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Viajantes misturando trabalho e lazer hoje já criaram um mercado com potencial de 44 bilhões de novas reservas hoteleiras por ano

Uma das transformações mais fortes e visíveis no setor turístico dos últimos tempos foi estreitar as fronteiras entre trabalho e lazer. Consequente dessa nova relação amigável – e às vezes até dependente – surge o chamado “nomadismo digital”.

Basicamente, o nômade digital é aquele que transforma o mundo em sua casa e, também, seu escritório: profissionalmente falando, ele não precisa de um local fixo, seu formato de trabalho é online/digital. Sendo assim, desde que haja internet, é possível que essa pessoa possa trabalhar cada dia de um lugar diferente.

E engana-se quem pensa que essa possibilidade existe apenas para jovens, blogueiros e que trabalham no universo das redes sociais. Marisa Porto, terapeuta de 64 anos e dona do perfil @nomadedigitalaos60, conta que, em 2017, no auge dos seus 60 anos, começou a se questionar o que faria após a aposentadoria.

Ela, que trabalhou por 30 anos em uma escola e estava prestes a aposentar, convivia com pessoas, inclusive com uma chefe, que falavam “Deus que me livre, aposentar e ficar em casa sem fazer nada”. E Marisa pensava totalmente o oposto: “eu via pelo outro ângulo: quando eu me aposentar, eu vou poder fazer tudo, tudo que eu quiser. Até não fazer nada, se eu quiser fazer nada. Então como viajar é uma coisa que eu gosto muito, me inspira, me dá prazer e muita alegria, resolvi criar o projeto Nômade Digital aos 60”, comemora a terapeuta.

No início do projeto em 2017, Marisa viajou por 7 meses pelo sudeste, nordeste e sul do Brasil. Em seguida, no ano de 2018, viajou por mais 10 meses por várias cidades do Brasil, Portugal e França. Assim seguiu até 2019, ano em que passou viajando pelas terras brasileiras, e logo em seguida veio a pandemia.

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Marisa Porto. Foto: Arquivo pessoal

Enquanto está com o pé na estrada, ela faz atendimentos, palestras, cursos e consultorias. É terapeuta Feng Shui, uma técnica chinesa de Arrumação de Ambientes, além de Terapeuta Floral.

“Aos 60, quando muitas pessoas pensam em datar o fim da linha, a gente tem essa possibilidade de começar uma nova história. Aos 60, as pessoas têm muitos sonhos que ainda não foram realizados, e é um ótimo momento em que temos toda a consciência e sabedoria”, conta.

Como a pandemia fortaleceu o nomadismo digital

Viajantes misturando trabalho e lazer hoje já criaram um mercado com potencial de 44 bilhões de novas reservas hoteleiras por ano. Dados da Pnad Covid, divulgados pelo IBGE, apontaram que, em novembro de 2020, havia 7,3 milhões de brasileiros trabalhando remotamente. Internacionalmente, as estimativas são que o número de pessoas trabalhando remotamente chegue a 1 bilhão até 2035.

O nomadismo digital vem dando tão certo que diferentes destinos estão fazendo grandes campanhas internacionais para atrair viajantes interessados em trabalhar remotamente a partir de seus albergues, pousadas, apartamentos, villas e hotéis. Dubai e Ilha da Madeira, por exemplo, criaram durante a pandemia campanhas milionárias para tentar convencer estrangeiros que trabalham remotamente a viver em seus territórios.

O Brasil não fica para trás nessa tendência: Rio de Janeiro capital lançou uma campanha, esperando tornar-se o primeiro polo de nômades digitais da América do Sul. A ideia da campanha conjunta da Riotur e da Prefeitura do Rio é convencer viajantes brasileiros e estrangeiros a viajarem para a cidade e se tornarem “moradores temporários”, vivendo e trabalhando dali por algum tempo.

A campanha Rio Digital Nomads usa o slogan seja carioca pelo tempo que quiser”.

Um site criado especialmente para a campanha reúne informações sobre os diversos estabelecimentos parceiros, que incluem desde albergues super econômicos até hotéis de luxo, como o Belmond Copacabana Palace.

Brian Chesky, CEO do Airbnb, disse recentemente que a pandemia gerou “as mudanças mais profundas no turismo desde a invenção da aviação comercial”. Para essa plataforma de aluguéis de temporada, o estreitamento das fronteiras entre trabalho e lazer foi tão significativo em seu negócio que Chesky já se apressou em dizer em entrevistas por aí que agora tem “um negócio ligado à moradia e não mais um negócio ligado a turismo”.

No auge da pandemia, os aluguéis mundiais do Airbnb quase pararam, e foi graças à disseminação do home office pouco tempo depois que Chesky viu sua plataforma ganhar vida novamente. Turistas do mundo inteiro passaram a alugar imóveis de temporada por períodos longos para trabalhar remotamente de outro endereço e, assim, a empresa se reergueu. Seu valor de mercado superou os US$ 100 bilhões!

Liberdade geográfica

“Sou uma pessoa que gosta de viver o diferente, entende? Para mim, hoje, mesmo se eu pudesse, não compraria um imóvel de milhões de reais para criar raízes em um só lugar. Na verdade, até compraria, mas alugaria para viver com o dinheiro do aluguel rs”. Essas são palavras da paulista Anne Streich, de 34 anos, que, em 2013, depois de alguns anos trabalhando como CLT em academias em São Paulo, largou a estabilidade da carteira assinada e resolver virar autônoma, dando treinos particulares em Condomínios.

Apesar de ter sido uma decisão difícil por conta do risco, essa foi a forma que Anne encontrou de conseguir ter flexibilidade para conseguir viajar cerca de 4 vezes por ano, entre feriados e férias que ela mesma estipulava. Mas a vontade de viajar ia além: em 2018, decidiu fazer um mochilão para Ásia de quase um ano. E foi quando voltou, que ela estava decidida que queria liberdade para poder trabalhar de qualquer lugar do mundo.

Foi na pandemia que a área profissional de atuação da personal trainer se adaptou para ser realizada de forma online. “Até então, era bem raro esse tipo de atendimento. E aí consegui alguns alunos com valores mais acessíveis dentro desse modelo de treino online”, comemora. Mas por se preocupar com padrão de qualidade e com a saúde de seus alunos, Anne só atende de forma online quem tem experiência com treinamento e que, assim, dificilmente vai se machucar.

Para além do universo dos exercícios físicos, a paulista, que sempre gostou de escrever, começou a aprofundar seu conhecimento em criação e estratégias de conteúdo para redes sociais, e hoje também trabalha nessa área.

“Era extremamente difícil me encaixar nessa rotina da vida padrão de acordar às 5h, pegar trânsito, esperar o fim de semana para fazer alguma coisa que geralmente era beber em algum bar. Por mais que tivesse mais flexibilidade por ser autônoma, ainda me faltava essa liberdade geográfica. E então arrisquei tentar aprender um trabalho diferente da minha área para ter essa liberdade”.

Mas Anne deixa bem claro: não foi fácil deixar a estabilidade de ser personal trainer em São Paulo para trabalhar online. Ela conta que, na época, tinha uma estabilidade financeira 10 vezes maior do que a atual, mas que não era suficiente para lhe fazer feliz.