Por Sara Café, jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído como forma de lembrar a morte e homenagear a história de vida e luta de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra no País.

Após mais de 300 anos da morte de Zumbi e 134 anos da Abolição da Escravatura no Brasil, muito se tem avançado nos direitos da população negra, mas diversas lutas por igualdade racial continuam necessárias, com longo caminho a ser percorrido.

“A celebração busca a reflexão sobre a posição dos negros na sociedade. Será um mês de aprendizado e muita reflexão do nosso papel enquanto pessoas que buscam uma sociedade mais justa para todos”, afirma o professor João Henrique Viana, especialista em Diversidade e Inclusão. 

Desde o início de 2023, com o retorno do presidente Lula e a criação do Ministério da Igualdade Racial (MIR), a sanção da Lei 14.532/2023 que tipifica a injúria racial como crime de racismo destaca o retorno da democracia com políticas públicas de combate à discriminação racial. No entanto, o abismo social que separa negros e brancos desde o nascimento no Brasil foi exposto em números pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Segundo o estudo Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil, divulgado em 2019, pretos ou pardos somavam 64,2% da população desocupada e 66,1% da população subutilizada; tinham rendimento médio pouco superior à metade do que recebem os brancos; e quase 2,7 vezes mais chances de serem vítimas de homicídio intencional do que uma pessoa branca. 

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Renato Roseno (Psol), um dos mais importantes ganhos para a população negra foi o fortalecimento do próprio movimento negro.

“Esse fortalecimento denuncia e informa a sociedade brasileira sobre a permanência do racismo e da desigualdade racial na nossa sociedade, fruto da escravidão negra, maior sequestro do planeta. Isso deixou raízes na sociedade brasileira que atravessam os séculos e, lamentavelmente, se veem nos indicadores de violência, socioeconômicos, ausência de acesso à saúde e outras áreas”, avaliou o parlamentar.

Bolsa Família, educação e políticas públicas

O Bolsa Família atingiu um número recorde de retirada de 10,7 milhões de pessoas da pobreza em 2023 e uma redução de quase 20% na pobreza do país, resultado do aumento do valor do benefício e orçamento sem precedentes para o programa.

Segundo projeção feita em estudo inédito do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP), realizado a pedido da BBC News Brasil, ainda 45 milhões de brasileiros devem permanecer nessa condição, mesmo após a reformulação do benefício, 32,5 milhões devem ser negros, ou 71% do total.

“O Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil retiraram, em média, 9,9 milhões de pessoas da pobreza por ano de 2020 a 2022 e o novo Bolsa Família tem o potencial de retirar 10,7 milhões de pessoas da pobreza em 2023, em contraste com 1,8 milhão de pessoas por ano resgatadas dessa situação pelo Bolsa Família entre 2012 e 2019, em média”, destacam os economistas do estudo. 

Assim, o Made-USP estima que 82 milhões (47%) de brasileiros viviam na pobreza em 2003 e quase 25 milhões (14%) na extrema pobreza. Em 2023, esses números devem ser reduzidos a 45 milhões (21%) e 3 milhões (1,4%), respectivamente. Sem o novo Bolsa Família, seriam 56 milhões na pobreza (26%) e quase 18 milhões (8,3%) na extrema pobreza este ano, calculam os economistas.

Para os pesquisadores, os números revelam alguns dos limites do programa social que completa 20 anos neste mês de outubro. E o fato de que, segundo eles, “o novo Bolsa Família não pode, sozinho, enfrentar todos os obstáculos estruturais a uma maior equidade e inclusão social”.

Outra mudança estrutural passa também por uma educação antirracista. Foi apenas em 2003, com o início da vigência da Lei 10.639, que a temática afro-brasileira se tornou obrigatória nos currículos do ensino fundamental e médio. Conquista do movimento negro, a lei é a mesma que incluiu o Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar. 

A lei ajuda a preencher uma lacuna de mais de um século de ausência de reflexão nas escolas sobre a população negra e tem o mérito de ajudar “a reduzir danos”. Contudo, apenas o ensino em sala de aula não é suficiente para combater o racismo e as desigualdades enraizadas na sociedade. 

Para além disso, é preciso combater o racismo da sociedade e pensar em novas ações específicas para tirar as pessoas negras da pobreza, incluindo começar a discutir de maneira concreta, do ponto de vista da criação de políticas públicas, a questão da reparação histórica pela escravidão. 

Invisibilidade do trabalho de cuidado

Tema da redação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) de 2023, o trabalho de cuidado refere-se a uma variedade de atividades e responsabilidades relacionadas à assistência e ao apoio a outras pessoas, geralmente em contextos familiares, comunitários ou de saúde. Isso pode incluir o cuidado de crianças, idosos, pessoas com deficiência, doentes ou qualquer pessoa que necessite de assistência. 

Imagem: Dieese

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicam cerca de 21,3 horas semanais nas atividades domésticas e cuidados de pessoas, enquanto os homens dedicam 11,7 horas.

No entanto, ao comparar a proporção do trabalho de cuidado entre as mulheres, o levantamento apontou que as mulheres negras apresentam um índice maior na realização das atividades, 92,7%, enquanto as mulheres pardas têm um índice de 91,9% e as brancas 90,5%.

Além das políticas de ação afirmativa, combate ao racismo e reparação histórica voltadas à população negra, a diretora do Made-USP, Luiza Nassif-Pires, destaca também a necessidade de políticas de cuidado, para que mais mulheres possam acessar o mercado de trabalho, obtendo assim um patamar de renda maior para suas famílias.

“São medidas como ampliar a oferta de creches, de instituições e serviços de cuidado para idosos e pessoas com deficiência, de ensino infantil em tempo integral, entre outras”, defende a economista. Ela lembra que um Plano Nacional de Cuidados está sendo discutido pelo governo federal desde maio, quando foi criado um grupo de trabalho interministerial sobre o tema.

78ª Assembleia Geral da ONU

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na terça-feira, 19 de setembro, na abertura da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Tradicionalmente, o Brasil faz o primeiro discurso da sessão, seguido pelos Estados Unidos.

Em seu discurso, Lula voltou à defesa de mais espaço aos “países em desenvolvimento”, chamados por ele de “sul global” e cobrou responsabilidade direta dos “países ricos” tanto na questão do lento combate à fome e à desigualdade social quanto no aquecimento global.

“Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo. A desigualdade precisa inspirar indignação. Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano. Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo ao nosso redor”, afirmou. 

O presidente também disse que seu governo irá combater todas as formas de racismo, violência contra as mulheres, defenderá os direitos LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência.

“O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar. Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente”, disse Lula em referência à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, que reúne 17 objetivos para alcançar a sustentabilidade. 

As questões do clima também ocuparam centralidade no discurso de Lula, que destacou a transição energética como um ativo do Brasil contra a crise climática. “Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, finalizou o presidente.