O papel das escolas e famílias no processo de alfabetização
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Por: Jacqueline de Freitas Cappellano, coordenadora pedagógica da Escola Internacional de Alphaville
Quando se trata do processo de alfabetização, em primeiro lugar é importante pensarmos nos marcos do desenvolvimento infantil e nas aprendizagens naturais que estão ligadas às nossas condições biológicas.
O andar e o falar da criança pequena, por exemplo, são aquisições naturais do ser humano, salvo algum caso de incapacidade muito sério – ou seja, somos biologicamente capacitados para falar e andar.
O mesmo não acontece com a aquisição da escrita e da leitura, duas habilidades humanas que são invenções culturais. Se pensarmos em termos de evolução, ambas são recentes, desta forma, por não ser natural, o aprendizado da leitura e da escrita exige instrução explícita.
É necessário o uso de estratégias bem planejadas para que a alfabetização ocorra. Hoje, por meio de estudos e exames avançados do cérebro, sabemos que existe um funcionamento específico das redes neurais da leitura. É possível inclusive fazer uma analogia entre as redes neurais do cérebro humano com o entrelaçar de uma corda.
A psicóloga americana especializada em alfabetização Hollis Scarborough, cunhou a expressão The Rreading Rope, ou “corda da leitura” para se referir a este processo tão complexo que é a aquisição da leitura e da escrita. A estudiosa aponta para as várias ramificações do cérebro, compostas de fios inferiores e superiores. Quando todos esses componentes se entrelaçam, resultam em uma leitura habilidosa, precisa, fluente com forte compreensão – cumprindo objetivo final da leitura, que é sempre o da compreensão do sentido do texto.
Porém, para que a criança chegue ao estágio da leitura e da escrita, ela precisa previamente exercitar uma série de habilidades preditoras que conduzam a este fim. Ainda na Educação Infantil, é preciso que ela tenha a oralidade bem estimulada, que possa desenvolver vocabulário rico, e que participe de sessões de leitura em voz alta com frequência desde bem pequena.
Para uma alfabetização plena, é necessário que a escola realize um trabalho baseado em evidências e que trabalhe com os componentes que mais impactarão no sucesso da leitura e da escrita. Os estudos mais robustos e recentes sobre o tema apontam, como essenciais para a leitura fluente, o desenvolvimento das habilidades de consciência fonológica, que englobam rimas, aliterações, o conhecimento do princípio alfabético, assim como a consciência fonêmica. A partir destas aprendizagens e habilidades iniciadas ainda na Educação Infantil, a criança será capaz de fazer a correspondência letra-som, isolar, juntar e manipular os sons das palavras e desta forma decodificar o texto lido.
As evidências e pesquisas confirmam que a decodificação não apenas é relevante, mas essencial para a formação do bom leitor. A decodificação é a capacidade de aplicar o conhecimento das relações letra-som (fonética) para pronunciar corretamente as palavras escritas. Compreender essas relações dá às crianças a capacidade de reconhecer palavras familiares rapidamente e descobrir palavras que nunca viram antes. A ideia é que ao longo do processo a decodificação seja uma habilidade automática, para que o cérebro da criança se concentre na compreensão do texto e não nos seus aspectos visuais e sonoros. É preciso que a criança esteja com estas habilidades preditoras bem sedimentadas para alcançarmos a compreensão do texto lido.
Além disso, o conhecimento prévio acerca de diferentes assuntos, um componente essencial na aprendizagem, também impacta na aquisição da leitura e da escrita, pois ajuda a criança a dar sentido a novas ideias e experiências. Ter conhecimento sobre uma variedade de assuntos, tópicos e ideias torna mais provável que a criança entenda o que está lendo e assim possa acrescentar ao seu corpo de conhecimento.
Outro aspecto importante é a aquisição de um vocabulário extenso e rico, que permita que os leitores entendam o que estão lendo. Para um futuro leitor com vocabulários auditivos e orais ricos, será mais fácil ler textos que contenham palavras que nunca viu impressas antes. Se o aluno puder usar suas crescentes habilidades de decodificação e combinar seu resultado com uma palavra cujo significado já conhece, ele ficará mais confiante em suas habilidades e gastará menos esforço geral na leitura de um texto.
A família pode e deve contribuir significativamente para o processo de alfabetização dos filhos, facilitando o acesso a livros de diferentes gêneros textuais, chamando a atenção da criança para o mundo letrado à sua volta, levando-a a livrarias e espetáculos infantis.
Outra contribuição essencial dos pais e responsáveis é a da prática da leitura em voz alta. A criança pequena constrói o sentido da história ao ser questionada, após a leitura pelo adulto, sobre sua parte favorita, os personagens, a ordem dos acontecimentos na história, o final, entre outros. Os pais podem ainda promover momentos lúdicos em que nomeiam e brinquem com as letras, fazendo brincadeiras que trabalhem com os sons das letras, com rimas e outros jogos de linguagem.
Sendo assim, é essencial que saibamos que somente uma abordagem baseada em evidências e que garanta instrução explícita e consistente dos componentes acima citados já na Educação Infantil, irá contribuir para a formação sólida de leitores e escritores competentes no futuro.
A autora: Jacqueline Cappellano é pedagoga, pós-graduada em Bilinguismo e coordenadora da Educação Infantil da Escola Internacional de Alphaville. É uma grande entusiasta da Educação Bilíngue e fascinada pelo universo da educação infantil. Enxerga no intercâmbio entre ideias e culturas, um caminho para a paz entre os povos.
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