Por: Natália Bosco, jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista

A história do Brasil anda em conjunto com a agricultura. O país é um grande exportador agrícola e produz desde grandes monoculturas à agricultura de subsistência. A agricultura familiar e o empoderamento feminino agrícola fazem parte dessa crescente

A agricultura sempre esteve muito presente na economia e cultura do Brasil. As grandes fazendas de café, a produção de açúcar, borracha e leite se destacam em alguns capítulos da história brasileira. Ainda hoje, o país mantém sua forte relação com o agronegócio. Nos últimos 40 anos, o Brasil deixou de ser um importador de alimentos e se tornou um grande exportador de produtos agrícolas.

Historicamente, o estado de São Paulo se destaca no agronegócio do país e isso não é por acaso. Além de ser líder na produção de cana-de-açúcar, citros e de diversos outros produtos agropecuários, o estado também investe em modernização e pesquisas no setor. Em novembro de 2021, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo celebrou 130 anos e relembrou a história da agricultura no estado e os esforços que São Paulo fez para crescer no ramo, como a criação do Instituto Agronômico (IAC) e da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).

Além disso, dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) mostram que o PIB do agronegócio do estado de São Paulo avançou 8,27% em 2020. O relatório do PIB do Agronegócio de São Paulo mostra que a alta é a mais intensa desde 2010, quando o crescimento atingiu 12,17%. “Com isso, em 2020, o agronegócio paulista representou 14% do PIB do estado, sendo esta a maior participação da série histórica, iniciada em 2008”, aponta o estudo.

Além de economista e doutor em ciências sociais, Marcelo também é professor de economia na Universidade Anhembi Morumbi | Imagem: Arquivo pessoal

O economista e doutor em ciências sociais Marcelo Monteiro comenta sobre os impactos do agronegócio de São Paulo na economia do país. “Uma das principais culturas agrícolas do país está concentrada no estado de São Paulo, a cana-de-açúcar. O PIB agrícola hoje deve equivaler a 7% ou 8% do PIB nacional, então a cana-de-açúcar para o estado de São Paulo é extremamente importante para o PIB do Brasil. Eu acho que a ressalva que a gente faz para São Paulo, a gente pode fazer para o Brasil: como a agricultura é uma pequeníssima parte hoje do PIB, o açúcar é uma pequeníssima parte do PIB de São Paulo, que é uma pequeníssima parte do PIB do Brasil, mas tem impactos, a gente não pode deixar de considerar”, pontua Marcelo.

O economista também lembra que a agricultura vai além das grandes plantações. “A agricultura, hoje, a gente pode pensar em dois grandes movimentos. Aquela agricultura mais, digamos, padrão séculos 16 e 17 de grandes propriedade e a agricultura familiar, que é uma agricultura basicamente estilo europeu, de pequenas propriedades”, diz.

Agricultura Familiar

Muito além das grandes fazendas e monoculturas, a agricultura brasileira também se destaca nos pequenos espaços. Como citado por Marcelo Monteiro, o produtor de pequeno ou médio porte também tem seu papel na história e economia do Brasil.

Na agricultura familiar, a gestão da propriedade é compartilhada por uma família e a produção de alimentos ali cultivados constituem a principal fonte de renda dos familiares. Segundo o último Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017 e publicado em 2019, a agricultura familiar detém 23% do total da área dos estabelecimentos agropecuários do país. A despeito de ter menor participação no que tange a área, 77% dos estabelecimentos agropecuários são classificados como de agricultura familiar e, do total de pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários no Brasil, 67% está ocupado em estabelecimentos classificados como de agricultura familiar. O Estado de São Paulo (SP) se destaca na área. De acordo com os dados do IBGE, 64,97% dos estabelecimentos agropecuários paulistas são de agricultura familiar.

Segundo a Secretaria Municipal de São Paulo, a agricultura familiar é a atividade econômica de pelo menos 500 famílias que moram na cidade de São Paulo. Dentro do território rural da cidade, que equivale a um terço da área total do município, produtores promovem a cultura de diversos tipos de exemplares alimentícios distribuídos na zona urbana.

“Quando eu vou falar de agricultura com os meus alunos, eu sempre brinco com eles. Tem aquele jingle da Globo: ‘o agro é tec, o agro é pop, o agro é tudo’. E eu falo, ‘gente, isso é a agricultura, que se a gente voltar na história, é a agricultura latifundiária, monocultura exportadora. O que é importante para a agricultura e o que é importante aqui na nossa mesa para comer? É a agricultura familiar, é ela que traz basicamente o alimento que chega até nossas mesas’. Então, a agricultura familiar é importante para o país como um todo, não só para o estado de São Paulo. Mas dentro do estado de São Paulo, ela tem importância tanto para produzir desenvolvimento, digamos assim, mas principalmente para o fomento do setor agrícola do estado”, afirma Marcelo, que é professor na Universidade Anhembi Morumbi.

