Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha

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Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista

Quais as experiências e mudanças na vida dessas pessoas após um ano trabalhando na linha de frente ou nos bastidores da crise Covid-19?

Entre o diagnóstico de um paciente infectado com o vírus Sars- Cov-2 e a internação, existe um caminho que passa por outros profissionais dentro do ambiente hospitalar, mas que estão nos bastidores da linha de frente desempenhando um papel de grande importância para que o processo de tratamento dos pacientes ocorra da melhor forma. Do setor administrativo até serviços gerais, todos os profissionais estão envolvidos e são heróis na guerra contra a Covid-19.

Após um ano trabalhando diretamente nos ambientes hospitalares, profissionais contam como tem sido lidar com as mudanças e as exigências de segurança para que possam continuar trabalhando, e como isso afetou suas vidas, positivo ou negativamente.

A repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas, conversou com oito profissionais, de diferentes setores da linha de frente contra a Covid 19, para saber como tem sido trabalhar na pandemia, diante dos riscos de infecção , e como a situação mudou, afetou em suas vidas profissionais e pessoais.

Quem são eles?

Williame Barros– maqueiro em uma unidade hospitalar privada em Fortaleza, na linha de frente contra a Covid-19 desde o início da pandemia, ele conta que ,desde então,  seu setor ficou com um clima mais carregado, mais tenso. Durante esse um ano, ele já foi diagnosticado duas vezes com o vírus Sars-Cov-2, quando ficou temporariamente afastado. Com as mudanças feitas dentro do ambiente de trabalho para diminuir o risco de infecção, ele diz que a interação com colegas de outros setores diminuiu muito e, sobre o momento em que vivemos, ele comenta: “Diante da situação, me sentindo fisicamente e psicologicamente esgotado, porque a rotina de trabalho está muito estressante, cansativa. Você vê familiares, colegas de trabalho adoecerem e nada ser feito, isso traz um cansaço físico e psicológico”.  Apesar da tensão, ele afirma que tenta, dentro possível, se distrair com os colegas dentro do trabalho, para não ficar pensando só na doença, mas se distraindo de alguma forma para que o ambiente não se carregue mais. Willame conta que nunca acreditou que a pandemia acabaria rápido e diz como isso lhe afetou: “Afetou ambiente familiar, afetou a vida pessoal, afetou planos, afetou tudo”, comenta.

 

Thaynara da Costa é recepcionista em um hospital privado e está trabalhando desde o início da pandemia. Agora, precisa trabalhar com o uso dos EPI`s e um ambiente mudado por conta das circunstâncias, com avisos, álcool em gel e uso obrigatório de máscaras. Ela conta que tem dias que se sente fisicamente desgastada e que teme o vírus pelo medo de contaminar a sua família. Apesar de não ter mais contato frequente com colegas dos outros setores, ela diz: “Agora, o que passamos um para o outro são mensagens positivas”.

 

 

 

 

 

Jerliane Vieira- Funcionária do setor de serviços gerais, Jerliane viu o seu trabalho mudar durante a pandemia, com “pouco de estresse e uma grande correria no setor”, segundo ela conta. Ela já recebeu as duas doses da vacina e diz que nunca foi infectada, mas que vários amigos de trabalho tiveram Covid. Ela diz que não imaginava que o vírus iria ser tão grave como está sendo hoje, pensava que seria, assim como outras doenças, passageiro. Diante da rotina diária no trabalho, ela comenta sentir medo e se sente abalada com os casos e a situação dos pacientes, mas afirma que ver os exemplos dos que recebem alta, lhe ajuda a diminuir a pressão que tem vivido.

 

Bruna Clementino é Assistente Social e tem trabalhado diretamente no atendimento às famílias de pacientes internados por Covid-19. Ela conta que já foi vacinada, primeira e segunda dose, e que nunca foi diagnosticada com o vírus, mas que chegou a ser afastada em maio de 2020 por apresentar alguns sintomas. Sobre a situação atual do sistema de saúde, ela comenta: “Inicialmente, fiquei receosa por ser uma situação nova. Mas no decorrer dos dias, com o preparo e orientações profissionais adequadas, fui me tranquilizando”. No setor em que trabalha, comenta que houve algumas mudanças: “Tivemos adaptações físicas dos setores e treinamentos constantes direcionados para maior segurança nos atendimentos”.

Como uma forma de amenizar a pressão que a pandemia tem trazido dentro do trabalho, ela tenta se distrair : “Escuto músicas que gosto, leio livros de assuntos variados, assisto séries de temas diferentes, tenho me cuidado mais e, sigo valorizando diariamente cada pessoa, por mais um dia  que se faz presente na minha rotina. Meu primeiro pensamento ao acordar é a gratidão por tudo”, conclui.

 

Amanda Franco– Fisioterapeuta em um hospital da rede pública de Fortaleza, ela tem vivenciado a rotina dentro do ambiente hospitalar desde o início do ano passado e conta sobre as mudanças que ocorreram: “Mudou muita coisa em questão de EPI´s, nós realmente só usávamos a máscara cirúrgica e as luvas, mas passamos a usar máscaras N95, que machuca bastante o rosto, a Face Shields e os aventais, que são extremamente calorentos, a gente sua bastante. Mudou também a questão da refeição. Antigamente, todo mundo ia para o refeitório, como o nosso setor virou setor contaminado, a gente não vai mais pro refeitório. Desde então, a comida chega na própria copa, do próprio posto Covid. Assim, a nossa refeição é isolada, é realmente isolada de todos os outros setores.

