Apesar de as meninas serem as maiores vítimas de crimes como pedofilia e abuso sexual, os meninos também são vítimas e incentivados a se calar
 

Por Regina Fiore Ribeiro- São Paulo

 

Um dos efeitos da masculinidade tóxica é reprimir as emoções e traumas dos homens desde crianças, incluindo questões sérias como o abuso sexual. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o abuso sexual é “qualquer ato sexual ou tentativa de ato sexual, comentários ou iniciativas indesejadas, tráfico ou intenções de tráfico direcionados contra a liberdade sexual de uma pessoa”.
 
De acordo com Alessandra Borelli Vieira, advogada especialista em crimes digitais e diretora da Opice Blum Academy e da Nethics Educação Digital, algumas pesquisas indicam que uma média de 70% de meninas e 30% de meninos são vítimas de pedofilia e abuso na infância. “Há de se considerar, no entanto, que os aspectos culturais muito refletem nesta análise, sobretudo pelo fato de muitos meninos não saberem que estão diante de um abuso e pior, de omitir tal informação por medo ou vergonha, o que é muito comum”.
 
Um estudo feito nos Estados Unidos revelou que um a cada seis homens sofreu algum tipo de abuso antes dos 16 anos. No Brasil, há pouca informações sobre o assunto, mas as denúncias registram uma média de 15 relatos por ano de abuso de meninos, menos de 30% em relação às meninas, mas, ainda assim, alarmante.
Alessandra enfatiza que, no caso do abusador, pesquisas e denúncias indicam que os homens são a maioria, mas existem mulheres nessas estatísticas e alguns indicadores mostram que esse número também cresce. “É difícil identificar esse índice com certeza já que, aparentemente, são pessoas comuns, que não levantam qualquer suspeita. A especialista ainda alerta para os perigos que o mundo digital oferece, tanto para os meninos quanto para as meninas.
 

“Os meninos acessam a internet tanto quanto as meninas e os vejo igualmente vulneráveis. Elas, pelo excesso de exposição nas mídias sociais digitais. Eles, pela massiva e intensa interação nos chats de games, que é importante “porta de entrada” para aliciadores. Ambos, pela indiscutível destreza dos aliciadores e previsível falta de discernimento das crianças”.

 

Apesar disso, o ambiente digital sem sido uma plataforma importante para as pessoas compartilharem histórias de assédio e denunciarem tais práticas. A campanha #MeuPrimeiroAssédio, que ganhou força em 2015, trouxe a tona muitas histórias envolvendo meninos entre 9 e 10 anos que sofreram abusos sexuais e nunca tiveram coragem de denunciar. Alessandra ainda reforçou que é importante distinguir o abusador e o pedófilo. “Nem todo abusador é pedófilo, assim como nem todo pedófilo é abusador. O pedófilo é alguém que sente atração por crianças. Pedofilia é uma doença classificada pela OMS como um transtorno”, explica ela.

 

Para o pedófilo se transformar em abusador, ele precisa de fato consumar algum ato sexual com uma criança, geralmente meninos e meninas que não atingiram ou acabaram de atingir a puberdade. No entanto, a pedofilia também consiste em receber ou ter acesso a imagens de crianças e adolescentes virtualmente. “Os meios digitais facilitaram o modo de abordagem. Tornam ainda mais simples achar a criança, ter informações sobre ela e sobre as coisas que ela gosta”, enfatiza Alessandra.
 
A especialista alerta para os riscos que as crianças e adolescentes podem estar sujeitos nas redes sociais: “as redes sociais tornaram a internet um ambiente no qual se obtém informações sobre os gostos das pessoas, sobre os hábitos de vida dela de forma muito fácil. Sem perceber nós acabamos divulgando muito sobre nós e sobre nossas famílias, sem pensar que todas essas informações podem servir de insumos para pessoas mal intencionadas”.
 
Para os pais mais preocupados, o caminho não é a proibição, de acordo com a advogada.
“Uma conversa franca e constante é, sem dúvida, a primeira e uma das mais importantes providências. Leve a sério a classificação indicativa de jogos e mídias sociais. Explique para seus filhos as razões pelas quais não devem expor tantas informações a seu respeito. Instale softwares de controle parental, mas lembre-se: nada substitui o diálogo
aconselha a especialista que aponta a observação da mudança de comportamento como um indicador de que algo pode estar acontecendo.