Morte de mães negras é duas vezes maior que de brancas, aponta pesquisa
O Ministério da Saúde promoveu, nos dias 23 e 24 de novembro, em Brasília, a 1ª Oficina De Trabalho: Morte Materna de Mulheres Negras no Contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). O evento marca a reabertura do Comitê Nacional de Prevenção à Mortalidade Materno Infantil. Como parte dessa iniciativa, a pasta lançou a Pesquisa Nascer no Brasil II: Inquérito Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento, um estudo realizado em parceria com a Fiocruz, a partir dos dados disponibilizados pelo SUS e que apresenta um cenário aprofundado sobre nascimento e gestação.
Dados preliminares referentes a 2022 apontam que, enquanto o número de mortes maternas está em 46,56 para mulheres brancas, no caso das mulheres pretas, é mais que o dobro: 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. No caso das pardas, a incidência é de 50,36. Vale lembrar que o Brasil assumiu uma meta junto às Nações Unidas de redução para 30 mortes até 2030.
A reversão de quadros como esse depende da adoção de diferentes políticas públicas. Na saúde, a ampliação da oferta de Centros de Parto Normal e maternidades está entre as prioridades do Novo PAC. Na primeira etapa, o Ministério da Saúde investiu R$ 3,84 bilhões na construção de 30 maternidades e R$ 90 milhões em 30 projetos de Centros de Parto Normal. No total, o Novo PAC na Saúde vai investir R$ 30,5 bilhões nos próximos quatro anos, viabilizando a universalização de serviços essenciais na rede pública.
A ampliação do acesso e do atendimento de qualidade na atenção primária à saúde, a porta de entrada do SUS, também está sendo possível com a retomada do Mais Médicos pelo governo federal. Logo no início desta gestão, o ministério retomou editais que estavam paralisados pela gestão passada, causando desassistência em regiões de maior vulnerabilidade social. Ao todo, a expectativa é que o Mais Médicos tenha, até o fim de 2023, 15 mil novos médicos em todo país, totalizando 28 mil profissionais, garantindo, por exemplo, o fortalecimento do pré-natal e o acompanhamento das gestantes.
Assim, a iniciativa vai resgatar o acesso à saúde para mais de 96 milhões de brasileiros. A pasta atua pela redução da desigualdade na distribuição desses profissionais no país.
Outro investimento importante neste ano de 2023 foi o custeio de equipes multiprofissionais na atenção primária. O Ministério da Saúde destinou R$ 870 milhões para estados e municípios custearem equipes compostas por profissionais de saúde de diferentes áreas como nutricionistas, fisioterapeutas, pediatras, psicólogos, ginecologistas e farmacêuticos. A falta de financiamento do último governo para que as gestões locais pudessem manter equipes organizadas e funcionando causou desassistência, principalmente nas regiões mais vulneráveis do Brasil.
Segundo o assessor para Equidade Racial do Ministério da Saúde, Luís Eduardo Batista, o objetivo é envolver diversos setores para, ao final dos dois dias de evento, estruturar uma proposta de trabalho.
“Pretendemos criar um plano com metas e ações que possam ser desenvolvidas pelo governo federal, pactuados entre profissionais da pasta da saúde, em diálogo com a sociedade civil, com os gestores de estados e municípios e também com movimentos de mulheres negras e de humanização do parto e nascimento”, explica.
Durante o encontro, o ministério também lançou a campanha “Racismo faz mal à saúde”. A pauta será trabalhada nas redes sociais, com materiais em diversos formatos, numa conscientização de que o racismo é um determinante social de saúde.
“Contamos com a ajuda de todos os participantes desta oficina. A partir dessa integração, vocês darão uma ajuda muito importante para a gestão do Ministério da Saúde e do SUS”, destacou o secretário executivo adjunto da pasta, Elton Bernardo Bandeira de Melo.
“Esse tipo de ação está diretamente alinhada ao enfrentamento do racismo, colocado como elemento central do governo. E, também, ao entendimento de que não é possível conduzir o Estado com racismo estrutural”, disse.