A fisioterapeuta conta que a pandemia afetou sua vida em vários âmbitos: “Eu acho que essa resposta vai ser bem universal. Está todo mundo cansado. Psicologicamente, totalmente abalado, tem dias que  a gente vai à força, e o físico eu sinto muito, principalmente pelo fato dos meus plantões, a maioria, serem de noite. A gente achou que na primeira onda tinha sido difícil, mas agora estamos vivendo outro cenário muito mais complicado, então, a gente segura o choro, a gente se envolve, realmente muito complicado”. Ela conta que tudo isso causou mudanças também em casa, evitando contato físico com os pais, por medo de contaminá-los: “O meu maior sonho é poder voltar a ter o afeto dos meus familiares, de poder não ter medo de ver meus amigos, de não ter medo de ter contato com alguém, até porque as pessoas têm medo de você, e isso é normal, não julgo. Eu acho que para mim, o mais difícil é isso , a questão do afeto”, relata Amanda.

 

Renata Karla Rodrigues Vieira é auxiliar administrativa em uma unidade hospitalar pública. Ela iniciou seu trabalho em junho de 2020 e chegou em um setor já totalmente adaptado à pandemia. Seu trabalho está ligado à área de pesquisas do hospital, estágios, médicos residentes e treinamentos, e diz que tudo tem sido afetado pela pandemia. Apesar de não estar trabalhando diretamente com os pacientes, ela relata como tem se sentido:“Todo mundo no limite. Cansada fisicamente, porque eu divido o setor com outra pessoa e, no momento por causa do aumento de casos de Covid aqui no hospital, essa pessoa está aqui na comunicação, que é basicamente dando notícias para os familiares sobre como estão os pacientes, e estou em um setor, sozinha. Assim, todo o trabalho do setor estou fazendo praticamente só. Às vezes, estou aqui e esqueço até de almoçar e, psicologicamente falando, acho que é mais difícil. Eu estou no hospital e algum momento eu vou para casa e posso contaminar meu companheiro.  O tempo todo a gente recebe notícias de gente próxima que está morrendo. difícil!”.

 

Maria Liuduína de Sousa Aires é técnica de enfermagem e conta que , na primeira onda da Covid-19, ela trabalhou em um hospital onde não teve contato com os pacientes infectados, mas, na segunda onda da pandemia, ela está trabalhando em outro hospital e descreve a situação como cenário de guerra: “Poucos profissionais para trabalhar e muitos pacientes contaminados que precisam da sua ajuda, tem necessidade da sua ajuda pra tudo, beber água, comer, ir ao banheiro. Não tem condições de tomar nem 10 ml de água, porque falta ar para ele. Tem paciente que a gente não pode nem mexer, por conta da dificuldade, que fica dessaturando, então, tem aquele dilema: um paciente sujo ou com fome, mas vivo, ou um paciente limpo ,com a barriga cheia e sem sede, mas morto”, relata a técnica.

Liduína, como é chamada pelos colegas de trabalho, diz que o setor é totalmente organizado para evitar a proliferação do vírus: “Temos acesso a EPI`s direto. Se houver necessidade, a gente troca. E lá a gente tem sempre orientação e fiscalização. E entre nós mesmos, amigos, nos policiamos”, comenta. Questionada sobre se há alguma forma de diminuir a pressão durante o trabalho, interagido com os colegas, ela conta que não há tempo para isso: “Os pacientes são tão solicitantes, e eu entendo o lado deles. E como não tem acompanhante, porque não pode, aí temos que ser quatro acompanhantes para quatro pacientes, tem que ser um profissional para quatro pacientes”. No entanto, ela afirma que, em casa, ela procura esquecer um pouco de todas essas dores e tem método para isso: “Eu gosto muito da minha cervejinha e meu churrasco. Para mim, isso é tipo uma válvula de escape, de sair daquela rotina”.

 

Efrain de Freitas – Ele é técnico de enfermagem em um dos maiores hospitais de atendimento a pacientes com Covid-19, em Fortaleza. Efrain tem trabalhado na linha de frente contra o vírus desde o início, e chegou ser diagnosticado com a doença, mas já se recuperou e recebeu as duas doses da vacina. Ele conta que acredita que toda crise revela um caráter e percebeu ,na pandemia o quão humano se tornou o atendimento. Apesar de se sentir fisicamente cansado, ele diz que se sente bem psicologicamente, sempre buscando o equilíbrio entre o corpo e a mente, mas, tem algo a mais que torna a presença desse profissional bem especial; o seu amor pela música, algo que ele levou para o ambiente de trabalho.

 

Na “Praça do Piano”, dentro do hospital, o técnico de enfermagem toca o instrumento ao final de seus plantões, encantando não só os pacientes, como toda a equipe de trabalho. Ele conta como nasceu a iniciativa: “A ideia surgiu da expectativa que criei ao ver o piano num determinado local do hospital. Com a ajuda da minha amiga Joana Ximenes, arquiteta do hospital. Gosto de pensar que aí foi dado início a uma terapia para todos que estavam ali, até onde a música conseguisse ecoar, pelos corredores do hospital”, comenta Efrain. Depois da primeira vez que tocou, ele conta que isso se tornou um hábito, onde as pessoas se unem , naquele momento, através da fé.

Sobre a reação das pessoas ao assistirem tocando, ele diz: “Sempre me surpreendo em como a música atinge o mais profundo da alma das pessoas que escutam. O que elas narram é que a paz que é proporcionada pelas notas do piano ou quando estou cantando, as levam a uma dimensão de fé na qual se tem a esperança de uma cura”. Para Efrain, a música é uma terapia: “Sou refém da música, tanto quanto qualquer pessoa que escute. É por meio dela que amizades foram iniciadas, momentos foram marcados e alivia demais a tensão que sinto ali dentro. Me conforta saber que toco num ambiente o qual perdi meu pai, então é algo ainda mais especial”, conclui o jovem, que perdeu o pai em decorrência da Covid19, no mesmo local onde trabalha atualmente.