Por Regina Fiori, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

“Sorte do dia: não ser da equipe de PR do Nubank”. O biscoito da fortuna do pessoal que faz parte da área de Comunicação e Jornalismo é daqueles que vêm com número da lotérica – e que não vai dar em nada. Na verdade, a última coisa com a qual o jornalismo deve contar é a sorte, porque, definitivamente, ela não está do nosso lado, na maioria das vezes. 

Post Cristina Junqueira | Imagem: print/Instagram

A notícia chegou até mim por WhatsApp, em um grupo de amigas jornalistas, que conheci na faculdade. Um print de stories do Instagram, onde a Cristina Junqueira, ex-CEO e uma das diretoras do Nubank, compartilhou a imagem de convite para um evento, agradecendo ao Brasil Paralelo pelo envio. Começam os problemas: o Brasil Paralelo é um hub de conteúdo de direita, com notícias, colunistas de opinião, documentários próprios e até um streaming de filmes, séries e desenhos. 

Quem tem interesse em acessar os conteúdos exclusivos do Brasil Paralelo desembolsa uma mensalidade, de acordo com o plano de sua escolha. O pior, para mim, é realmente alguém achar que criar mais uma assinatura de streaming pode ser uma boa ideia – já fico mais aborrecida pagando assinaturas para não assistir aos milhares de filmes disponíveis do que ficava nos anos 90 e 2000, quando alugava uma única fita VHS e tinha que esperar rebobinar para ver a mesma história por 4 dias seguidos.

BP, como é conhecido, foi fundado por três amigos que queriam oferecer aos brasileiros uma alternativa à imprensa mainstream. O BP se descreve como “uma empresa privada de jornalismo, entretenimento e educação” que não depende de financiamento, nem público nem privado, a não ser as assinaturas que vendem no próprio site. Também divulga que a missão do portal é “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”.

Bagulhos Sinistros: o Mundo Invertido do Brasil Paralelo

Há quase um ano, a série “Investigação Criminal”, produzida pelo BP, falou sobre o caso de violência doméstica sofrido por Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que foi vítima de seu marido em duas tentativas de feminicídio, lutou pela condenação dele e deu origem à Lei Maria da Penha, que hoje protege milhares de vítimas de violência doméstica, por meio de um conjunto de medidas específicas. Primeiro, Maria da Penha foi baleada na coluna enquanto dormia, o que a deixou paraplégica permanentemente. Depois que saiu do hospital, onde passou por várias cirurgias, voltou para casa e, após 4 meses, seu marido a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la, durante o banho.

O violentador tem nome: Marco Antonio Heredia Viveros. Foi casado com Maria da Penha, concebeu com ela três filhas, hoje já adultas, e foi condenado a oito anos e seis meses de reclusão pelos crimes. Somente em 2002, 19 anos depois da condenação, ele foi preso. Em 2006, o então presidente da República sancionou a Lei Maria da Penha e ela própria foi indenizada pelo Estado, por ter sido descredibilizada várias vezes durante os processos criminais.

Fundadores Brasil Paralelo | Imagem: Divulgação/site

Em 2023, a defesa de Marco Antonio pediu novamente a revisão e anulação do processo por irregularidades processuais – ele já havia entrado com esse pedido em outras ocasiões, e a Justiça negou. No mesmo ano, saiu o episódio documental da série do Brasil Paralelo, trazendo Marco Antonio para dar sua versão do caso – ele nega que tenha agredido Maria da Penha, se diz inocente e diz que as provas foram adulteradas durante a investigação para incriminá-lo. Ele tenta emplacar a versão da mulher extremamente ciumenta e com orgulho ferido, que descobriu que estava sendo traída e armou todo o caso para se vingar. 

Lembrando que a falta de punição ao autor da violência cometida contra Maria da Penha foi parar nas organizações internacionais. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos mandou até uma cartilha para o Brasil com o passo a passo para garantir a justiça em favor das vítimas de violência doméstica – já que não estávamos conseguindo deduzir sozinhos quais eram as medidas necessárias. 

