Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista

E-commerce, produtos chineses e a pandemia têm algo em comum; a mudança de hábitos do consumidor brasileiro, que passou a comprar mais pela internet e investir em mercadorias importadas da China.

Não é novidade que os produtos chineses já estão inseridos no comércio brasileiros há anos, mas a via pela qual ele chega ao consumidor final mudou. Há um tempo atrás, o método mais fácil de comprar produtos importados da China era através das lojas físicas que importam do país asiático para revender, no entanto, a pandemia acabou causando uma mudança; comprar diretamente do importador através do comércio eletrônico.

Comprar um produto de outro país, pela internet, pode significar esperar dias, semanas ou até mesmo meses para receber. Em alguns casos, as mercadorias ficam perdidas pelo caminho ou mesmo na alfândega. Apesar de parecer muito prático, esse sistema ainda tem alguns percalços, como a demora e a insegurança com relação à chegada do pedido, além da parte burocrática e legal dentro das alfândegas, uma vez que nem todos os fornecedores entregam nas condições exigidas.

Apesar dos riscos, o número de consumidores subiu de forma exponencial no ano passado. De acordo com um estudo realizado pela E-commerce Brasil, as vendas online representavam apenas 5% das vendas no país, entre no ano de 2019 e 2020. Com a pandemia, essa porcentagem subiu para 18% até o final de 2020.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, a China angariou o título de primeiro parceiro comercial do Brasil a ultrapassar a marca de importação e exportação superior a US$ 100 bilhões. O Brasil atingiu US$ 67.685 em exportações para a China, sendo o país asiático um dos principais compradores dos produtos exportados pelo Brasil, como soja, minério e petróleo. Apesar do crescimento do mercado chinês dentro país, o Brasil ainda exporta mais do que importa, sendo um dos principais fornecedores de matéria-prima para o país asiático.

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Foto: Arquivo Pessoal/Viviane Brunelly

Para entender como funciona o mercado de exportação e importação entre Brasil e China, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Viviane Brunelly, sócia-fundadora da VB Comex- Consultoria e Assessora Internacional na Federação das Indústrias do Distrito Federal e Especialista em Relações Internacionais, Master em Comércio Exterior.

MJ- Nos últimos anos, temos visto um aumento no interesse dos brasileiros por produtos vindos da China, em especial após a Pandemia. Ao que se deve esse fenômeno?

Viviane Brunelly – Antes de ser um “fenômeno” internacional, a China passou, nos últimos anos, por uma fase de desenvolvimento e reformas, cujas principais medidas de políticas públicas foram o alto investimento em infraestrutura e indústria. Além das estratégias de inserção internacional e, principalmente, seu protagonismo nas cadeias globais de valor, resultado desses investimentos internos e que trouxeram vantagem comparativa para o país asiático.

Assim, a partir desse contexto é possível analisarmos o porquê da procura por produtos chineses. Na contramão do que aconteceu na China, o Brasil não realizou investimentos importantes em infraestrutura e produzir em solo nacional é cada vez mais caro e, em alguns casos, se inserir no mercado internacional é pouco vantajoso. A indústria, setor tão importante para o crescimento do país, é altamente dependente de insumos importados da China e outros países. Com a pandemia, presenciamos muitas mudanças estruturais e comportamentais na sociedade, como a aceleração da digitalização de empresas e consumidores, a necessidade de ter uma segunda renda, o preço dos insumos para uso na indústria, o maior acesso a marketplaces estrangeiros,etc.
Perceba que todo esse contexto dentro e fora do Brasil contribuíram para o “boom” na importação de produtos chineses. A pandemia foi apenas mais um evento particular, embora muito importante, em todo esse cenário que intensificou ainda mais o comércio bilateral Brasil-China, especialmente quando pensamos em itens e equipamentos de proteção no combate ao covid-19.

MJ- O que torna o mercado e consumidores brasileiros atrativos para empresas internacionais, como o caso da chinesa Alibaba Group?

Viviane Brunelly – O Brasil é um país com um mercado consumidor enorme e, em algumas regiões, com alto poder aquisitivo. Há ainda, alguns estados que facilitam a atração de investimento estrangeiro ao diminuir taxas, ceder espaços/terrenos ou realizar algum programa de desenvolvimento com a expectativa de geração de empresas e dinamismo econômico local. Além disso, o Brasil é hub na América Latina, dando acesso a outros mercados nos países vizinhos, com moeda mais desvalorizada e mão-de-obra barata.

MJ- Essa concorrência pode ser vista como injusta para as empresas no Brasil, em decorrência dos baixos preços que os consumidores pagam por esses produtos importados?

