O orgulho é o apelido da resistência
Por: Marta Dueñas, jornalista
E-mail: marta.duenas@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
“Ah tudo bem ser gay, mas por que tem que ficar anunciando?” “Eu sou hétero e nunca precisei falar disso.” “Esses temas íntimos podem ficar entre quatro paredes.” “Não precisa ficar beijando em público, parece de propósito.” “Homens que querem parecer mulher e mulheres que querem parecer homem, pra que?” “Eu sou hétero e não preciso ter orgulho disso, só sou”.
Com essa última frase encerrei minhas buscas por opiniões e comentários extraídos de redes sociais. Os autores serão poupados da fama repentina. A última frase, pinçada pela genialidade, digamos assim, me convida a dar o tom dessa coluna. Realmente hétero não precisa ter orgulho, primeiro porque há muito a se envergonhar num sistema patriarcal e violento e segundo porque, de fato, numa sociedade normativa, quem segue aquilo que se pinta como fluxo não precisa temer pela sua existência, portanto, orgulho para que?
O Brasil assassinou uma pessoa LGBTI+ a cada 32 horas no ano de 2022. Esse número coloca o país no topo do ranking de mortes LGBTI+ no mundo, ou seja, é o país que mais mata gays, lésbicas, pessoas não binárias, pessoas trans em todo o planeta. No mundo, 11 países criminalizam formalmente as relações afetivas da comunidade. Ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo gênero é um crime que pode ser punido com a pena de morte em países como Arábia Saudita, Irã e Nigéria. Além da pena de morte, outros 68 países proíbem as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo punindo com sentenças como prisão e até castigos físicos.
Portanto todos, todas e todes que resistem, existem e desenvolvem seus trabalhos e projetos nesse contexto de risco e violência devem se orgulhar por clamar pela vida, pela liberdade, pela realização.
No Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas se identificam como pessoas LGBTQIA+, o que representa cerca de 10% da população. A coragem e a força necessárias para assumir suas vidas quando o perigo está em todas as relações e podem culminar em morte são incomensuráveis.
Ainda que nosso país tenha uma imagem internacional progressista, avançando em legislação de direitos sociais, os últimos anos foram marcados por estagnação e retrocesso. Para se ter uma ideia, o relatório mundial da Transgender Europe, que monitora e registra assassinatos de transgêneros em 71 países, aponta que entre 2016 e 2017 o Brasil foi responsável por 52% dos casos em todo mundo. Vale lembrar que os números são subnotificados, visto que ainda não há uma rede de acolhimento consolidada para essa população. E pior, muitas vezes, é o próprio Estado que comete a violência. Então essa alegria, essa liberdade e essa amorosidade designada ao povo brasileiro aprece esconder uma face muito cruel.
Nenhuma dor é maior que a outra, mas é importante destacar que na população LGBT, o grupo que mais corre riscos é o transgênero. As estatísticas nacionais acompanham o levantamento internacional e o Brasil se configura um país que discrimina e aniquila essas pessoas. Estima-se que 90% da população trans no Brasil se prostitui como única fonte de renda e possibilidade de subsistência. Esse dado tem diversas causas e, dentre elas, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, deficiência na qualificação, abandono e exclusão familiar e escolar. Uma vida marcada pela precariedade cuja expectativa de vida é de dilacerantes 35 anos.
A escalada da violência contra essas pessoas é marcada pelo preconceito, fundamentalismo da extrema direita e da heteronormatividade presente no ambiente político. Também por isso, é preciso ir à rua com orgulho. Para mostrar-se vivo apesar de todas as adversidades. Se uma parte do Brasil coloca o país no topo do ranking de mortes por transfobia, 4 milhões de pessoas faz a maior Parada do Orgulho LGBTQIA+ do mundo!
Você não precisa ir ao evento com bandeira colorida para escolher de que lado vai estar. Mas se você não estiver do lado dessa comunidade, você marca posição junto ao lado que mata.