O documentário do Brasil Paralelo foi visto por boa parte das pessoas como uma forma de revitimizar Maria da Penha, dizendo publicamente que ela estava mentindo sobre as agressões sofridas – mesmo tendo o caso sido periciado inúmeras vezes. A Justiça brasileira alega que Marco Antonio não tem do que reclamar – teve acesso ao amplo direito de defesa, a um julgamento que seguiu todas as leis do Código Penal, à apresentação de provas e, ainda, continua com os movimentos das pernas de agressor intactas (essa parte é por minha conta). Defender o agressor quando a vítima é uma mulher? Nenhuma novidade até aí. Maria da Penha passou a contar com escolta policial depois do vídeo, por voltar a sofrer ameaças de quem acredita em história para gado dormir.

A linha editorial do Brasil Paralelo é voltada para a parcela que compõe a direita conservadora da população, sem dúvidas. Assim como o agressor da Maria da Penha vira uma vítima injustiçada, o direito ao aborto se transforma em assassinato premeditado; a Disney vira o porão do inferno de aliciamento da infância; Freud é, na verdade, um usuário de cocaína; a “esquerda” se torna fascista; a educação pública, uma ameaça para as crianças e existe uma nostalgia infindável da época em que o Brasil era o país da Moral e dos Bons Costumes (só não sei que tempo foi esse, não me lembro de termos sido bons exemplos para ninguém, em tempo nenhum – mas somos gente boa, como diria Rita Lee). 

“Mulheres que abortam são assassinas de inocentes”: o complô

Cristina Junqueira | Imagem: Victor Affaro/Forbes

Voltando à Cris Junqueira, do Nubank, achei que o que ela fez foi bem amadorismo, principalmente vindo de uma executiva que já teve que fazer vídeo se desculpando pela presepada que falou durante sua participação no Roda Viva, na qual disse que contratar negros para posições estratégicas era difícil, porque o Nubank não podia “nivelar por baixo”. Precisava tirar foto e postar nos stories, Cris? Não, não precisava. Mas aí é que vêm os detalhes da situação toda. 

O convite do BP para Cris Junqueira se referia a um evento onde o próprio BP se associou ao Fronteiras do Pensamento (não sei, nem quis saber do que se trata essa instituição) para promover no Brasil a turnê mundial do grande intelectual, professor da Universidade de Toronto, psicólogo, filósofo, PhD com mais de 100 artigos científicos publicados e 8 milhões de seguidores em redes sociais (do qual eu nunca tinha ouvido falar – e reconheço minha ignorância), Jordan Peterson – pela primeira vez em solos brasileiros. 

De acordo com o BP, foram 4 mil pessoas no evento presencial para prestigiar o homem que demorou 15 anos para publicar sua grande obra de 800 páginas (deadline que jamais funcionaria comigo, porque eu deixaria para escrever tudo no 11º mês do 14º ano) e que é descrito pelo corpo editorial do BP com bastante afeto: “Além de um profundo intelectual, Jordan Peterson é capaz de criar frases que geram real impacto nas pessoas”. 

Também é descrito como o homem que tem “coragem de tocar em temas sensíveis e a habilidade de explanar argumentos complexos com simples frases”. Fãs ou haters? Qualquer um que consegue “explanar” temas complexos com frases simples, na minha opinião, está mais perto de uma poça d’água do que de um oceano profundo. Simplificar o problema em uma frase não simplifica o problema em si (e eu acabei de fazer isso – enfim, a hipocrisia). 

Tendo em vista a importância e proeminência do senhor PhD, é perfeitamente compreensível que Cris tenha sido convidada. Como o evento era pago (com ingressos esgotados), também é compreensível que ela tenha ficado grata pelo convite na faixa – não que ela tenha dificuldade de pagar esse ou qualquer ingresso. Mas foi amadorismo ter postado, sabendo que o BP tem posicionamentos ligados à direita e que se coloca a favor da PL que criminaliza as mulheres que cometem abortos, penalizando-as com o mesmo tempo de reclusão previsto para o homicídio (ou seja, equipara a mulher que faz um aborto com um assassino). Endossar a opinião de que o aborto é assassinato para agradar conservadores? Nenhuma novidade também. 