Viviane Brunelly – Existem dois pontos que precisam ser avaliados. Primeiro, é o contexto que eu mencionei na primeira pergunta: não tivemos investimentos brasileiros significativos na indústria e infraestrutura, sem mencionar os altos custos tributários de se produzir localmente. Esse cenário contribui para que empresas e consumidores acessem o mercado internacional em busca de produtos não fabricados no Brasil ou com menor preço.  Outro ponto é que a China não é considerada uma econômica de mercado, o que significa dizer que o país asiático mantém o preço de seus produtos relativamente baixos devido a intervenção do Estado na economia, provocando assim uma concorrência desleal no mercado internacional. Há algumas medidas de combate ao comércio desleal, como é o caso da aplicação de antidumping.
A meu ver, o Brasil tem muita capacidade de virar o jogo e se tornar um grande player global, inclusive atraindo investimentos estrangeiros para o fomento e desenvolvimento da indústria brasileira, de maneira a torná-la mais independente de insumos importados.

MJ- Esse crescimento na importação de produtos chineses influencia de forma negativa ou positiva no mercado brasileiro? Poderia explicar?

Viviane Brunelly – Não há certo ou errado em uma relação comercial. Cada país comercializa aquilo que possui vantagem competitiva. O Brasil, por exemplo, é o maior exportador mundial de grãos, inclusive um grande fornecedor de alimentos para a China. Esse país, por sua vez, tem alta capacidade tecnológica e de infraestrutura, além de mão-de-obra barata, o que torna os produtos chineses financeiramente mais acessíveis. Acredito que a reflexão a ser feita é: o problema é comprar da China ou depender de insumos chineses para a indústria brasileira funcionar?

MJ- Atualmente, é mais fácil investir na importação e revenda de produtos do que na exportação de produtos brasileiros? Ou os dois estão nos mesmos parâmetros?

Viviane Brunelly – Para que uma empresa invista na exportação, pressupõe-se que ela tenha um produto minimamente “exportável” e condições financeiras e de conhecimento para inserir-se no mercado internacional. As vantagens da exportação são enormes, vão desde a diversificação de riscos até o aumento da competitividade e, principalmente, a isenção e benefícios fiscais e tributários.
Já a empresa que deseja importar é preciso realizar um estudo de viabilidade da importação, pois esse processo implica no pagamento de diversos tributos para a sua nacionalização. Também é um processo que tem suas vantagens, como a oportunidade de aperfeiçoar sua produção interna com a aquisição de insumos e maquinário mais tecnológicos e que farão diferença na produção.
Em suma, perceba que são dois processos diferentes e para definir o que é mais vantajoso ou não, é preciso avaliar diversos fatores, como o porte da empresa, expertise e mindset empresarial, conhecimento sobre as operações de comércio exterior, recursos financeiros, equipe técnica etc. Pois, a execução incorreta de qualquer que seja a operação, importação ou exportação, pode resultar em problemas sérios com os órgãos anuentes do comércio exterior brasileiro.

MJ- Qual o nível de importância da China dentro da importação e exportação no mercado brasileiro?

Viviane Brunelly – A China é hoje o principal e mais importante parceiro comercial do Brasil, tanto em exportação quanto em importação. Em segundo e terceiro lugar no ranking temos Estados Unidos e Argentina, respectivamente.
No primeiro semestre de 2021 foram exportados US$ 46 bilhões para a China, valor esse 38% maior que no mesmo período de 2020. Os principais produtos da pauta são: soja que possui participação de 37% nas vendas para o país asiático, minério de ferro com participação de 29% e óleos de petróleo com 17% da pauta exportada. Já as importações brasileiras da China somaram US$ 21 bilhões no acumulado do ano, o que significou um aumento de 26% em comparação com o ano anterior. A pauta de importações está concentrada na compra de produtos diversos da indústria da transformação.

MJ-  O grupo Alibaba já planeja implantar a primeira plataforma da Aliexpress com lojistas brasileiros. Isso é um passo positivo para o mercado e estreita/ facilita as transações de comércio exterior entre os dois países?

Viviane Brunelly – Com certeza é um passo importante e positivo para ambos os países. O Brasil é um grande mercado consumidor de produtos chineses e, além disso a China é o principal parceiro do Brasil. Ter uma plataforma que facilite o acesso ao mercado é fundamental para desenvolver as relações comerciais, mesmo se tratando de negócios B2B (business to business).

Comportamento do consumidor e lojistas

Com as primeiras medidas de prevenção contra a Covid-19 que foram implantadas no Brasil, as pessoas precisaram migrar do comércio físico para o eletrônico, tanto para vender como comprar. Na busca de acompanhar a situação atual e não ficar no prejuízo, inúmeras empresas buscaram se adaptar às plataformas digitais, disponibilizando os seus produtos e serviços, que se estendiam não só no atendimento, mas até a entrega ao consumidor. Se o brasileiro temia ainda o comércio eletrônico por falta de confiança, isso mudou de vez.

