Por Letícia Verdi

Bioma Cerrado aparece como o mais ameaçado pelo desmatamento e pela grilagem de terras

A Agência Federal de Assuntos Econômicos e Controle de Exportação da Alemanha (BAFA) recebeu uma solicitação de investigação contra três das maiores empresas produtoras de carne alemãs – Tönnies, Westfleisch e Rothkötter. A demanda surge após a publicação de relatório que compila dados que sugerem que a soja usada para alimentar suínos e aves nesses conglomerados pode estar associada a graves violações de direitos humanos e desmatamento no Cerrado brasileiro.

ClientEarth, Deutsche Umwelthilfe (DUH) e Mighty Earth, três importantes ONGs internacionais, afirmam que a negligência na devida diligência para mitigar esses riscos pode colocar as empresas em situação de violação da Lei de Devida Diligência da Cadeia de Suprimentos da Alemanha (LkSG), em vigor desde janeiro de 2023. Elas alegam que essas companhias não demonstram evidências de que estão abordando adequadamente os riscos de violação de direitos humanos e ambientais associados à soja contida em suas cadeias produtivas.

Risco de violações de direitos humanos e desmatamento no Cerrado

O relatório apresentado à BAFA documenta que a soja usada na alimentação de animais na Alemanha está ligada a áreas de alto risco de violação de direitos humanos e desmatamento no Cerrado. Esse bioma brasileiro, o segundo maior do país, é essencial para a manutenção da biodiversidade global, mas sofre crescente devastação devido à expansão da agricultura industrial, que compromete territórios tradicionais e indígenas. A Bunge, uma das maiores exportadoras de soja do Brasil e principal fornecedora para empresas europeias, está no centro das preocupações. A soja adquirida de fornecedores da Bunge alimenta rebanhos de produtores de carne alemães, ligando-os diretamente a essas violações.

Segundo Sascha Müller-Kraenner, CEO da DUH, as empresas alemãs produtoras de carne têm a responsabilidade de implementar sistemas rigorosos de monitoramento para assegurar que suas cadeias de suprimento estejam isentas de violações ambientais e sociais. “Essas empresas devem respeitar os direitos humanos e adotar tecnologias que promovam a transparência”, afirma Müller-Kraenner. A falta de comprometimento efetivo representa uma ameaça não apenas para o Cerrado, mas para a segurança hídrica e climática da Alemanha e de outros países.

Implicações legais e responsabilidade compartilhada

De acordo com a Lei de Devida Diligência da Cadeia de Suprimentos, as empresas alemãs são obrigadas a realizar uma análise de risco para identificar possíveis violações de direitos humanos em seus fornecedores diretos e indiretos. Kaja Blumtritt, assessora jurídica e política da ClientEarth, ressalta que a negligência desses conglomerados em abordar os riscos ligados à soja brasileira fere diretamente a legislação vigente.

Supermercados alemães, como Aldi, Lidl e Edeka, também são alvo de preocupações, uma vez que a comercialização de carne proveniente de produtores que não aderem a práticas de sustentabilidade pode deixá-los em posição de risco legal e reputacional.

Para Alex Wijeratna, diretor sênior da Mighty Earth, a destruição do Cerrado e o impacto negativo na vida das comunidades indígenas exigem uma resposta urgente das autoridades alemãs. “O Cerrado desaparece a um ritmo três vezes mais acelerado do que a Amazônia, e essa expansão desenfreada é liderada pela Bunge e apoiada pelas gigantes de carne alemãs. A BAFA deve intervir e garantir que a legislação seja respeitada.”

Impacto da produção de soja no Cerrado

Os resultados do novo relatório ressaltam o papel central do Cerrado como um dos principais fornecedores de soja para a produção de carne alemã. Estudo do Mapbiomas de 2023 mostra que 48% da soja produzida no Brasil provém do Cerrado, o que tem contribuído significativamente para o desmatamento, intensificando mudanças climáticas que afetam não apenas o Cerrado, mas a capacidade de produção de soja e outros alimentos em todo o mundo.

A declaração do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), parceira no relatório, reforça a gravidade da situação: “A expansão da soja no Cerrado da forma como tem ocorrido é bastante preocupante, pois sacrifica a natureza, a biodiversidade e as populações locais para atender as demandas de mercado do Norte Global. Para que o Cerrado e suas populações sejam realmente protegidos, todos os produtores e indústrias precisam aderir e se comprometer com as devidas diligências, não apenas algumas empresas.”

As ONGs esperam que a pressão exercida sobre a BAFA leve a uma investigação que responsabilize as empresas por falhas na devida diligência em suas cadeias de suprimento. Também se espera que a fiscalização sobre os impactos globais de suas operações se torne mais rigorosa, gerando adequação dos produtores de soja do Cerrado e a redução da abertura de novas áreas, reduzindo o ritmo do desmatamento.

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