Deixando claro: não foi a Cris Junqueira que endossou essa opinião, foi o Brasil Paralelo. Ela mesma nunca se posicionou sobre o assunto. Mas apenas esse agradecimento fez os amantes do Roxinho se sentirem traídos, apunhalados pelas costas. Como assim o banco mais-legal-e-inovador-e-colorido-e-divertido teve uma CEO que OUSA agradecer ao BP por um convite para ver a palestra de um pensador conservador (é um paradoxo usar esses dois termos juntos?). O exposed veio, mana. 

“Como o Nubank abafou um escândalo envolvendo funcionário que criou fórum de ódio”

O site Intercept Brasil, com viés editorial voltado para a esquerda política – o mesmo que conta com a equipe que fez a brilhante investigação da Vaza-Jato, denunciando as irregularidades das relações entre Sérgio Moro e os promotores de justiça na Operação Lava-Jato, publicou uma matéria com essa chamada. 

Caí para trás quando li esse título – não literalmente, porque eu estava sentada, mas imaginei que uma investigação seríssima sobre o Nubank havia chegado pela primeira vez até mim. Li a matéria – a volta foi grande para entender o que estava escrito ali e, principalmente, o que não estava. O Intercept Brasil já havia feito algumas denúncias sobre o Nubank, em relação ao vazamento de dados de usuários e não-usuários. Daí veio esse texto, conectando o Nubank ao CTO do Brasil Paralelo, um antiquerido chamado Konrad Scorciapino. 

Durante esse texto, o Intercept Brasil cita uma reportagem da Agência Pública também sobre o Konrad, contando com mais detalhes parte de sua biografia – e eu só fui entender, de fato, quem era aquele cara de cabelo loiro e costeletas horríveis lendo a matéria da Pública. Antes de chegar até o Konrad em si (se eu pudesse, eu evitaria), uma parte do texto do Intercept me deixou questionando se realmente o autor não sabe como funciona as equipes de Relações Públicas das empresas ou se foi intencional a insinuação: 

“O time de relações públicas do banco digital (Nubank) foi acionado para gerir a crise, e […] revisou o comunicado. Em um documento compartilhado, utilizando o e-mail corporativo, um funcionário do Nubank editou diretamente o texto”. Não entendi o não-entendimento do repórter. Talvez eu faça um exposed aqui, mas é assim que funciona a área de Relações Públicas, quando um mesmo posicionamento se refere a duas empresas diferentes: ambas escrevem e aprovam. Choquei, olha aí o furo de reportagem.

“Mondelez Brasil fecha acordo com SPFC e estádio agora é MorumBIS”: adivinha? Mondelez aprovou, Bis aprovou, SPFC aprovou – e é por isso que demora tanto para ficar pronto, todo mundo que interessa dentro das empresas precisa aprovar. Sim, é uma trabalheira danada fazer parte da área de comunicação corporativa. Pelo jeito que vai o jornalismo, talvez logo você tenha algum contato com esse lado do balcão, querido autor. Faz parte da função de RP tanto quanto faz parte do trabalho de jornalismo a apuração bem feita – não foi o caso da matéria do Intercept Brasil. 

Imagem de post do 55chan

Voltando para a história da “melhor banda de todos os tempos da última semana”, que, nesse caso, é o nerd-programador-mais-famoso-dos-últimos-Trending-Topics, Konrad Scorciapino. Em 2007, Konrad fundou o site 55chan – um tipo de portal bastante comum na internet, dividido por fóruns, que não são nada mais do que tópicos de discussão, onde os próprios usuários fazem os conteúdos e postam anonimamente. O mais famoso dos “chans” é o 4chan, conhecido mundialmente.

Alguns dos fóruns de “chans” são bem extensos – são anos de debates sobre um mesmo assunto, com usuários que acompanham frequentemente as interações e outros que deixam ali seus dois centavos (com os quais não se pode comprar nada) e vão para outro assunto, em outros fóruns. Existem, de fato, diversos temas sendo falados, desde programação e desenvolvimento de softwares até dicas sobre como destravar fases de videogames ou dar golpes mais complexos no Mortal Kombat. 

