Pós-divórcio, depressão e descobertas: histórias de mulheres que se encontraram nas viagens solo
Eliza Dinah, Jornalista- MG
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
“Os últimos 2 anos não foram fáceis: pandemia, bebê recém-nascido, separação, mudança de casa, mudanças no trabalho…. Mas viajar me conserta. É a melhor terapia, faz bem pra alma”
Um divórcio costuma ser uma etapa difícil, na qual é uma boa ideia viajar para se distrair e pensar em outra coisa. Rompimentos são doloridos, não importa quantas vezes você tenha namorado ou se casado. É ciência: estudos mostram que relacionamentos românticos são viciantes, e separações desencadeiam os mesmos sintomas de abstinência no cérebro que as pessoas devem superar.
No entanto, mesmo sendo uma fase dolorosa e complexa, recomeçar é preciso e necessário. Primeiro de tudo, os psicólogos afirmam que é preciso vivenciar toda a sua angústia, chorar, colocar para fora a tristeza, e só após sentir que vivenciou esse luto em sua totalidade, é a hora de erguer a cabeça e recomeçar.
Viajar sozinha, ou simplesmente viajar, se torna, então, caminho para uma libertação e reencontro de si mesma, que milhares de pessoas optam por vivenciar em períodos difíceis, como no caso do divórcio. Para uma mulher, viajar em uma circunstância dessas é ainda mais complicado do que para um homem: ninguém pergunta para “um cara” o que ele faz viajando sozinho ou onde está sua esposa ou namorada.
Relacionamento abusivo, uma força e a Tailândia
Fernanda Alcantara é Psicóloga Junguiana e Psicoterapeuta Corporal, e em seu 2º ano de faculdade, conheceu aquele que seria seu segundo esposo de um casamento que durou quase 8 anos e terminou em divórcio – para o bem dela.
A paulista conta que, na época da faculdade, seu então namorado insistia na ideia de que ela deveria parar os estudos, e usava como desculpa o fato dela ter apenas 50% de bolsa no Programa do ProUni. E assim foi feito: ela de fato chegou a trancar a faculdade, mas, a contragosto dele, resolveu retomar pouco tempo depois, e com a ajuda do Fies. Essa foi apenas uma das histórias que faziam daquele relacionamento abusivo e infeliz.
“Eu nunca fui feliz no casamento, pra ser sincera. Era um relacionamento bastante abusivo. Mas ele era aquele cara passivo agressivo. Ele sabia das minhas forças, então chegou um momento que eu estava muito fragilizada, me ofereceu todo o apoio, amparo e coisas lindas que eles oferecem. Nisso ele foi tirando minhas forças aos poucos, e eu fui acreditando nele e em todas as mentiras que ele dizia ser verdade sobre mim. Foi um casamento muito ruim”, desabafa.
Fernanda conta que insistia com o ex-esposo para eles viajarem juntos. E após muita insistência, ela conseguiu organizar com ele um passeio para Bertioga, município do estado de São Paulo, na Região Metropolitana da Baixada Santista. O local de praia fica relativamente perto da cidade onde moravam e, para a paulista, foi uma experiência horrível. A viagem de casal foi por água abaixo quando, inicialmente, ele, que queria acampar, levou dois colchões de solteiro em vez de um de casal. E o passeio termina com o ex-marido de Fernanda ficando super amigo de um outro homem, que segundo ela, “também era escroto como ele”. Ela percebeu então que ele não queria ficar com ela, e resumiu a sensação em frustração.
“As outras viagens que vieram depois foram ainda mais traumáticas. Sempre que era pra ser um dos momentos mais felizes da minha vida, ele fazia ser um dia chato, constrangedor, cansativo e difícil. E aí quando eu me formei, juntei um dinheiro do meu estágio e resolvi viajar. A gente já estava em crise no casamento, então eu falei para ele: “eu vou viajar, e vou viajar sozinha”. Eu sempre quis viajar sozinha e vivia falando isso, mas ele não botava fé que eu ia ter coragem. Aí eu resolvi ir para Paraty e fiquei lá 3 dias. Ele ficou fazendo um drama emocional, e então deixei ele ir no último dia para me encontrar”, conta a psicóloga.
