Por Marta Dueñas, Jornalista 
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A pobreza menstrual tira uma em cada quatro meninas da escola

Sim, as mulheres, no Brasil, sangram. E o sangue feminino é marcado por ódio, desejo e tabu. O país ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo dados das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Ficamos atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia no número de assassinato de mulheres. O Brasil mata as mulheres. Isso é fato. Mas além do ato, o Brasil mata no simbólico. O mapa da violência do Conselho Nacional de Justiça mostra que o número de mulheres assassinadas aumentou no país e, atualmente, temos um cronômetro macabro de uma mulher assassinada a cada duas horas. A maioria dos crimes é cometida por maridos e namorados. As motivações mais comuns são desejo, posse e controle sobre o corpo feminino.

E é sobre o corpo feminino que vou falar. Nós, mulheres, sangramos, e o país vira as costas para esse derramamento. Nos matam, nos estupram, nos assediam e a culpa segue sendo nossa. Temos que pedir autorização dos companheiros para uso de métodos contraceptivos como DIU enquanto eles tiram camisinha sem avisar durante o sexo. Se uma mulher transar com 342 homens por ano, ela pode ter apenas uma gestação completa. Se um homem fizer o mesmo, ele pode causar 342 gestações e só falamos em contracepção feminina. Sem falar que, há poucos dias, assistimos incrédulas à absolvição do estuprador do caso Mari Ferrer, mesmo com tudo documentado e após audiência on-line que ganhou o mundo pelo desrespeito à vítima. O sangue feminino no Brasil  se esvai com a pressão do machismo entranhado nas relações sociais.

O mais novo tapa na cara da mulheres brasileiras é o veto do presidente Jair Bolsonaro ao item mais importante do PL 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE) e outros 34 parlamentares, que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio e mulheres em situação de vulnerabilidade que menstruam. A proposta prevê a disponibilização de absorvente a mulheres por meio do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual junto às cestas básicas que são entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Além disso, o projeto sugere desenvolvimento de campanhas públicas informativas sobre a saúde menstrual e as consequências para a saúde da mulher.  O presidente sancionou a lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (14.214/21), mas vetou um dos principais pontos da proposta, como a previsão de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes carentes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de rua e presidiárias.

As mulheres estão, novamente, vetadas no país. Sangrar mensalmente é uma luta diária. Para além de vencer estigmas e tabus impostos pela cultura patriarcal, mulheres e meninas precisam recorrer a papelão, sacos plásticos e panos para estudar e trabalhar durante o período menstrual. Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 4 milhões de jovens, no país, não têm itens básicos de higiene nas escolas quando estão menstruadas e 713 mil delas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio. O Brasil ainda vai ampliar a precariedade quando combinar tudo isso com a falta de água, que já é realidade em muitas cidades.

A falta de acesso a absorventes por conta da ampliação da pobreza tem efeito nefasto em nossa sociedade. Além de afastar mulheres e meninas do trabalho e estudos, a precariedade de recursos e o improviso para atender à demanda do período menstrual tem riscos diretos como infecções e até infertilidade. É sim uma pauta de saúde pública e é sim um direito. Mas este governo mostra cada vez mais que vira as costas para as mulheres em nosso país. E esse descaso ainda aumenta os gastos com internações ginecológicas.

Uma em cada dez meninas no mundo deixam de ir à escola quando estão menstruadas. No Brasil, estima-se que seja uma em cada quatro. Falta de condição financeira para comprar absorventes e de estruturas sanitárias estão entre as causas do problema batizado de pobreza menstrual e reconhecido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A evasão escolar é, portanto, outra consequência gravíssima que a falta de política voltada à saúde das mulheres causa.

A pobreza menstrual é literal. É caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de mulheres para cuidados que envolvam a própria menstruação. É fruto da desigualdade social, racial e de renda. A ação do Estado é urgente no sentido de restaurar a dignidade das mulheres. É irreal pensar em igualdade sem respeitar nuances e características tão peculiares da saúde das mulheres. Não há igualdade sem respeitar diferenças. Eis uma complexidade que o presidente é incapaz de compreender. E o mais chocante é ver mulheres que acompanham este pensamento. Continuamos sangrando pelas mãos dos homens na violência e nos vetos.