Obras audiovisuais contribuem para entender o movimento Black Lives Matter
“I Am Not Your Negro” e “O Ódio que Você Semeia” são apenas alguns exemplos de filmes que abordam a questão do racismo e da violência policial
Por Giulia Ghigonetto- São Paulo
Documentários devem representar uma visão do mundo, a qual talvez nunca se tenha deparado antes, mesmo que os aspectos nele representados sejam familiares. É isso que o professor e crítico de cinema, Bill Nichols diz em seu livro “Introdução ao Documentário”, lançado em 2012, e é exatamente o que o público tem encontrado nas recentes produções do gênero.
Luta pelos direitos civis, descriminação e o ideal de masculinidade são questões que se tornaram habituais e estão enraizados na sociedade norte americana e no mundo, mas mesmo assim, ao terem sido temas de recentes documentários, receberam atenção pela contemporaneidade, importância do assunto e o modo como é abordado.
Indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário e dirigido pelo haitiano Raoul Peck, “I Am Not Yout Negro” (2016) tem como base o manuscrito inacabado de “Remember this House”, do romancista e ensaísta James Baldwin. O livro aborda questões relacionadas a situação segregacionista dos EUA, tendo como ponto de partida memórias sobre Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, três líderes negros assassinados de 1963 a 1968.
Através de documentos e gravações, percebe-se que Baldwin se tornou presença recorrente em movimentos de rua, universidades e até em programas de TV, no qual o autor desmonta teses que tentam minimizar o preconceito racial, questionando o discurso de políticos da década de 1960 que pedem paciência aos negros quando parece injusto esperar por direitos que sempre foram concedidos aos brancos como algo natural e inerente.
Pacifista, condenando qualquer tipo de ódio contra os opressores ou ações violentas, o escritor se mostra contemporâneo ao falar da segregação institucionalizada e do racismo, velado ou não, do sistema político da época, revelando que pouco mudou desde o movimento Black Power ao atual Black Lives Matter.
Esse último movimento surgiu em 2012 com a Hashtag BlackLivesMatter nas redes sociais após o assassinato de Trayvon Martin, morto por um vigia que suspeitou do jovem negro andando à noite com um capuz no rosto. Sua morte causou comoção na população estadunidense, que ficou indignada com a absolvição de George Zimmerman, o autor do tiro contra o menino de 17 anos.
Atualmente, o movimento é considerado um marco nos direitos norte americanos, como uma espécie de uma espécie de revalidação ao Direitos Civis dos AfrosDescendentes de 1968.
As questões abordadas pelo documentário de Peck continuam fazendo parte da realidade de uma grande parcela do mundo. No Brasil, por exemplo, mais de 70% das vítimas de homicídios são negras, segundo dados do Mapa da Violência. Enquanto nos EUA, a ONU estima que a taxa de assassinato de negros é oito vezes maior que a de brancos.
A obra voltou a se tornar destaque recentemente por conta dos protestos que tem ocorrido no mundo todo contra a violência policial contra negros, após a morte de George Floyd, em Minneapolis, em 25 de maio.
O afro-americano de 46 anos foi morto por asfixia com o joelho de um policial branco pressionando seu pescoço por quase nove minutos. O assassinato foi filmado por um pedestre e o vídeo rapidamente viralizou na internet.
Outro filme marcante que trata sobre o assunto é “O Ódio que Você Semeia”, de George Tillman Jr. Ele é ambientado nos EUA dos dias de hoje, em que uma adolescente mora em um bairro conhecido por questões envolvendo violência e drogas, mas estuda em um colégio numa vizinhança rica, onde os alunos são predominantemente brancos. Seus dois mundos se chocam quando ela presencia o assassinato de um amigo de infância nas mãos de um policial branco durante uma blitz.
Ela fica dividida entre testemunhar frente a um júri ou se manter fora dos holofotes e se questiona quanto a sua conduta perante o racismo e daqueles que convivem com ela.
Adaptando o best-seller de Angie Thomas, o longa é envolvente e extremamente atual. É interessante entender a dinâmica dos jovens negros que precisam sempre se modelar e agir de modo diferente de acordo com o ambiente em que estão, o chamado “code switching” (“mudança de código” em português) e como isso afeta sua personalidade e relacionamentos.
“O Ódio que Você Semeia” traz uma perspectiva jovem à um tema importante, mas não se restringe apenas ao público juvenil, sua linguagem atinge a todos.
Cada vez mais em pauta, o racismo, assim como diversas outras questões como machismo, identidade de gênero e homofobia, estão longe de serem extintos do cotidiano. Um mundo em que esses problemas não existam parece quase utópico, mas vale se manter informado e fazer a sua parte.