Oito anos de uma infeliz relação se passaram, e Fernanda finalmente se viu forte o suficiente para pedir o divórcio. A fase foi um misto de libertação, tristeza, insegurança e superação. A paulista teve que abrir mão do apartamento que possuíam juntos, desistindo então do sonho da casa própria. Mas o melhor estava por vir: outro sonho estava prestes a ser realizado. “O meu sonho era ver as lanternas da Tailândia, e eu falava com meu ex-esposo. Mas ele era muito muquirana e eu nunca tinha viajado de avião. Quando a gente estava se separando e quando viu que não teria mais acordo, que eu não iria ceder, ele falou ‘olha, eu sei que seu sonho sempre foi tirar férias, então eu estou organizando aqui as minhas finanças e estou vendo passagem pro Nordeste para você tirar férias e a gente viajar juntos’, numa tentativa de me comprar”.
Fernanda aproveitou então um período de licença para se recuperar da Síndrome de Burnout, que por coincidência se emendava na semana de recesso de Natal, para colocar a mochila nas costas e viajar. Ela conta que deixou seus cachorros com a mãe e, mesmo com o coração muito partido pelo divórcio, decidiu que se era para sofrer, melhor sofrer debaixo de uma cachoeira. Mesmos sem nunca ter dirigido na estrada, se aventurou a percorrer milhares de quilômetros em direção a Minas Gerais. “Fui para São Tomé das Letras, na cachoeira Véu da Noiva, que é meu lugar de cura. Eu estava com o coração muito partido, e ficava na cachoeira chorando. Chorei! Chorei de emoção, de gratidão, de satisfação e orgulho por ter enfrentado o medo da estrada e por ter escolhido como queria passar meu Natal: na natureza, em minha companhia, cuidando de mim e tomando banho de cachoeira! Voltei tão orgulhosa e transformada que afirmava para mim e para o mundo: ninguém mais me segura. Foi uma semana que fiquei lá, em conexão comigo mesma. E foi incrível”.
E não parou por aí: poucos meses depois, no aproximar do feriado de Páscoa, a paulista resolveu procurar uma passagem em promoção para conhecer o nordeste, e quando menos esperava, encontrou sua tão sonhada passagem de ida e volta com bagagem para a Tailândia. “Eu fiquei enlouquecida e comprei a passagem. Eu nunca tinha viajado de avião, e eram 36 horas de voo. Meu inglês é inglês de escola pública de 20 anos atrás. E tinha todo o rolê de organizar roteiro, que eu nunca tinha feito”, relembra.
Viajando sozinha, Fernanda aprendeu a ficar consigo mesma, a ouvir sua própria voz, seu próprio silêncio, e apreciar a própria companhia. Ela conta que todo fim é um começo. “Tudo que eu tinha planejado para minha vida caiu por terra, porque estava tudo planejado dentro da estrutura do casamento, mesmo que eu detestasse estar casada. Mas eu fui ensinada a ser esposa, assim como todas nós fomos. E por mais que eu contestasse, isso estava muito forte em mim e é um processo a gente se desconectar disso para se conectar à nossa própria trajetória, nossa própria caminhada, descobrir quem nós somos e como viver nossa vida de verdade. No festival das lanternas na Tailândia, quando soltei a primeira lanterna, eu senti que toda dor que eu tava carregando, do que não deu certo, da família que eu não consegui constituir, do casamento que não vingou etc, eu senti tudo isso indo embora e eu fui me sentindo leve. E a minha mochila foi ficando com o que de fato era meu”, finaliza.
15 anos, depressão e sonhos que ficariam para trás
Natalia Albieri é Representante Comercial e, após um longo namoro de 11 anos, se casou e ficou outros 4 anos casada. No total, um relacionamento de 15 anos. Mas após mais de uma década juntos, veio a separação e a dor que envolvia essa decisão. Natalia conta que ela mesma pediu o divórcio, após não aguentar mais o esposo a pressionar para ter filhos – mesmo esse não sendo o desejo dela. Ela conta que a situação começou a ficar insustentável e o fim do casamento foi muito difícil para ambos.
Para poder assimilar a sua nova realidade, Natalia embarcou, uma semana depois, para Olímpia (SP), cidade conhecida pelos seus parques aquáticos. Ela conta que queria um lugar longe e que pudesse viajar dirigindo enquanto ouvia música no último volume.
E assim foi feito. A viagem durou 4 dias, e envolveu muita diversão – mesmo que sozinha – nas piscinas do parque.
“Nos 3 primeiros meses eu estava ótima, me sentido livre. No 5º mês, entrei numa depressão profunda, porque eu queria a volta e ele não me quis mais. Me rebaixei para o nível máximo, mas em vão. Aí veio tratamentos médicos, terapia etc”, conta.