Se no começo as compras se limitavam em mercado, itens para casa, pedidos na farmácia, compras diversas pelos diferentes Marketplaces, o mundo eletrônico oferecia muito mais e os consumidores começaram a ir mais longe. Por que comprar de um lojista brasileiro se eu posso comprar diretamente da fábrica ou importador? Com preços baixos, as plataformas de vendas online chinesas se tornaram um grande atrativo para os brasileiros, que compram desde produtos eletrônicos a peças de vestuário, sapatos e maquiagem. Essa mudança de consumo tornou o Brasil um dos parceiros comerciais mais fortes da China no último ano, fortalecendo a relação comercial que já existia entre os dois países.

Enquanto as vendas no varejo crescem de um lado, por outro, o atacado também acompanha esse movimento. Com a facilitação na compra, logística e negociação, muitas pessoas decidiram investir na venda de produtos e mercadorias importadas da China para revenda, abrindo o próprio negócio através da internet. Esse tipo de empreendimento permite que o vendedor corte gasto como aluguel de um local físico, funcionários ou gastos como energia e água, proporcionando a oportunidade de vender, entregar ao consumidor de maneira mais econômica e com uma visibilidade de lucro maior.

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Foto: Arquivo Pessoal/Patrice Camatta

A brasileira Patrice Camatta é uma dessas pessoas que resolveu iniciar seu próprio negócio em plena pandemia, o e-commerce de mercadorias produzidas na China permitiu que ela pudesse expandir seu empreendimento sem excesso de gastos e com um bom retorno. Atualmente, ela vive na Holanda e conta como consegue realizar suas vendas estando tão longe do seu fornecedor.

MJ- Qual negócio você realiza pelo E-Commerce?

 Patrice Camatta- Minha loja se chama Makkie Thuis, que quer dizer em holandês “fácil em casa”. São móveis industriais que você compra pela internet e recebe numa caixa com o manual para montar em casa. Super fácil mesmo. Eu compro do meu fornecedor e entrego direto no meu cliente, que colocou o pedido para mim, isso se chama: Drop Shipping.

MJ- Esses produtos são todos produzidos na China, então, como funciona a compra, venda e devolução?

Patrice Camatta- A empresa fica na China e nos EUA, nós negociamos com o depósito, que fica na Alemanha. Em caso de devolução, a logística reversa acontece da mesma maneira da compra, o cliente entre em contato conosco e nós agendamos para que a transportadora possa recolher o móvel, após isso, devolvemos para o armazém, na Alemanha.

MJ- Como funciona os lucros das vendas? É um ramo que precisa investir muito?

Patrice Camatta- Fico com 100% de lucro, mas você precisa entender o seu mercado. Para o Drop Shipping, independente do produto, você não precisa investir muito capital, mas tempo sim. Você precisa investir muito em marketing e ter uma rede de contatos que te proporcione expandir o conhecimento do teu negócio.

MJ- Você acha que há um bom retorno?

Patrice Camatta- Quanto mais você investir em marketing, mais retorno terá para o seu negócio. Quer seja através de mídias-sociais, anúncios em tv, radio, outdoor, flyers, e tudo o que puder fazer de marketing. Sempre te trará um retorno.

O sistema Drop Shipping, utilizado por Patrice, é um modelo que permite que o varejista possa revender produtos sem tem que se responsabilizar pelo estoque, pois este fica na responsabilidade do fabricante ou armazenador dos produtos. Além disso, a logística, entrega e devolução também ficam a cargo da empresa que detém a mercadoria, restando ao varejista apenas a parte de vendas, atendimento ao cliente e suporte. Esse tipo de sistema permite que os lojistas possam revender, em qualquer parte do mundo, produtos fabricados ou armazenados também na China.

Dentre as vias de compra de produtos chineses, se destaca o site AliExpress, que pertence à Alibaba Group Holding Ltd. Com vendas na página e também através de aplicativo, a o AliExpress se tornou o “queridinho” dos brasileiros. Somente em 2020, a empresa teve um crescimento de 130% no Brasil, anunciou Yan Di, chefe da empresa no Brasil, em entrevista à Reuters.

Com a grande demanda, o grupo tem investido cada vez mais em propagandas, marketing e estratégias comerciais para continuar conquistando seus consumidores. Anteriormente, as entregas poderiam demorar semanas para chegar ao comprador, mas, para diminuir essas dificuldades e demora na entrega, o AliExpress já promete o prazo de 7 dias para transportar pedidos da China para o Brasil. Para isso, a empresa precisou implementar cinco voos fretados, por semana, e já planeja um sexto voo para agilizar as entregas.

Seja na exportação ou exportação, a China se tornou um parceiro importantíssimo para o mercado brasileiro, não apenas na compra de matéria-prima do Brasil, mas também no investimento de empresas chinesas em nosso território, que veem cada vez mais o Brasil como um parceiro de grande potencial comercial.