Apesar de ser uma indústria majoritariamente feminina, o setor da moda também sofre reflexos do machismo estabelecido socialmente
 
Por Regina Fiore Ribeiro- Repórter São Paulo

A indústria da moda é uma das mais lucrativas no mundo, porque se baseia principalmente na construção das marcas, sem de fato ter um alto valor no produto que vende. O que diferencia um vestido comprado na Terezinha’s Moda de um vestido da Dior se não a construção de marca feita em torno de uma das mais fetichizadas marcas francesas?
 
Por falar em França, é lá onde a moda movimenta suas mais altas cifras: 2,7% do PIB francês, porcentagem maior do que a do setor automobilístico e aeronáutico. A indústria dos grandes desfiles fatura perto dos 150 bilhões de euros, de acordo com pesquisa do Instituto Francês da Moda. No Brasil, o setor deve crescer 3,1% por ano até 2021, muito acima da previsão de crescimento do PIB do país.
 
Se a moda é tão representativa para as empresas é porque os consumidores veem nela uma forma não só de se vestir, mas de se sentir representado em sociedade. A moda delimita vários parâmetros da vida moderna: classe social, status, escolhas de vida e, principalmente, gênero. As mulheres são a maioria no perfil do consumidor de moda, basta olhar os principais e-commerces ou lojas em shopping centers para notar que o setor feminino é mais variado, maior e, geralmente, com preços mais altos. O mercado de moda feminina global é estimado em 621 bilhões de dólares contra 402 bilhões de dólares do mercado masculino. Mas isso não impede que a moda absorva grande parte do machismo presente em qualquer outro setor.
 
A mão de obra do setor também é predominantemente feminina: 85% dos trabalhadores de moda no mundo são mulheres. Porém, das 50 maiores marcas do mundo, apenas 14% são lideradas por pessoas do sexo feminino. Entre os 10 CEOs mais bem pagos da indústria, não há uma mulher sequer. Ou seja, as mulheres formam a grande base da pirâmide da indústria, a mão de obra barata que garante o altíssimo lucro de marcas de luxo, mas não chegam aos altos cargos executivos por causa da desigualdade de gênero em oportunidades e reconhecimento. Além disso, para as consumidoras, a moda é usada como comedimento.
 
Repressão X Expressão
 
Para as mulheres, muito mais do que para os homens, o uso da moda tem sido definitivo em alguns aspectos relevantes da vida e até em questões de violência sexual. No mercado de trabalho, por exemplo, o dress code estabelecido pela maioria das empresas tem muito mais regras para elas do que para eles, principalmente em relação ao que se mostra ou se esconde do corpo feminino, que é extremamente sexualizado mesmo em ambientes corporativos.

Enquanto isso, pesquisas passadas já apontaram que os homens consideram a roupa um fator determinante para tentar justificar violências sexuais como estupro e assédio. Ou seja, a moda impacta até mesmo na segurança das mulheres. Em diversas culturas, não só nas ocidentais, a forma de se vestir determina se uma mulher já está na idade de casar, se é uma mulher digna da atenção masculina, se é prostituta ou uma esposa respeitável e recatada.
 
Até mesmo o nome de algumas peças acabam reproduzindo o machismo da indústria da moda. Nomes que usamos no dia a dia sem questionar ou perceber o que está envolvido.
Alguns exemplos são:
 
Wife beater: expressão americana que significa literalmente “espancador de mulheres” e é usada para designar as regatas brancas masculinas por causa de um homem que foi preso por matar sua mulher a pancadas e na época usava a peça.
 
Baby doll: nome dado aos pijamas femininos mais curtos, o termo se popularizou por causa do filme Baby Doll, de 1956, que retrata uma mulher infantilizada, como uma garotinha, que se torna prêmio de conquista para uma disputa masculina.
 
Tomara-que-caia: popularmente usado para definir vestidos ou blusas sem mangas e sem alças, a expressão sexualiza não só o corpo da mulher como também o coloca como objeto de observação dos homens. “Tomara que caia” para que os seios fiquem à mostra.
 
Fuck me pumps: expressão usada principalmente nos Estados Unidos e na Europa, que literalmente significa “scarpin me foda”,  para se referir ao sapato scarpin de bico fino, que empina o bumbum das mulheres.
 
Outras expressões já foram banidas do mundo da moda, mas continuam acentuando o machismo e a fetichização do corpo feminino mesmo quando o assunto é vesti-lo como forma de expressão individual. A moda, assim como todos os outros setores da sociedade, precisa ser ressignificada em relação ao gênero.
 
Da próxima vez que alguém perguntar se a roupa é de homem ou de mulher, o melhor seria responder: “é de algodão”.