A representante comercial diz que, depois da vigem para Olímpia, não parou mais: mesmo no pico da depressão, 5 meses depois do divórcio, ela viajou para Águas de Santa Barbara. E claro, não quer parar nunca mais: todo mês, a paulista tem um roteiro de passeios e viagens a ser cumprido e comemora que já viajou para mais de 10 lugares diferentes desde o divórcio.
Durante os 15 anos de casamento, o casal costumava viajar, mas, segundo Natalia, somente para lugares que o ex-esposo desejava. Nunca era vez dos destinos que ela sonhava em conhecer, sem contar as milhares de brigas que eles tinham em cada um dos passeios realizados. Ela, que sempre teve um espírito aventureiro e livre, realizou sua primeira viagem sozinha com 17 anos, mas depois do casamento, se viu presa, frequentando apenas os lugares que o marido decidia.
“Hoje fez 1 ano e já estou bem melhor, seguindo em frente. Não faço mais as terapias e consigo ficar bem. Divórcio não é fácil pra ninguém. Mas não tenha medo. Quando essa dor passa, a vida fica mais colorida e bela. Cada uma de nós tem seu tempo. O meu tempo foi de 1 ano para a dor passar. Siga em frente, a vida é uma só. A vida é um sopro”, aconselha Natalia.
Em seu leque de experiências pós-divórcio, Natália já pulou de paraquedas, já andou de rafting, fez trilhas e outras várias aventuras que, segundo ela, eram sonhos que certamente iam ficar para trás, já que o ex jamais faria – ele não andava nem em carrinho bate-bate de parque de diversões.
Duas filhas, medo e ressignificação
A coordenadora de Arte na editora Santillana, Carolina De Oliveira, vivenciou um relacionamento que durou 12 anos, sendo 4 de namoro e 8 de casados. Em 2017, tiveram sua primeira filha e, quando ela tinha 3 meses, eles decidiram se separar – pela primeira vez. Carolina conta que não houve um motivo crucial para o divórcio, que foi mais pelo desgaste do relacionamento e incompatibilidade. Ser mãe solteira de uma bebê tão novinha foi uma experiência bem difícil e, um ano depois de separados, o casal decidiu tentar novamente.
Veio então a segunda gravidez e, mesmo após a nova tentativa, o casamento nunca voltou muito acertado. Quando a segunda filha completou seu primeiro ano, o divórcio definitivo veio. Mesmo não sendo uma situação tão difícil para Caroline, que já não gostava mais do ex-marido, ela prezava e se preocupava muito com a experiência das filhas, e como elas lidariam com a situação. O casal combinou que o relacionamento entre eles seria o melhor possível, para que tudo se tornasse mais leve para as meninas.
“A barra foi morar sozinha com duas crianças pequenas, uma que na época tinha 3 anos e outra que tinha um. Então ser mãe solo de duas foi bem puxado e estressante, apesar de ter uma rede de apoio muito boa. Eu senti que eu precisava ter um tempo para mim, para descansar mesmo. Neste relacionamento, eu fiquei muito tempo deixando de ser quem eu era. A gente vai se esquecendo um pouco das coisas que gosta, de quem você é. Eu senti muita falta desse reencontro comigo mesma”, desabafa.
Foi quando Carolina, que nunca tinha viajado sozinha, resolveu ignorar o friozinho na barriga e embarcar para Pipa (RN) – e amou a experiência. Foi a primeira vez também que ficou longe das filhas. “O coração foi apertado, mas voltou transbordando. Transbordando gratidão e renovação. Os últimos 2 anos não foram fáceis: pandemia, bebê recém-nascido, separação, mudança de casa, mudanças no trabalho…. Mas viajar me ‘conserta’. É a melhor terapia, faz bem pra alma”.
A viagem foi tão renovadora que a paulista recomenda a experiência para todo mundo, mesmo quem não divorciou e ainda está casada. Segundo ela, todos merecem esse tempo sozinho, e que é surpreendente. Ela esperava se sentir, em algum momento, solitária e pra baixo, mas isso não aconteceu em momento algum.
“Muitas vezes, a mulher com filhos, pós divórcio, ficam muito relutante em deixar as crianças. Tem muito apego e medo de deixá-las. Mas vou falar que quem mais ganha com isso são as crianças, porque elas ganham uma mãe mais sã na volta. Melhora tudo, a paciência é renovada”, comemora. E claro, os planos para continuar viajando estão à todo vapor: próxima parada, Malta!