No entanto, nem todos os fóruns são feitos de conteúdos inocentes ou informativos. Protegidos pelo anonimato, pelo menos aparente, os usuários dos “chans” comentam em alguns sobre opiniões, ideias e atividades criminosas, fazendo apologia a elas – o esgoto do que se pode encontrar na internet: pedofilia, tortura, abuso sexual, supremacia branca, chacinas contra imigrantes, atiradores de massa, misoginia e violência contra mulher, assassinatos, stalkers, racismo, exposição de dados pessoais para promover ataques, enfim, tudo o que de pior a humanidade produziu, enquanto sociedade civilizada. Usar anonimato para destilar ódio e cometer crimes virtuais? Outra novidade para ninguém. 

Foram nos rincões dos “chans” que nasceram os Incels, celibatários involuntários – ou seja, homens jovens que foram rejeitados romântica e sexualmente pelas mulheres e, por isso, declararam guerra a 51% da população. São revoltados online que acham que as mulheres deveriam, sim, se interessar por eles, nós devemos isso a eles. Afinal, qual de nós não gostaria de se relacionar com um homem adulto que passa o dia discutindo bobagem em fóruns anônimos, sentado no porão da casa da mãe, enquanto se entope de coca-cola e salgadinho? (Estereotipei – são muitos episódios de “Law and Order SVU” vistos ao longo dos anos). Mulheres são mesmo ingratas, só querem saber de dinheiro.

Konrad sabia o que acontecia nos fóruns do 55chan. Ele mesmo postava em outras redes sociais opiniões ofensivas e bastante conservadoras sobre imigrantes, mulheres, homossexuais – até mesmo negação do Holocausto. Nos fóruns de seu site, publicava anonimamente, com teor ainda mais agressivo, e, em algumas postagens, assinava como “K”. Dessa forma, ele virou uma espécie de herói entre os frequentadores dos fóruns, jovens que o idolatravam por ser o corajoso criador do espaço preferido dos covardes. 

Em 2010, vendo que administrar o 55chan dava muito trabalho – principalmente quando as autoridades começaram a investigar os fóruns por associação criminosa, crime de injúria, crimes virtuais e conspiração – Konrad vendeu o domínio do site, que depois se tornou o BRchan, na ativa até hoje – o maior “chan” do Brasil. Seus fãs continuavam dizendo que ele mudou a vida das pessoas, que era amado por milhares – mesmo em momentos onde o 55chan foi tirado do ar pelas autoridades.

Em 2013, Konrad foi contratado pelo Nubank – finalmente cheguei nele. Acontece que Konrad não é apenas um nerd fundador do chan, ídolo de muitos, desconhecido para a maioria – o moço é genial na arte da programação, um verdadeiro talento entre todos os talentosos desenvolvedores de softwares. Resultado: Konrad criou o aplicativo do Nubank. Sim, Konrad viabilizou a existência do maior banco digital de toda a América Latina (é do Brasil-il-il). Tudo começa com um código binário e um sonho. 

Anos depois, em 2016, o líder da área de engenharia do Nubank, época em que o banco já havia conquistado mais de 1 milhão de clientes por meio de suas campanhas digitais muito roxas e adoráveis, foi convidado para palestrar no evento da Associação Python Brasil. Para você que, assim como eu, sabe pouco sobre isso, Python é uma linguagem de programação bastante querida pelo pessoal de TI, por ser flexível, servir para um monte de funções, ser facilmente entendida, fornecer códigos pré-prontos e ter a capacidade de aprender comandos, conforme vai sendo usada. Também não tem nada a ver com as cobras do Instituto Butantan.

Quando Konrad foi anunciado no evento como palestrante (ele e Jordan Peterson têm isso em comum), houve muitos protestos dos participantes, denunciando que ele era o criador do infame 55chan, reduto de ódio da internet brasileira. Inclusive, nessa época as chacinas escolares e linchamentos estavam sendo incentivados pelos frequentadores dos fóruns – o massacre da escola de Suzano foi um dos fóruns com maior adesão, assim como o #Gamergate, campanha online organizada para atacar de forma misógina e expor dados pessoais de mulheres gamers. 

