandemia, não tendo como manter financeiramente suas famílias.

Até o momento, apesar das flexibilizações que vem ocorrendo nos últimos meses, as mulheres em situação de prostituição ou profissionais do sexo ainda seguem sem saber até quando a pandemia irá afetar suas vidas. O medo da infecção ainda paira, diminuindo o número de clientes e fazendo com que essas mulheres realizem seus serviços por valores extremamente baixos, seguindo em um cenário de vulnerabilidade, medo e desamparo. Sem políticas públicas que busquem dar o devido direito à categoria, em especial na pandemia, essas profissionais continuam “invisíveis” dentro da sociedade.