A pesquisa
A Pesquisa Nascer no Brasil apresenta o conceito de Razão de Mortalidade Materna (RMM) que é o número de óbitos, registrados em até 42 dias após o término da gravidez (atribuídos a causas ligadas à gestação, ao parto e ao puerpério) por 100 mil nascidos vivos.
Nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de covid-19, a diferença também foi significativa: em 2021, a RMM ficou em 194,8 no caso das mulheres negras (127,6 em 2020); 121 para brancas (64,8 em 2020) e 100 para pardas (68,8 em 2020).
Mas, considerando a série histórica e o recorte de mulheres pretas, é importante destacar que dados similares foram registrados em um período muito anterior à pandemia: em 2016, mulheres pretas somaram 119,4 mortes/100 mil nascidos vivos contra 52,9 em brancas.
Assistência pré-natal
A assistência pré-natal é um importante instrumento para prevenção de morte e outras complicações decorrentes da gestação, tanto para mães quanto para os bebês. O índice de gestantes que começaram os atendimentos no segundo trimestre da gravidez – considerado tardio – ficou em 13,4 % para pretas e pardas e 9,1% para mulheres brancas.
Desfecho da gestação e causas de morbidade materna
Em relação à morbidade – que é a presença de um tipo de doença na população -, os índices também são maiores na população negra. As causas mais comuns foram: as síndromes hipertensivas (gestantes pretas, 64,2%; pardas, 62,1%; e brancas, 54,7%); a hipertensão arterial grave (gestantes pretas, 58,5%, pardas, 54,8%; e brancas, 50,1%); e a pré-eclâmpsia grave (gestantes pretas, 26,5%; pardas, 25%; e brancas, 16,9%).
Foi também identificada maior natimortalidade em gestações de mulheres pardas (0,7%) e pretas (0,5%). O índice com relação às brancas é de 0,3%.
Idade
Outro dado analisado é a idade dessas mulheres e meninas. Ao considerarmos a idade delas quando foram internadas, mulheres pretas (15,9%) e pardas (13,8%) são maioria entre as gestantes com 10 a 19 anos se comparadas às brancas (10,8%). Já, no caso de gestações após 35 anos, as brancas foram maioria (18%) em relação a negras e pardas (15,9% e 13,9%, respectivamente). Em todos os grupos, a maioria engravidou entre 20 e 34 anos.
Local da internação
Em números absolutos, nos anos de 2022 e 2023, 7.426 mulheres pardas, 3.291 brancas e 1.716 pretas tiveram internações por parto ou aborto em hospitais públicos ou mistos.
É possível observar que as pardas registraram mais internações em áreas fora da região metropolitana (38,7%) em relação às brancas (32,7%) e negras (30,2%). O Nordeste registrou índices mais altos no caso das gestantes pardas (31%) e o Sudeste em relação às brancas (39,6%) e pretas (41,6%).
De forma geral, os três grupos registraram maior proporção de internações em hospitais públicos em relação às instituições mistas, mas, no caso de mulheres pretas (66,9%) e pardas (63%) este índice foi maior do que em brancas (55,2%).
Peregrinação para o parto: o caso Alyne Pimentel
Um caso sempre lembrado quando se fala em racismo e mortalidade materna de mulheres negras, é o de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, que morava no bairro de Belford Roxo, no Rio de Janeiro. No dia 14 de novembro de 2002, Alyne, negra e com 28 anos, estava no sexto mês de gestação, quando buscou assistência na rede pública de saúde, com dores abdominais e náuseas.
Após ser mandada de volta para casa pela primeira vez, voltou ao hospital e foi constatada a morte do feto. Após horas de espera, foi submetida à cirurgia, o quadro se agravou e sua transferência para outro hospital foi indicada. Na outra unidade médica, esperou horas no corredor e faleceu dois dias depois, por conta de uma hemorragia digestiva resultante do parto do feto morto.
Hoje, 21 anos depois, esse problema persiste: 19,8% das mulheres pardas e 18,7% de pretas tiveram que peregrinar para conseguir atendimento médico contra 14% de brancas. O caso de Alyne será tema de um dos painéis do evento.