Escritório Nubank | Imagem: Divulgação

Os participantes exigiram que ele fosse excluído do evento – e ele foi. Aí entrou o Nubank para “abafar” o caso – é sobre isso que o parágrafo que cita o time de Relações Públicas do banco, na matéria do Intercept Brasil, fala. Konrad ainda era funcionário do Nubank e foi exposto por suas práticas. No atual emprego, segundo colegas da época, era visto como um moço de opiniões fortes, controversas e conservadoras, mas ninguém ligava muito, porque, afinal, não é coisa que mereça dedicação de tempo mesmo. A grande questão é: Nubank decidiu não demitir Konrad. 

Esse é o segredo obscuro revelado pelo Intercept Brasil. Na verdade, eu não vejo surpresa nenhuma em um banco que está investindo agressivamente em seu crescimento e obtenção de lucros, já de olho no IPO (abertura de capital para negociar ações na bolsa de valores), tenha optado por manter seu programador mais capacitado na equipe. Colocar os resultados positivos da empresa (especialmente sendo um banco que, por definição, é feito para gerar lucro) acima dos ideais? Mais um ponto para “novidade nenhuma”.   

Nubank “abafou” o caso, não para proteger ninguém e tornar-se cúmplice, mas em benefício próprio. Evitou a polêmica e mitigou os riscos, já que demitir o moço que colocou o app no ar não era uma opção viável naquele momento, do ponto de vista de negócios. Konrad permaneceu no Nubank por mais dois anos, para indignação do Intercept Brasil, e depois migrou – para onde? Para o Brasil Paralelo. Assumiu na produtora de conteúdo o cargo de CTO (diretor de TI) e ficou responsável por todas as ferramentas tecnológicas da plataforma.

“Mão e luva. Luva e mão. Nosso encontro parecia perfeição” – quase consigo ouvir a canção de Adriana Calcanhotto sendo entoada: a música do casal #KonradParalelo – e o pessoal da direita engrossa o coro – o que Deus une, nenhum homem separa. Hoje, o BP é a empresa que mais investe em anúncios online no Brasil (mais do que o Governo Federal) e tem cerca de 400 mil assinantes.

“O Nubank apoia a disseminação de pornografia infantil na internet?”

Post Erika Hilton | Imagem: Reprodução/Perfil X (Twitter)

Já respondo logo de cara: não, o Nubank não apoia disseminação de pornografia infantil na internet, nem chacinas nas escolas, nem a PL do Estupro, nem a versão do agressor em casos de violência doméstica. Essas questões, pouco pertinentes, foram levantadas em uma thread no Twitter (atual X), postada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL) – semanas depois da reportagem do Intercept Brasil ter sido publicada, mas poucas horas após o print dos stories de Cristina Junqueira ter virado polêmica. 

O Nubank e a Cristina Junqueira já se posicionaram, dizendo que não são parceiros do Brasil Paralelo e não apoiam as opiniões do BP. O banco deixou claro que é apartidário, não segue nenhuma ideologia e mandou todo mundo procurar o que fazer em vez de ficar criando polêmica em cima da marca para aparecer (essa última parte fui eu que adicionei). 

Posicionamento oficial: “O Nubank tem uma postura apartidária e não se associa a movimentos políticos, religiosos ou ideológicos. Possuímos um Código de Conduta que promove os direitos humanos, estabelece um padrão ético rigoroso, e não tolera atividade ilícita, discriminatória e abusiva de nenhum tipo. Reiteramos que Cristina Junqueira não tem qualquer parceria com os organizadores do evento, e que o Nubank não patrocina essa organização nem endossa seus conteúdos”.

Depois da thread de Hilton, diversas pessoas começaram a se manifestar no Twitter (atual X), alegando que iriam cancelar suas contas no Nubank – e instruindo outras pessoas a fazerem o mesmo. Boicote ao Roxinho! Sabe o que aconteceu? Nada. As ações do Nubank, listadas na NYSE (bolsa de valores de Nova York), deram uma pequena oscilada, sofrendo uma queda de cerca de 1,5% no dia que aconteceu a polêmica – e voltaram a subir. Em 20 de junho de 2024, os ROXO34 (código dos certificados emitidos e negociados no Brasil das ações do Nubank na NYSE) operaram em alta histórica, fechando o mercado com valor de R$10,92. Isso mesmo, Nubank atingiu seu preço máximo histórico, considerando os últimos 2 anos e meio. 

