Miss Tolerância
Por Ana Luiza Timm Soares
Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista
No penúltimo domingo (16/05) aconteceu o evento Miss Universo, o qual coroou a mexicana Andrea Meza como a “mais bela”, causando polêmica entre os fãs da candidata brasileira, que ficou em segundo lugar. Para além das tretas internéticas – que já são absurdas por si só, já que ambas são sim, lindíssimas – convido vocês a refletir um pouco sobre tais concursos de beleza, trazendo como pano de fundo o filme Misbehaviour (2020).
Muito se tem falado sobre as pressões estéticas as quais nós, mulheres – é claro que há padrões masculinos também, mas eles são mais flexíveis, digamos assim – estamos submetidas. Diariamente somos bombardeadas por imagens esguias, peles perfeitas, cabelos brilhantes e sedosos que nenhuma vida real comporta, mas que afetam nossa autoestima como se possíveis fossem.
Obviamente os concursos ratificam esses padrões à enésima potência, e quem sai ganhando são as empresas do setor: clínicas de cirurgia plástica, indústria cosmética, salões de beleza entre outros, os quais movimentam milhões com a promessa de “perfeição” a qualquer custo – seja este físico ou mental, já que financeiramente os valores são bem reais e, na maioria das vezes, vultosos. Como feminista, acredito que devemos combater ferrenhamente todas as tentativas de submissão a que a sociedade patriarcal nos impõe, mas assim como mostra o filme citado – lá vem spoiler – devemos direcionar nossa crítica a quem realmente merece ouvi-la.
No longa-metragem é possível visualizar os dois lados deste debate: se por um dos vieses o movimento feminista é protagonista em suas ações contrárias ao concurso, por outro vemos a personagem Jennifer Hosten (Miss Granada) – a primeira mulher negra* a vencer a competição, em 1970 – a qual enxerga a possibilidade de vitória como uma forma de representatividade e exemplo de sucesso para as meninas negras no período, além de lhe trazer oportunidades de estudo e trabalho a partir da coroação.
Em 2019, a sul-africana Zozibini Tunzi também encantou o público com sua beleza “fora do padrão” – além de ainda não ser tão comum ver mulheres negras no concurso, a modelo também tinha cabelos curtos, algo não muito corriqueiro neste tipo de evento. Ao entregar a faixa a sua sucessora (foto abaixo, ao centro), Tunzi desfilou de turbante e vestido com padrões que remetem à cultura Xhosa, grupo étnico sul-africano que enfatiza práticas tradicionais e costumes herdados de seus antepassados; referência utilizada em diversas ocasiões anteriores pela Miss Universo 2019.
Assim como Jennifer Hosten, Zozibini Tunzi viu na competição uma forma de reverberar seu discurso, seja através de ações, vestimentas, ou da palavra em si. Também é importante ressaltar o fato de que duas latino-americanas foram as finalistas este ano, levando o nome de “países non gratos” na atualidade ao centro do debate.
“- Mas então devemos achar tudo lindo e parar de criticar tais eventos?” É claro que não! Precisamos seguir ativas e aguerridas contra o machismo, a misoginia e outros absurdos que a sociedade heteronormativa compulsória nos impõe, mas para isso não devemos, em tempo algum, abrir mão da tolerância e lutar junto àquelas que tem desejos diferentes dos nossos. Cada uma de nós sabe a dor e a delícia de ser quem escolhemos ser.
Deveria terminar este texto com uma frase de Angela Davis ou Naomi Wolf, mas no momento me ocorre ressignificar o ditado que é atribuído a um homem – mas ao que parece nunca proferiu tais palavras:
– Há que endurecer, mas sem perder a sororidade, jamais!
Até a próxima!
*O filme cita a granadina como primeira negra a vencer o concurso, mas alguns historiadores afirmam que esta conquista teria sido da jamaicana Carole Joan Crowford, em 1963.