Ademar conta que o relevo montanhoso de Caconde ajuda na produção cafeicultura com mais qualidade | Imagem: Arquivo pessoal

O presidente da Câmara Setorial do Café do Estado de São Paulo, Ademar Pereira, conta com orgulho que trabalha há 35 anos na agricultura familiar. Ele começou a trabalhar com produção agrícola aos 10 anos, na propriedade de sua família.

Ademar relata a importância da agricultura familiar para o município de Caconde. “Olha, aqui de fato é agricultura de subsistência. O pessoal produz em áreas pequeninas e busca um meio digno de viver essa experiência do rural. Hora nós buscamos políticas públicas, hora buscamos o coletivo, hora procuramos o associativismo, hora estimulamos o ato de cooperar. A necessidade fez com que as pessoas estivessem muito presentes no dia a dia um do outro.”

O representante dos cafeicultores de Caconde compartilha um pouco sobre a vida dos produtores do município. “Existe um lado social, econômico envolvido na cafeicultura gigantesco de modo que metade da população praticamente ainda reside na zona rural onde o êxodo rural não chegou. A cafeicultura, nessa agricultura familiar, mantém o pessoal morando no campo. São 2.300 pequenas propriedades onde o pessoal cultiva, são 1.553 propriedades que têm o café presente e um dado de relevância: 605 dessas propriedades na montanha são menores que cinco hectares. Ou seja, é uma reforma agrária natural.”

Ademar também ressalta que o café e a agricultura familiar de Caconde são a maior remessa da economia, respondendo por 80% da economia do município, que possui quase 13 mil hectares de lavoura. Com orgulho, o cafeicultor relembra momentos de destaque da agricultura do município. “Já chegamos a ter uma vitrine, que foi uma pequena cooperativa que ganhou espaço nas principais feiras no estado de São Paulo: Feira do Empreendedor, Equipotel, Ano Food, Brasil Fer, Do Campo à Mesa, Mesa São Paulo.”

Empoderamento agrícola

A produtora de café Jusineia Fioranti, 42 anos, conta sobre os prazeres de ser agricultora. Há 11 anos, Jusineia comprou sua primeira propriedade e passou a produzir seu próprio café no município de Caconde. Ela conta que “tomou gosto” pela profissão após acompanhar o marido, que já trabalhava como cafeicultor. “Como meu marido já trabalhava (na produção de café), eu já ajudava ele na colheita, na seca do café, no terreiro e aí me empolguei e acabei comprando uma propriedade e tô na produção. Eu acho interessante, porque, além do café ser a cultura predominante da cidade, eu vejo a cultura do café como um todo. Todo mundo bebe café, desde o pobre até o mais rico.”

Mãe de três filhos, Jusineia conta que, sempre que possível, envolve todo o núcleo familiar na produção de cafe | Imagem: Arquivo pessoal

Jusineia lembra que a mão de obra no município é escassa e por isso a família precisa se ajudar. A cafeicultura afirma que essa participação familiar cria um protagonismo feminino muito grande. “Aqui em Caconde, como são muitas pequenas propriedades, praticamente agricultura familiar, a maioria das mulheres que toma conta da seca do café. Como o município é de montanha é até difícil a gente conseguir mão de obra, a mão de obra é escassa, por isso a família tem que se unir e ajudar tanto na colheita, quanto na seca”, afirma.

A produtora conta que, assim, as mulheres vão ganhando espaço. “Eu notei que, depois que eu comecei a produzir o café, muitas mulheres também sentiram essa necessidade de entrar (nesse meio), de cultivar, de querer produzir apesar de ter um custo alto. A mulher está crescendo bastante, ela tem tido um papel muito importante, porque a mulher tem que trabalhar fora, tem que cuidar da casa, do marido e ela tem crescido. A mulher tem tido esse protagonismo sim e eu acredito que a gente chega lá, tem dado certo”, diz empolgada.

E o esforço feminino é notado pelo município. Jusineia conta que está sendo formada uma associação das mulheres produtoras de café e compartilha os resultados. “Vai ter um evento em Caconde, a gente conseguiu um trator e colocou ele na cor rosa. Vai ter esse evento, que vai participar o pessoal da Confederação da Agricultura do Estado de São Paulo e acho que reconhece o esforço feminino. Vai ser um evento histórico para mostrar o trabalho das mulheres!”, finaliza feliz.