Enquanto isso, a pornografia infantil, que realmente corre livremente pela internet – inclusive em posts abertos no Instagram de páginas de instituições que nasceram com o propósito de combater a exploração infantil – continua impune. Conteúdos em que a pedofilia é caracterizada como doença, atraindo todo tipo de pedófilo que passa por lá para se manifestar: “sim, somos doentes. A sociedade não entende nosso amor pelas crianças”. 

Sem investigação por parte dos políticos ou jornalistas de esquerda. Sem denúncia de que, em três cliques, é possível acessar comunidades onde pedófilos compartilham imagens de crianças e pré-adolescentes entre si, e comentam coisas como: “Deliciosa, mas preferia que fosse mais nova. Até os 4 anos me agrada mais”. Perfis abertos no Instagram, nos quais pedófilos são seguidos por outros pedófilos, que seguem dezenas de crianças, algumas delas “influencers”, com perfil verificado na rede – casos verídicos, com conteúdos que seguem no ar, apesar das denúncias.  

Se você chegou até aqui, merece ler as conclusões em tópicos 

  • Passamos os últimos seis anos criticando e ridicularizando o modus operandi da imprensa de direita, que apoia o Bolsonaro e divulga notícias falsas frequentemente (inclusive, BP já foi citado algumas vezes na CPI da Covid por esse motivo) – e estávamos cobertos de razão. 
  • A imprensa com direcionamento de esquerda e progressista precisa, urgentemente, rever seus métodos – ou adotar métodos que indiquem que o trabalho foi bem feito. Vamos começar a passar frio, nessa altura do campeonato?
  • É ótimo que os veículos de imprensa deixem seus posicionamentos e alinhamentos ideológicos explícitos para os leitores. Não dá para usar tais posicionamentos para omitir informações ou influenciar as pessoas. Regra número 1 do livro “Como fazer amigos e influenciar pessoas”.
  • Deputados e deputadas, temos INÚMEROS problemas reais em relação aos crimes virtuais de exploração e violência sexual, incluindo pornografia infantil. Usar o Twitter (atual X) para engajar, fazendo barulho sobre um grande nada, é irresponsável. Parafraseando a própria Erika Hilton: “Vai se cuidar, vai hidratar o cabelo”.
  • Twitter (atual X) não é vida real, pessoal. Faz parte dela, mas a realidade não se resume aos Trending Topics. Saiam um pouco do Twitter (atual X). 
  • Placar final:  Nenhuma Novidade 4 X Choquei 0, fora o baile. Homens misóginos e violentos sempre existiram. Espaços onde as pessoas postam as coisas mais odiosas e criminosas já pensadas existem desde a invenção da internet. Agressão verbal disfarçada de liberdade de expressão é uma realidade há centenas de anos.
  • Concordo que os fóruns anônimos deveriam ser extintos. Há diferença entre quando uma pessoa fala suas bobagens delirantes e perigosas para as paredes de casa ou para mais duas outras pessoas delirantes e quando ela se juntas com mais dezenas de delirantes em discussões anônimas – essas pessoas começam a achar que têm razão, que representam uma parte significativa da população – e que precisam agir. 
  • Como nos ensinou o jornalista Ricardo Boechat (nas palavras de Boris Casoy, uma trincheira pela democracia e cidadania), “Não dou palanque para otário”. Parem de dar espaço para esses palhaços que poderiam protagonizar o filme “IT – A Coisa”. 
  • Nubank é um banco, faz parte da gama de empresas que mais lucra nesse país, independente da situação em que estamos – e vai atuar para continuar nesse patamar. Não consigo acreditar que os clientes caíram no conto do Marketing e descobriram isso ontem. 
  • Desconfie quando uma notícia preenche todos os seus fetiches de perversão: banco malvado, relações obscuras com os direitistas, pornografia infantil, crimes de ódio – todos esses assuntos no mesmo pacote deveriam, pelo menos, colocar uma pulguinha atrás da sua orelha esquerda. 
  • Senso crítico faz bem para a saúde.